Influência de cultivares, densidades de semeadura e doses de nitrogênio na produção integrada de arroz e peixes

Autoria: Rafael de Campos Carmona(I); Paulo Regis Ferreira da Silva(I), 1; Thais Fernanda Stella de Freitas(I); Mércio Luiz Strieder(I); Carlos Henrique Paim Mariot(II).

FITOTECNIA

 

Influência de cultivares, densidades de semeadura e doses de nitrogênio na produção integrada de arroz e peixes

 

Cultivar, seeding rate and nitrogen side-dress fertilization influence in integrated production of rice and fish

  

Rafael de Campos CarmonaI; Paulo Regis Ferreira da SilvaI, 1; Thais Fernanda Stella de FreitasI; Mércio Luiz StriederI; Carlos Henrique Paim MariotII

IPrograma de Pós-graduação em Fitotecnia, Departamento de Plantas de Lavoura, Faculdade de Agronomia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Av Bento Gonçalves, 7712, CP 15100, Porto Alegre, RS, Brasil. E-mail: paulo.silva@ufrgs.br
IIEstação Experimental do Arroz, Departamento de Fitotecnia, Instituto Rio Grandense do Arroz (IRGA), Cachoeirinha, RS, Brasil

 

 


RESUMO

A produção integrada de arroz e peixes é uma prática que pode trazer benefícios aos orizicultores, diminuindo o uso de agroquímicos e o número de operações de preparo do solo, embora possa aumentar o acamamento de plantas. Este trabalho objetivou testar estratégias de manejo que reduzam o acamamento de plantas de arroz cultivado no sistema pré-germinado em área com quatro anos com rizipiscicultura. Um experimento foi conduzido a campo em Santo Antônio da Patrulha, RS, utilizando duas cultivares (“IRGA 417” e “IRGA 419”), três densidades de semeadura (70, 150 e 230kg ha-1) e três doses de nitrogênio (N) aplicado em cobertura (0, 80 e 160kg ha-1 de N). O acamamento de plantas não diferiu entre as cultivares e entre os níveis de N testados. O rendimento de grãos variou com o incremento da densidade de semeadura apenas na cultivar “IRGA 417”. O teor de proteína dos grãos da cultivar “IRGA 417” foi superior ao da “IRGA 419”, independentemente de densidade de semeadura e nível de adubação nitrogenada em cobertura.

Palavras-chave: Oryza sativa, acamamento de plantas, rizipiscicultura, sistema pré-germinado.


ABSTRACT

Rice-fish culture is an important practice to flooded rice producers due to lower use of chemicals and number of tillage operations, although it can enhance lodging. The present study aimed to evaluate management strategies to decrease lodging in pre-germinated rice system in area with four years with rice-fish culture. An experiment was carried out in the state of Rio Grande do Sul, Brazil, using two cultivars (‘IRGA 417’ and ‘IRGA 419’), three seeding rates (0, 150 and 230kg ha-1) and three nitrogen (N) side-dress rates (0, 80 and 160kg ha-1). Lodging did not vary with cultivars neither N rates applied. Grain yield varied with the increase of plant density only for ‘IRGA 417’. Grain protein content of ‘IRGA 417’ is higher than ‘IRGA 419’ regardless seeding or N rates applied.

Key words: Oryza sativa, lodging, rice-fish culture, pre-germinated system.


 

 

No sistema de cultivo de arroz pré-germinado, a rizipiscicultura constiui-se em uma alternativa para aumentar a rentabilidade dos produtores, que vêm enfrentando contínua redução na lucratividade orizícola. As vantagens são devidas ao efeito direto de aumento da receita oriunda da venda dos peixes e aos efeitos indiretos na lavoura, como maior controle de plantas daninhas e redução nas operações de preparo do solo. Os peixes se alimentam de insetos, moluscos, larvas de mosquitos e de sementes e plantas daninhas emergidas, reduzindo o uso de agroquímicos. MARCHEZAN et al. (2006) ressaltam o eficiente controle de plantas daninhas de folhas estreitas exercido pelo sistema consorciado de peixes e arroz, quando associado ao manejo de lâmina de irrigação contínua, mesmo em diferentes épocas de colocação de alevinos e períodos de permanência de peixes na lavoura. Incrementos no rendimento de grãos de arroz foram atribuídos à menor competição com plantas daninhas e ao efeito de excrementos dos peixes na fertilidade do solo, devido ao seu alto conteúdo de nutrientes (SATO & ISHIY, 2001).

Apesar das vantagens, a rizipiscicultura apresenta limitações, como aumento do acamamento de plantas de arroz, exigindo cuidados especiais nos manejos da cultura e do solo. Assim, é importante o desenvolvimento de estratégias de manejo que reduzam o acamamento no sistema de arroz pré-germinado, como o uso de cultivares tolerantes, menor densidade de plantas e níveis adequados de adubação nitrogenada.

No sistema convencional, sem utilização de rizipiscicultura, já há informações conclusivas do efeito de cultivares, de densidades de plantas e de níveis de adubação nitrogenada no rendimento de grãos e seus componentes (MARIOT et al., 2003). No entanto, são escassos os estudos dos efeitos desses fatores no sistema de arroz pré-germinado, especialmente em área com rizipiscicultura, no Rio Grande do Sul. Neste contexto, o objetivo desta pesquisa foi avaliar os efeitos de cultivares, densidades de semeadura e níveis de adubação nitrogenada no arroz irrigado no sistema pré-germinado, em área com rizipiscicultura, para minimizar o acamamento de plantas sem reduzir o rendimento de grãos.

Um experimento foi conduzido a campo no ano agrícola 2000/2001, em área com quatro anos com rizipiscicultura, no município de Santo Antônio da Patrulha, RS, região ecoclimática da Planície Costeira Interna da Lagoa dos Patos. O solo da área experimental é classificado como Planossolo Hidromórfico (EMBRAPA, 1999) e o clima da região, conforme classificação de Köppen, é subtropical úmido, de transição entre Cfa1 e Cfa2. Os tratamentos constaram de três densidades de semeadura (70, 150 e 230kg ha-1), três doses de N em cobertura (0, 80 e 160kg ha-1), aplicado sob a forma de uréia (45% de N) e de duas cultivares de arroz irrigado (“IRGA 417” e “IRGA 419”). Ambas são consideradas resistentes ao acamamento de plantas (SOSBAI, 2005), porém a cultivar “IRGA 419” é a mais recomendada para uso no sistema pré-germinado e tem sido utilizada em vários trabalhos (MARCHEZAN et al., 2006; GOLOMBIESKI et al., 2005). O delineamento experimental utilizado foi o de blocos casualizados, dispostos em fatorial 2x3x3, com quatro repetições. Cada unidade experimental representava uma área de 24m2. Não foi realizado preparo de solo devido à atividade dos peixes.

A densidade de estocagem de peixes nas quatro safras anteriores à implantação do experimento foi de 4000 alevinos ha-1. As espécies e suas proporções relativas usadas foram: carpa húngara (Cyprinus carpio var. hungara) (70%); carpa capim (Ctenopharyngodon idella) (20%); carpa prateada (Hypothalmichthys molitrix) (5%) e carpa cabeça grande (Aristichthys nobilis) (5%). A adubação de base foi realizada a lanço, sete dias antes da semeadura do arroz, e constou da aplicação de 40kg ha-1 de K2O e de 40kg ha-1 de P2O5. A semeadura do arroz foi feita a lanço, com sementes pré-germinadas, no dia 01 de novembro de 2000, oito dias após a despesca dos peixes, em lâmina de água de 5 a 10cm de altura. O controle de plantas daninhas e a adubação de cobertura foram realizados conforme as recomendações para a cultura. O acamamento de plantas foi estimado visualmente, avaliando-se o número de plantas acamadas em relação às não acamadas. Para determinação do teor de proteína, multiplicou-se o teor de N, obtido pela metodologia proposta por TEDESCO et al. (1995), por 6,25. Os dados obtidos foram submetidos à análise de variância pelo teste F (P<0,05) e, quando houve significância estatística, foi feita comparação entre médias pelo teste de Tukey (P<0,05).

Houve intenso acamamento de plantas devido à ocorrência de ventos fortes uma semana antes da colheita. A interação cultivar e densidade de semeadura foi significativa. O acamamento de plantas foi elevado nas duas cultivares, mas somente na “IRGA 417” aumentou com o incremento da densidade de semeadura (Tabela 1). Não houve diferença entre cultivares quando comparadas na mesma densidade de semeadura, evidenciando que o uso da cultivar “IRGA 419”, mais utilizada no sistema pré-germinado, não foi estratégia eficiente para reduzir o acamamento de plantas em área com rizipiscicultura. Da mesma forma, o nível de N aplicado em cobertura não afetou o acamamento de plantas, independentemente de cultivar e densidade de semeadura.

 

 

O rendimento de grãos variou em função da interação cultivar e densidade de semeadura (Tabela 1). Na cultivar “IRGA 417”, o rendimento de grãos aumentou com o incremento da densidade de semeadura, enquanto que na “IRGA 419” ele não foi influenciado. Esta elasticidade da cultivar “IRGA 419”, em resposta à densidade de semeadura, está de acordo com os resultados obtidos por outros autores (MARIOT et al., 2003), sendo também válida para outras cultivares.

O número de panículas por área variou em função da interação dose de N em cobertura e densidade de semeadura (Tabela 2). Este parâmetro aumentou com a densidade de semeadura apenas no tratamento sem aplicação de N. Ao se comparar as doses de N dentro de cada densidade de semeadura, observa-se resposta somente na maior densidade.

