Economista aponta crise dos grãos como duro aprendizado
Os reflexos da crise que se abateu sobre os grãos neste ano poderão provocar impacto nas próximas safras agrícolas brasileiras.
O economista Fabio Silveira, sócio da consultoria MSConsult, estuda os agronegócios desde 1986, quando começou a trabalhar na Copersucar. De lá para cá, esteve sempre ligado ao setor, seja em outras empresas do ramo, no Unibanco ou em outras consultorias. Desenvolveu, como explicou ao Valor, uma visão do campo como investimento, e passou a traçar suas análises a partir desse ponto de vista.
Nesse sentido, Silveira está, hoje, particularmente preocupado com os reflexos que a crise que se abateu sobre os grãos neste ano poderá provocar nas próximas safras agrícolas brasileiras, principalmente no ciclo 2005/06, cujo plantio já foi deflagrado com variedades precoces de milho no Rio Grande do Sul – o Estado mais prejudicado pela prolongada estiagem que frustrou as perspectivas de aumento da produção nacional de soja e milho em 2004/05.
É certo que esse não foi o único problema da temporada para os grãos. Ainda no fim de 2004, o plantio se deu em um ambiente de preços externos e domésticos baixos e aumento de custos de insumos, no caso dos fertilizantes como reflexo direto das altas do petróleo no mercado internacional.
O câmbio, vital para a explosão do setor a partir do início desta década, foi menos favorável às exportações da safra, e a queda de rentabilidade advinda da conjunção negativa paralisou os pagamentos de dívidas pregressas e de débitos “novos” (referentes à 2004/05), estes prorrogados para 2006 por decisão do Conselho Monetário Nacional (CMN).
Sem recursos, promessas do Ministério da Agricultura de socorro aos produtores se perderam nas discussões do Orçamento do país para 2006, e as próprias associações nacionais e estaduais que representam agricultores já não têm esperanças de obter algo mais do que a prorrogação aprovada e os recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) já disponibilizados nas últimas semanas pelo Banco do Brasil.
– -O momento é importante para que os produtores mais organizados se conscientizem da necessidade de operar com parâmetros de rentabilidade em ótica menos eufórica – alerta Silveira.
Aqui, o economista toca em um ponto que também colaborou para a crise, de proporções inimagináveis há um ano. Em meados de 2004, os produtores brasileiros de grãos sabiam que não repetiriam em 2004/05 os excelentes resultados das duas safras anteriores, mas como estavam capitalizados pelo “boom”, confiavam em novo avanço.
E o agronegócio como um todo voltou a apresentar performance positiva no ano passado, apesar de ter patinado no segundo semestre. Impulsionado ainda pelo câmbio e pela disparada das cotações da soja nos primeiros meses – em Chicago, o bushel do grão atingiu a média de US$ 9,85 em abril, 63,2% mais que no mesmo mês de 2003 (US$ 6,0356) -, as exportações do setor atingiram US$ 38 bilhões e o superávit, US$ 33 bilhões.
O PIB calculado por CNA e Cepea/USP alcançou R$ 533,98 bilhões, ante R$ 508,3 bilhões em 2003. A renda “da porteira para dentro” das 20 principais lavouras somou R$ 109,5 bilhões em 2004, ante R$ 114,5 bilhões em 2003, de acordo com o Ministério da Agricultura.
Em 2005, há mais recuos à vista. O PIB dos agronegócios, conforme CNA e Cepea, deverá chegar a R$ 532,13 bilhões, interrompendo a tendência de aumentos; as exportações, graças principalmente às carnes e ao grupo açúcar e álcool ainda crescem, mas em ritmo mais lento que o do ano passado; e a receita das 20 principais lavouras está estimada pelo ministério em R$ 97,6 bilhões, e a queda só não será maior por conta do bom desempenho mais uma vez de açúcar e álcool, além do café.
Em seu próprio cálculo, Fabio Silveira projeta a receita agrícola apenas dos grãos (algodão, arroz, feijão, milho, soja, trigo e outros) em R$ 55,2 bilhões neste ano, ante R$ 70,9 bilhões em 2004. E em 2006, por contra do cenário complicado, ele prevê modesta retomada (R$ 58,2 bilhões).
O que mais preocupa o economista, contudo, é a pressão sobre a rentabilidade das lavouras e as relações de troca entre grãos e insumos, com os primeiros (soja, milho, trigo e algodão) de volta a preços internacionais históricos em virtude da gorda produção dos EUA em 2004/05 depois de suas safras frustradas.
Cálculos do Instituto de Economia Agrícola (IEA) de São Paulo mostram que, em julho de 2005, eram necessárias 31,3 sacas de soja para a compra de 1 tonelada de fertilizante, que tem preços também formados no exterior e sofre influência das oscilações do petróleo. No mesmo mês de 2002, eram 20,8 sacas. O milho se recuperou, e em julho passado 43,1 sacas valiam 1 tonelada de adubo, ante 50,7 em julho de 2004. Em 2002, entretanto, eram 25,6 sacas.
– Estamos diante de um doloroso aprendizado, importante para os produtores de grãos e que servirá de parâmetro também para outras culturas. Os cafeicultores, por exemplo, viveram uma fase tão dura nos anos 1990 que hoje estão mais preparados para dias de preços baixos, que sempre voltam. Além de um alerta, o que está acontecendo principalmente com a soja não deixa de ser um estímulo para que a atividade agrícola seja tratada com profissionalismo – frisa.
É preciso investir em tecnologia no campo, mas não no sentido restrito a insumos. É preciso boa gestão produtiva, mas uma boa gestão financeira também é fundamental. Em uma tendência de queda de preços, o uso dessas ferramentas costuma evitar o “efeito manada” provocado por mais vendas, segundo Silveira.
Apesar dos problemas atuais, o economista diz que o horizonte para os agronegócios no médio e longo prazos é positivo, em boa medida graças à tendência de expansão do consumo de alimentos no Brasil e no mundo, com destaque para a demanda asiática.
– Mas é preciso encarar a atividade como uma atividade capitalista, com o Estado apenas como um sinalizador de rumos. A agricultura brasileira começa a se firmar nesses moldes, com baixo protecionismo, baixo intervencionismo e poucos subsídios. Nos EUA e na União Européia, não se pratica uma agricultura capitalista no sentido clássico – observa o economista.
Assim, afirma, “uma eventual expansão da soja não se dará com preços acima da média história – como no “boom” que pegou de surpresa os próprios produtores -, mas com aumento de escala, minimização de erros e planejamento de preços e custos”. Silveira projeta cotações da soja entre US$ 5,80 e US$ 6 por bushel em Chicago em 2006. Quanto ao câmbio, ele prevê o dólar a R$ 2,50 no fim deste ano, e entre R$ 2,65 e R$ 2,70 ao término de 2006. Sobre a taxa básica de juros da economia brasileira, Fabio Silveira acredita em 18% no fim de 2005 e em 16% no fim de 2006.