No mercado, não há estratégia sem caixa

 No mercado, não há estratégia sem caixa

Engenheiro de produção, Juandres Hörbe Antunes, 30 anos, é sócio no Grupo Moraes, que produz arroz, soja e pecuária em Jaguarão, Santa Vitória do Palmar e São Lourenço do Sul (RS). Atualmente, como diretor de comércio exterior da Federarroz, destaca-se por ser uma voz jovem, com posições fortes sobre o mercado e a defesa de ações que deem credibilidade e referência futura à comercialização do grão. E ele é o entrevistado desta edição.

Planeta Arroz – Que impacto tem esta renovação das lideranças arrozeiras?
Antunes – “Ser jovem diretor, na empresa ou Federarroz, é desafiante. Em ambos os casos, me parece correto observar, entender a história da própria orizicultura por meio dos grandes exemplos da lavoura e das instituições e contribuir para a contínua evolução dos processos e resultados. Ao compreendermos os cenário em que estamos inseridos, podemos propor ideias e enriquecer o debate. Se suficientemente boas, viáveis e sustentáveis, serão ações inovadoras postas em prática”.

Planeta Arroz – Por exemplo?
Antunes – “Um desafio da inovação hoje é o fato de que o arroz precisa de mecanismos que sinalizem o mercado futuro. É realidade quando se observa a rotação de culturas, o uso intensivo do solo, a gestão dos recursos e a consequência de melhores resultados, a sustentabilidade em aspectos socioambientais e econômico-financeiros, avanços em processo. