Sem comemoração: arrozeiros não conseguem parcelar débitos

 Sem comemoração: arrozeiros não conseguem parcelar débitos

Faltou arroz, sobraram dívidas para os rizicultores

Banco do Brasil cria entraves para as negociações e bancos de fábricas seguem protestando títulos dos agricultores, acionando arrestos na Justiça e inscrevendo no Serasa.

Durou pouco a propalada “comemoração” dos arrozeiros gaúchos, paranaenses e catarinenses para a prorrogação das dívidas acumuladas de crédito rural por causa das perdas na safra passada geradas pelo excesso de chuvas. Até o momento, na Fronteira-Oeste e na Depressão Central gaúcha, raras operações foram viabilizadas por conta do alto nível de exigências adotadas pelo Banco do Brasil, que interpretou a Resolução 4504, de 1º de julho de 2016, de forma diferente daquela interpretada pelos agricultores. Dirigentes setoriais correm para tentar “apagar o incêndio” entre rizicultores e agências do Banco do Brasil. Arrozeiro e presidente do Sindicato Rural de Tapes (RS), Juarez Petry de Souza considera que a situação é “parelha em todo o Estado”.

Dentre os bancos, apenas o Sicredi aceitou os termos e parcelou em cinco anos as dívidas de custeio e investimento. Os bancos de fábrica seguem inscrevendo (negativando) os devedores no Serasa, gerando cobranças judiciais, protestando títulos e promovendo o arresto de bens, sem levar em conta a determinação, segundo informado por lideranças setoriais nesta terça-feira. Os bancos privados aguardam os movimentos dos bancos públicos.

Dirigentes ouvidos afirmam que o Banco do Brasil, ao invés de adotar uma prorrogação das dívidas em cinco anos automaticamente, conforme consta da resolução do Conselho Monetário Nacional e Banco Central para os agricultores que tiveram perdas parciais ou totais provocadas pelas enchentes, e em municípios onde foi decretado estado de emergência ou calamidade pública, adotou os mecanismos do Manual de Crédito Rural (MCR), já previstos em contratos, mas estabeleceu uma série de exigências. A resolução, em verdade, permite mais de uma interpretação.

Diferentemente do que esperavam os rizicultores, as agências do BB estão exigindo a prestação de contas dos “gastos” da lavoura, levantamentos específicos e detalhados sobre as áreas perdidas (mesmo que tenham sido auditadas pelos fiscais do banco e assistências técnicas antes e depois das perdas), e uma projeção de faturamento futuro para explanar como planejam pagar as parcelas. “Diante disso, a seu critério, o banco vai realizar um estudo de viabilidade de pagamento e determinar se você pode ou não parcelar os valores e em quantas vezes você poderá parcelar”, explica o presidente da Associação de Arrozeiros de Itaqui e Maçambará, na Fronteira Oeste gaúcha, João Raul Borges Neto.

Cita, por exemplo: “se o produtor estiver devendo R$ 1 milhão e seu ‘potencial’ de pagamento definido a critério do banco for de R$ 500 mil, o banco só aceita prorrogar os valores em duas parcelas e não nas cinco como foi regulamentado pelo Banco Central com a chancela do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e do Conselho Monetário Nacional”, acrescenta.

Esta condição foi exposta aos produtores de Uruguaiana, nesta terça-feira, em reunião entre agricultores, dirigentes da Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz) e gerência do Banco do Brasil. Nesta quarta-feira, às 10h30min, haverá um encontro entre representantes do banco e agricultores de Itaqui e Maçambará e da Federarroz para nova rodada de tratativas e busca de entendimento.

A União Central de Rizicultores (UCR), de Cachoeira do Sul e Novo Cabrais, confirma que também na Depressão Central as normas do BB são idênticas e não há expectativa de solução por falta de mobilização do setor junto ao governo e ao banco. “Não há uma interpretação por agência, é um posicionamento padrão do banco”, informou um gerente da Depressão Central que preferiu não se identificar.

SEM APOIO

Os arrozeiros gaúchos que vivem um momento trágico em termos de perda das lavouras e endividamento alegam que os deputados federais e senadores ligados à agropecuária estão mais preocupados em dar suporte ao governo interino do que bater de frente com o novo ministro – que integra a bancada ruralista – em defesa do setor. Arrozeiros de Uruguaiana, que arcaram com prejuízos nesta safra e se reuniram nesta terça-feira com representantes dos bancos e da Federarroz, argumentam também que politicamente a Secretaria Estadual de Agricultura sumiu e a direção do Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga) perdeu força política.

“O ambiente, em nível federal, é de conformismo. Os deputados que deveriam defender o nosso setor, pois buscam os nossos votos, estão aceitando tudo sob o argumento da aglutinação em torno desse governo”, desabafa João Raul Borges Neto. 

Em nível estadual, produtores da Depressão Central consideram que o Irga perdeu prestígio político e tornou-se apenas um quadro técnico, sem voz ou protagonismo no governo estadual. “O Irga mantém sua importância como suporte tecnológico, mas perdeu seu protagonismo político. Por último, quem nos defendia era a Farsul, mas com a puxada de tapete na Câmara Setorial, até a Farsul desanimou com essa briga”, argumenta um ex-conselheiro do Instituto que prefere não se identificar para “não entrar em polêmica” ou sofrer represálias setoriais.

O presidente da UCR, Ademar Kochenborger, afirma que o setor está sem representação setorial. “Estamos divididos entre milhares de produtores endividados, em via de ir à falência, que são os pequenos, os médios e os arrendatários, e os grandes e capitalizados, que hoje estão sob os cuidados das entidades que deveriam representar a todos os arrozeiros. Hoje tem quem apareça na mídia para comemorar preços de R$ 50,00, mas esquece de dizer que a maioria dos produtores entregaram o arroz para a indústria a R$ 37,00 ou R$ 38,00, tiveram um custo de produção acima de R$ 44,70 por saca, e muitos perderam parte ou toda a lavoura”, afirma. 

Ele lembra que por insistência da UCR e da Feira Nacional do Arroz, o ministro Blairo Maggi esteve em Cachoeira do Sul para ouvir arrozeiros e visitou uma lavoura com perdas de mais de 50% pelas enchentes. “Ele visualizou o drama”. Segundo Kochenborger, o formato de parcelamento adotado pelas instituições financeiras foge ao determinado na Resolução 4504, e só vai tornar ainda mais aguda a crise. “Em cinco safras para muitos já será impossível pagar, imagina com o banco pedindo 10% agora, de quem não colheu nada, e um plano para agilizar o pagamento num menor número de parcelas. Falta sensibilidade daquele que se apresenta como ’parceiro do agronegócio´ ou a ‘parceria´ só vale para a época de vacas gordas”, questiona.

Para Borges Neto, os agricultores com dívidas estão desnorteados, sem rumo, sem um discurso claro e unificado para organização do setor. Ele enfatiza que o assunto foi colocado na semana passada para a Federarroz em uma telerreunião, que gerou o enviou de um diretor à Fronteira-Oeste para buscar sensibilizar os gerentes. 

“A Federarroz, infelizmente, considera inadequado colocar essa situação pra fora e fica falando em comemorar parcelamento que não chega ao produtor, preços altos e estabilidade. Mas, essa não é a realidade de 70% dos arrozeiros. Estes já venderam o arroz que colheram abaixo do custo de produção, são financiados pela indústria e os que não são, não conseguem o parcelamento pelo Banco do Brasil. O pequeno produtor e o arrendatário estão sumindo, sendo sufocados, protestados, processados e penalizados. A situação é grave e parece que só agora, aos 45 do segundo tempo a entidade está acordando para isso”, reconhece o presidente da Associação de Arrozeiros de Itaqui e Maçambará.

A estimativa do MAPA é de que cerca de R$ 600 milhões em créditos em atraso deveriam ser prorrogados relativamente às dívidas de custeio e investimento dos arrozeiros gaúchos e parte de Santa Catarina. O CMN autorizou aos produtores rurais cinco anos para pagar as parcelas de custeio e um ano a mais para pagar as de investimento, com juros de 8,75% ao ano.

A medida, que está dentro das condições já previstas pelo Manual de Crédito Rural, não é considerada uma solução pelo setor, mas apenas um paliativo, pois os produtores pediam pelo menos 10 anos para pagar. Parte substancial da produção de arroz do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina é financiada pela indústria por falta de acesso ao crédito oficial. “Ruim com ela, pior sem ela. Se não fosse a indústria boa parte dos agricultores gaúchos, talvez 50%, já estariam fora do sistema de produção”, atesta João Raul Borges Neto.