 

 

Os resultados obtidos demonstram que a resposta do rendimento de grãos do arroz pré-germinado cultivado em área com rizipiscicultura à densidade de semeadura varia com a cultivar. Esses dados corroboram com os obtidos por RIEFFEL NETO et al. (2000), que obtiveram diminuição no rendimento de grãos na cultivar “IRGA 416” e aumentos no híbrido XL.5 e na cultivar “BR-IRGA 41”, quando se incrementou a densidade de semeadura. Entretanto, em experimento conduzido durante dois anos, MARIOT et al. (2003) não encontraram efeito no rendimento de grãos das cultivares “IRGA 417” e “IRGA 410” com incremento da densidade de semeadura de 50 para 200kg ha-1, o que foi atribuído à capacidade das plantas de emitirem maior número de perfilhos quando submetidas a densidades menores

A ausência de efeito da adubação nitrogenada em cobertura no rendimento de grãos de arroz deve ser analisada com cautela, pois outros pesquisadores obtiveram incremento no rendimento com aplicação de N (MARIOT et al., 2003). Trabalhos conduzidos por PULVER & MENEZES (2003) demonstram que, em anos com mais incidência de radiação solar, a resposta à adubação nitrogenada é potencializada devido à maior eficiência de uso do N. A incidência de radiação solar não foi avaliada durante a condução do experimento, e a baixa disponibilidade desta pode ter sido uma causa para a ausência de resposta à adubação nitrogenada. A presença dos peixes também pode ter influenciado este resultado, acelerado a ciclagem do nutriente e aumentando a disponibilidade para a planta, mascarando o efeito da adubação nitrogenada em cobertura.

A cultivar “IRGA 417” reduziu o teor de proteína no grão com incremento da densidade de semeadura (Tabela 1). Nas três densidades de semeadura, essa cultivar apresentou maior teor de proteína que a “IRGA 419”, embora não tenha havido diferença significativa na densidade de 230kg ha-1.

A manipulação da densidade de plantas e de dose de nitrogênio aplicado em cobertura não se constitui em estratégia de manejo para reduzir o acamamento de plantas de arroz irrigado cultivado no sistema pré-germinado em área com rizipiscicultura. O rendimento de grãos varia com a densidade de semeadura na cultivar “IRGA 417”. O uso de cultivar considerada resistente ao acamamento não é estratégia eficiente. O teor de proteína dos grãos é maior na cultivar “IRGA 417” que na “IRGA 419”, independentemente do nível de adubação nitrogenada em cobertura.

 

REFERÊNCIAS

EMBRAPA. Centro Nacional de Pesquisa de Solos. Sistema brasileiro de classificação de solos. Brasília: Embrapa Produção de Informação; Rio de Janeiro: Embrapa Solos, 1999. 412p.        [ Links ]

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MARCHEZAN, E. et al. Produção integrada de arroz e peixes. Ciência Rural, Santa Maria v.36, n.2, p.411-417, 2006.        [ Links ]

MARIOT, C.H.P. et al. Resposta de duas cultivares de arroz irrigado à densidade de semeadura e adubação nitrogenada. Pesquisa Agropecuária Brasileira, Brasília, v.38, n.2, p.233-241, 2003.        [ Links ]

PULVER, E.; MENEZES, V.G. Importância da radiação solar sobre a produtividade de arroz irrigado. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ARROZ IRRIGADO, 3.; REUNIÃO DA CULTURA DO ARROZ IRRIGADO, 25., 2003, Balneário Camboriú, SC. Anais… Itajaí: EPAGRI, 2003. p.146-148.        [ Links ]

RIEFFEL NETO, S.R. et al. Resposta de genótipos de arroz irrigado ao arranjo de plantas. Pesquisa Agropecuária Brasileira, Brasília, v.35, n.12, p.2383-2390, 2000.        [ Links ]

SATO, G.; ISHIY, T. Influência da rizipiscicultura na produtividade do arroz e controle biológico da bicheira-da-raiz (Oryzophagus oryzae). In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ARROZ IRRIGADO, 2; REUNIÃO DA CULTURA DO ARROZ IRRIGADO, 24., 2001, Porto Alegre. Anais… Porto Alegre: Instituto Riograndense do Arroz, 2001. p.408-410.        [ Links ]

SOCIEDADE SUL-BRASILEIRA DE ARROZ IRRIGADO (SOSBAI). Arroz irrigado: recomendações técnicas da pesquisa para o Sul do Brasil. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ARROZ IRRIGADO, 26; REUNIÃO DA CULTURA DO ARROZ IRRIGADO, 4., 2005, Santa Maria. Anais… Santa Maria: SOSBAI, 2005. 159p.        [ Links ]

TEDESCO, M.J. et al. Análises de solo, plantas e outros materiais. 2.ed. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1995. 174p. (Boletim técnico, 5).        [ Links ]

 

 

Recebido para publicação 22.09.06
Aprovado em 25.07.07

 

 

1. Autor para correspondência.

Publicado originalmente em Ciência. Rural v.38 n.3 Santa Maria maio/jun. 2008
doi: 10.1590/S0103-84782008000300035

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