Pontos responsáveis pelo avanço da produtividade de arroz no RS nos últimos 20 anos
Sem dúvida, no início dos anos 2000, vivíamos o caos do problema de arroz vermelho no Rio Grande do Sul. Áreas produzindo abaixo de 4.000 kg/ha e outras abandonadas por problemas com a invasora. A entrada da tecnologia Clearfield e IRGA 422 CL proporcionaram a retomada da produção em superfícies que haviam se tornado marginais à época. Apesar de criticada em alguns aspectos, se não fosse a cultivar IRGA 422 CL, muitos agricultores não estariam produzindo arroz há muito tempo.
Somada à entrada do sistema Clearfield, não podemos deixar de considerar o Programa CFC, de transferência de tecnologias, com o pesquisador Edward Pulver, que “mexeu com a turma da pesquisa do arroz irrigado”, e foi o início do Projeto 10 do Irga, baseado na tradução dos 10 pontos do Rice Check, da Austrália.
Os principais fundamentos desses projetos, do ponto de vista do manejo, são: mudança da época de semeadura, controle precoce de plantas daninhas, ureia no seco e a irrigação antecipada, além do manejo integrado de pragas e doenças.
Um pouco depois, em 2004/05, destaco as mudanças nas recomendações de adubação da cultura Rio Grande do Sul. Para se ter uma ideia no Congresso de Arroz Irrigado em Santa Maria, 2005, foi apresentado um trabalho no qual a conclusão era que “A cultura do arroz irrigado não respondia a adubação”. Semeávamos tarde, controlávamos plantas daninhas e irrigávamos com 40 dias – havia um herbicida na época, o Ronstar, que o apelido era “camelo”, pois aguentava 30 dias sem água – aplicávamos N dentro d’água, em pequena quantidade, pois podia acamar devido ao vermelho. Tínhamos graves problemas de manejo e queríamos que a cultura respondesse à adubação.
Nesse sentido as recomendações da época constavam nos manuais da Sociedade Sul Brasileira de Arroz Irrigado (Sosbai), porém ninguém as utilizava, pelos motivos citados. Preocupado com isso, o doutor Ibanor Anghinoni, consultor técnico do Irga, inicialmente propôs uma rede experimental para validar as recomendações de adubação da época.
Desses dois anos iniciais de trabalho as grandes conclusões foram: resposta da cultura do arroz irrigado era significativa e consistente; doses poderiam estar desequilibradas e necessitavam ajustes; resposta diferenciada de cultivares e solos; aparece a questão do potássio em função da CTC. No total foram mais de 280 ensaios que culminaram com as recomendações de adubação de 2010.
Como grandes avanços, considero o aumento das doses de N e P, a recomendação do potássio em função da CTC, novo enfoque sobre enxofre e as notas de rodapé, que na verdade é a grande jogada do doutor Ibanor. As notas de rodapé desengessaram o sistema, devolveram ao técnico a capacidade de criar e usar a “arte” da Agronomia junto com o produtor, levando em conta época de semeadura, cultivar, nível tecnológico, disponibilidade de recursos financeiros, tipo de solos, histórico da área, enfim, “as recomendações de adubação são mais que a análise de solos, sendo ela fundamental e a base de tudo, o início. Assim, termina o uso de “receitas de bolos” em adubação do arroz irrigado”.
Não tenho dúvidas de que nenhuma outra cultura no mundo tenha um sistema tão analisado e completo sobre fertilização como o arroz Irrigado no Sul do Brasil.
Naquele momento surge como linhagem promissora o que seria, em 2007/08, a cultivar IRGA 424 (veja a importância do melhoramento genético), que também é responsável pelos avanços nos últimos 20 anos. Então, ainda como linhagem nos ensaios de fertilidade, trouxe novos patamares produtivos para as lavouras de arroz do Rio Grande do Sul e para os ensaios da pesquisa. Nossos ensaios passaram pela primeira vez de 13 t/ha, com uma resposta à adubação de mais de 6 t/ha e de forma linear, até então desconhecida para nós.
Na sequência e com a entrada de materiais de ciclo médio como o IRGA 424, o fracionamento de ureia em três etapas também propiciou um incremento de produtividade e redução de perdas de N nas lavouras gaúchas de arroz.
Também não posso deixar de citar a entrada dos híbridos com um novo patamar produtivo e a implementação e crescimento das áreas de soja em rotação no estado, chegando a 320 mil hectares na última safra. Lembro que em 2008 eram menos de 50 mil hectares de soja em rotação com arroz irrigado.
Também é impossível não citar a tecnologia RR embarcada na soja, que possibilitou o controle de plantas daninhas nessas áreas, e o trabalho da pesquisadora Claudia Lange, então no Irga, que culminou com o lançamento da TEC IRGA 6070 RR, (parceria Irga x Fundacep) primeiro material lançado para terras baixas, que possibilitou que adaptássemos a várzea para receber essa cultura de sequeiro.
E o futuro… Os próximos 20 anos?
Serão as décadas da gestão, gestão técnica e administrativa dos processos produtivos, sairemos de uma agricultura de insumos para uma agricultura de processos, a lavoura de arroz deixará de ser um cultivo de verão que ocorre em 120 dias, e passará a ser parte de um sistema de produção no qual a soja aparece em rotação e as pastagens de inverno e plantas de cobertura, juntamente com os animais, na fase de inverno.
A biotecnologia deverá avançar nesse período, o controle biológico de pragas e doenças, segundo alguns pesquisadores, daqui a 20 anos será responsável por cerca de 30% dos insumos utilizados nas lavouras de arroz. Dependeremos muito do melhoramento genético, estamos em um momento que novamente precisamos de genética para avançar em produtividade, pois esta, hoje, tornou-se fator de limitação do manejo.
Resistência a pragas e doenças será o diferencial, além da qualidade e potencial produtivo dos materiais. Para que isso aconteça, será fundamental o papel da pesquisa pública que tem que ser urgentemente fortalecida e reestruturada. O risco da lavoura perder a pesquisa pública é muito grande para o produtor e a cadeia produtiva.
O ideal seria a construção de parcerias de cooperação técnica entre órgãos oficias de pesquisas, universidades nacionais e internacionais e empresas privadas, na qual o produtor seria o grande beneficiado. São temas muito falados, porém, na prática pouco se faz para efetivá-los. Em relação ao controle de plantas daninhas vejo ele muito nas mãos das grandes empresas do setor, e acredito que assim deva permanecer, pois dominam essas tecnologias enquanto a pesquisa pública perde seu espaço por falta de investimentos, técnicos, gestão.
Me sinto honrado em ser lembrado para uma edição tão importante como essa, dos 20 anos da Planeta Arroz, saúde e vida longa a todos que fazem parte deste grande veículo.