Segundo ele, a lavoura gaúcha ruma para um sistema integrado – de financiamento direto pela indústria, seja pela liberação de recursos ou insumos, com o compromisso de venda – se não houver uma forte mudança e readequação do acesso ao crédito oficial. Para ele, se prevalecerem as regras que estão sendo impostas pelo Banco do Brasil, a área gaúcha de arroz na próxima temporada tende a ser reduzida. “A menos que a indústria banque o plantio”, sentencia.

Abaíxo, a resolução.

RESOLUÇÃO Nº 4.504, DE 1 DE JULHO DE 2016

Autoriza a renegociação de operações de crédito rural relacionadas à cultura do arroz em município da região Sul onde tenha sido decretada situação de emergência ou estado de calamidade pública.

O Banco Central do Brasil, na forma do art. 9º da Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964, torna público que o Conselho Monetário Nacional, em sessão realizada em 30 de junho de 2016, tendo em vista as disposições do art. 4º, inciso VI, da Lei nº 4.595, de 1964, dos arts. 4º e 14 da Lei nº 4.829, de 5 de novembro de 1965, e do art. 5º da Lei nº 10.186, de 12 de fevereiro de 2001,

R E S O L V E U :

Art. 1º Ficam as instituições financeiras autorizadas a renegociar:

I – as operações de crédito rural de custeio contratadas na safra 2015/2016;

II – as parcelas vencidas ou vincendas em 2016 das operações de:

a) custeio de safras anteriores a 2015/2016 prorrogadas por autorização do Conselho Monetário Nacional (CMN);

b) investimento;

c) Empréstimo do Governo Federal (EGF) de arroz prorrogadas com base nas Resoluções ns. 3.952, de 24 de fevereiro de 2011, 3.992, de 14 de julho de 2011, e 4.161, de 12 de dezembro de 2012.

§ 1º A renegociação de que trata o caput se aplica somente às operações de crédito rural cujos recursos tenham sido destinados à produção de arroz em municípios dos estados do Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina, onde tenha sido decretada situação de emergência ou estado de calamidade pública em decorrência de alagamento, chuvas intensas, enxurradas e inundações a partir de 1º de setembro de 2015, com reconhecimento pelo Ministério da Integração Nacional, observadas as seguintes condições:

I – beneficiários: produtores rurais de arroz, suas associações e cooperativas de produção;

II – apuração do saldo devedor: as parcelas vencidas e vincendas das operações objeto da prorrogação devem ser atualizadas pelos encargos contratuais de normalidade;

III – reembolso:

a) custeio contratado na safra 2015/2016: em até 5 (cinco) parcelas anuais;

b) parcelas de custeio prorrogado, investimento e EGF: 1 (um) ano após o vencimento final do contrato de financiamento;

IV – podem ser abrangidas pela renegociação as operações de custeio rural com cobertura parcial do Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro) ou outra modalidade de seguro agropecuário, excluído o valor referente à indenização;

V – prazo para formalização: até 30 de dezembro de 2016.

§ 2º Para efeito das prorrogações previstas neste artigo, as instituições financeiras ficam dispensadas do cumprimento das exigências previstas no MCR 2-6-10, MCR 10-1-24 e MCR 13-1-4.

3º Admite-se, a critério da instituição financeira, a substituição de aditivo contratual por “carimbo texto” para formalização da prorrogação de que trata esta Resolução.

Art. 2º O mutuário que renegociar suas dívidas nos termos desta Resolução fica impedido de contratar novo financiamento de investimento com recursos do crédito rural, em todo o Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR), até que amortize integralmente, no mínimo, as parcelas previstas para os três anos subsequentes ao da formalização da renegociação, exceto quando o crédito se destinar a projeto de investimento para irrigação.

Art. 3º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

Ilan Goldfajn

Presidente do Banco Central do Brasil

7 Comentários

  • Que baita sacanagem, ein ….
    Os bancos sempre colocam pedras no caminho quando não é interessante para eles.

  • Triste ver toda uma cadeia que gera milhares de empregos direto e indiretamente e que produs mais de 70% do arroz no paiz chegar a esse ponto.A lavoura arrozeira vai ficar na mão de poucos que tiverem folego .

  • O mais indigante é saber que os produtores que estao indo no banco do brasil e Os funcionários dizem que não sabem de nada. Que só viram nas noticias externas. Sendo que outras entidades ja estão renegociando. Agora quando liberam custeios e pré custeios vem cheios de metas imbutidas, é ourocap, seguros, consórcio e ainda querem pagar direto as empresas a qual os produtores fazem suas compras. Sendo que sabe que isso tem um custo. Que na maioria dos casos é o produtor que paga. Esta na hora de valorizar mais os nossos agricultores.

