Medição de CO2 como ferramenta para auxiliar na redução da quebra técnica na armazenagem
O termo “quebra técnica” na armazenagem se refere à perda de peso que os grãos armazenados sofrem em função do seu próprio metabolismo e da ação de organismos associados. Quanto mais intensas forem a respiração dos grãos, a atividade dos microrganismos associados e a ocorrência de insetos, maior será a “quebra técnica” ao término do período de armazenamento. É importante que não se confunda “quebra técnica” com “quebra de umidade”, a qual é decorrente da redução de umidade dos grãos que pode ocorrer durante o armazenamento.
Tomando-se a soja como exemplo, em que os contratos têm balizado 14,0% de umidade para comercialização, quanto mais próximo deste valor for a expedição da carga, menor será a “quebra de umidade”. No entanto, entre os fatores que mais influenciam na taxa respiratória dos grãos e dos microrganismos associados, bem como na ocorrência de insetos, estão a umidade e a temperatura dos grãos e do ambiente de armazenamento.
No exemplo mencionado da soja, que apresenta elevado teor de lipídeos, maior pressão de vapor d’água do que os cereais e, portanto, maior suscetibilidade natural a ação de microrganismos, é extremamente temerário armazenar com a umidade de 14,0% sob o risco de, dependendo da temperatura, tornar a “quebra técnica” além da aceitável. É a partir da Lei da Vant’Hoof que sabemos que a cada 10°C de aumento de temperatura as reações sofrem acelerações de duas a três vezes, até os 40°C. A redução de massa ocasionada geralmente é acompanhada da intensificação de defeitos metabólicos.
São vários os fatores a serem observados durante as etapas de pré-armazenamento, armazenamento e conservação dos grãos para que as perdas quali-quantitativas nos grãos armazenados sejam as menores possíveis. A qualidade inicial dos grãos recebidos na unidade armazenadora é um desses fatores. Quanto mais íntegros e sadios forem os grãos, melhor será a sua conservabilidade. Daí a importância da determinação do teor de defeitos na recepção das unidades armazenadoras e da adoção de estratégias de segregação e expedição de lotes conforme suas características iniciais.
Realizar da forma tecnicamente recomendada as operações de remoção de matérias estranhas e impurezas, secagem, carregamento de silos e graneleiros, aeração, exaustão, transilagem, controle de insetos e monitoramento da massa de grãos é preceito básico para que se tenha sucesso no armazenamento dos grãos.
Especificamente em relação ao monitoramento da qualidade dos grãos armazenados, hoje, na prática, temos três formas de monitorá-la nos silos e armazéns graneleiros:
1. Inspeção manual/amostragem;
2. Termometria; e
3. Medição dos níveis de CO2.
A inspeção manual para mensurar níveis de contaminação por microrganismos ou verificar outro parâmetro de qualidade pode ser tendenciosa, pouco representativa e de baixíssima precisão. Em relação aos cabos de termometria (Figura 1), considerando que os grãos são maus condutores de calor, um sensor não é capaz de detectar aumento de temperatura em razão da deterioração dos grãos quando o processo instaurado ainda está distante do referido sensor. Essas limitações são superadas com os sensores de CO2 (Figura 2), como se observa nos trabalhos publicados por Neethirajan e colaboradores (2010), da University of Mannitoba, Canadá, e Maier e colaboradores (2010), da Kansas State University, Estados Unidos.
A eficiência do CO2 como forma de monitorar a sanidade e a qualidade dos grãos armazenados deve-se ao fato de que a respiração é um processo fortemente relacionado com a deterioração e envolve a oxidação dos constituintes de reserva dos grãos, liberando CO2, água e calor. Logo, quanto mais intensos forem os processos respiratórios, tanto de grãos como de organismos associados, maior será a geração de CO2 no ambiente de armazenamento. Na Figura 3 está apresentada massa de grãos de soja com intenso processo de deterioração.
Ao serem compiladas informações que correlacionam níveis de CO2 com a taxa respiratória e infestação dos grãos armazenados, observa-se a seguinte discriminação:
• 350 a 400 ppm: níveis de CO2 típicos do ar ambiente.
• 400 a 600 ppm: níveis considerados normais, com metabolismo estável na massa de grãos.
• 600 a 1.100 ppm: deterioração incipiente.
• 1.100 a 5.000 ppm: níveis que sugerem ocorrência de insetos e/ou microrganismos; quanto maior, mais severa é a infestação.
• Acima de 5.000 ppm: perdas quali-quantitativas severas; condições completamente inadequadas para armazenagem.
Informações da literatura apontam que picos de CO2 são detectados de três a cinco semanas antes de que sensores de termometria acusem pico de temperatura. Isso permite que ações de manejo, como a aeração, a movimentação da massa de grãos ou o expurgo (dependendo da causa da elevação dos níveis de CO2), sejam realizadas de forma precoce, minimizando a “quebra técnica”.
Nos últimos meses, nossa equipe da Faculdade de Agronomia Eliseu Maciel acompanhou o armazenamento de arroz em silos equipados com sensores de CO2 instalados pela empresa Garten Automação no município de Pelotas (RS). Na Figura 4 estão apresentados gráficos para dois desses silos: um silo carregado com arroz seco, com umidade média de 12,5% (gráfico A) e um silo carregado com arroz parcialmente seco (comumente denominado de “pré-seco”), com umidade média de 15%. Ambos os silos apresentam capacidade para armazenar cerca de 100.000 sacos de arroz.
Apesar dos relatórios de termometria não apontarem diferenças nas temperaturas dos sensores (temperaturas entre 17 e 26ºC durante o período, com perfil similar entre os silos citados), é possível notar comportamentos muito distintos para os níveis de CO2.
No silo carregado com arroz seco (A) – e portanto de metabolismo inferior ao outro -, as medições foram mais uniformes, situando-se entre 400 e 500 ppm para o período apresentado. Já no silo carregado com arroz parcialmente seco (B) as medições refletem uma dinâmica metabólica que oscila mais em decorrência do teor de água mais elevado dos grãos ali armazenados em comparação ao outro silo.
Por alguns momentos, as leituras excederam 800 ppm, porém, sem causar maiores preocupações, uma vez que os valores médios semanais eram de aproximadamente 600 ppm. As oscilações nas leituras são típicas de medições de CO2, como observado nos trabalhos de pesquisa citados acima.
Em resumo, a tecnologia de acompanhamento dos níveis de CO2 é uma forma potente de complementar outras ferramentas e práticas importantes para minimizar a “quebra técnica” na armazenagem de grãos, independente da cultura, permitindo que decisões de manejo sejam tomadas de forma mais rápida e precisa.
Nathan Levien Vanier
Eng. Agrônomo, Doutor em Ciência e Tecnologia Agroindustrial, Professor na Faculdade de Agronomia Eliseu Maciel da Universidade Federal de Pelotas.
E-mail: nathanvanier@hotmail.com