  • Quantos anos venho falando da nossa triste realidade… Da realidade real… Nao daquela fantasiada pelo engravatadinhos e politicos… E nao pensem que os nota grande estao nadando no dinheiro como alguns pensam… A diferença unica e exclusivamente eh que eles tem um pouquinho mais de corda para se enforcar… Fui chamado de terrorista, pessimista, franco atirador e tudo mais… Pois a realidade esta ai posta nua e crua em cima da mesa… Vao restar 5% dos produtores e meia duzia de industrias… Entendem agora quando pediamos reduçao de area e mais soja neles, menos Cprs, mais silos e galpoes proprios… E com medo de que o que esta acontecendo iria mesmo acontecendo!!!! Quem teimou que aguente as consequencias pq nossos parceiros nao sao parceiros de pedra que nao da leite !!! Abraços.

  • isto que esta acontecendo so prova que falei numa reuniao na farsul aonde estavam o irga federarroz deputados e muitad associaçoes de arrozeiros do estado do rs que nós arrozeiros estamos sem pai e sem mae , a deus dará pois nossas entidades que se dizem ser nossa nao estao nei ai pra nos.os banco de fabrica me falaram hoje que se nao pagar vao fazer busca e apreensao, se num ano em que se perde quase a totalidade da lavoura nao se consegue prorrogar a parcela , vamos conseguir quando?

  • Amigos o que o Raul está sentindo juntamente com a fronteira oeste a UCR e o Sindicato Rural de Cachoeira do Sul já vem falando a tempos, por isso no dia 05/06/2015 foi feita uma grande assembleia com a chamada (Falência da lavoura arrozeira) foram convidados todos políticos e entidades representativas, onde foi elaborada a carta de Cachoeira, a qual foi entregue, pessoalmente por mim, para André Nassar e Kátia Abreu.
    Mas para nossa surpresa ocorreu uma assembleia da FEDERARROZ em Alegrete, uma semana após o evento, onde estavam presentes todas entidades representativas, as quais tripudiaram e humilharam o evento cachoeirense, dizendo que a lavoura estava bem e que não caberia esse título. Mas vários relatos de produtores confirmaram o que se dizia em cachoeira. Não temos p apoio de muitos políticos pois as entidades não representam a real situação do produtor. Exemplo disso é o IRGA anunciar apenas 16% de quebra na atual safra. É triste ouvirmos isso e pagarmos 56 centavos por saco de arroz por taxa de cdo e numa reunião em Brasília com André Nassar o presidente do IRGA dizer que o problema do arroz é gestão.
    Realmente esses políticos carreiristas, que se perpetuam no poder colocam os responsáveis pelas entidades no poder devem receber o troco nas urnas eleitorais.
    Logo logo, quem irá pagar a conta disso é o consumidor, porque os produtores não terão condições de se manter na atividade e assim, faltará comida, gostarei de ver como as entidades irão explicar isso aos consumidores e aos políticos que os elegeram.
    No Rio Grande do Sul existe secretária de agricultura??? O que ela fez ultimamente??? O setor arrozeiro enfrenta a pior crise da história, o que tem sido feito???
    Prorrogar dividas históricas por 5 anos é inclusive uma falta de respeito com a classe.
    A única alternativa que resta ao produtor é entregar os ”ferros velhos, ultrapassados, sucateados”, comprados com o suor de anos de trabalho dia e noite, aos bancos e demais agentes financeiros e assim encerrar a atividade antes que perca até a casa onde mora!!!

  • Muito bem Sr. Ademar, falou exatamente o que precisa ser dito, colocaste em palavras o sentimento e a dura realidade em que vive atualmente a maioria dos produtores de arroz do RGS.
    E inconcebível o IRGA falar em falta de gestão do produtor e insistir nesta quebra ridícula de 16 % por motivos ainda escusos, sendo que Instituto sobrevive as custas da (taxa cdo) oriunda do produtor e não do estado que o administra através de indicações politicas para os seus cargos de chefia, indicados por uma minoria que não possui a representatividade da maioria dos produtores. Daí ocorre este tipo de situação em que o presidente da entidade vai a Brasília nos gabinetes ministeriais falar para quem não devia, que os problemas da maioria dos arrozeiros é falta de gestão.
    Além de enfrentarmos todos tipos agruras ainda somos taxados de incompetentes por aqueles que deveriam nos defender diante dos órgãos governamentais.

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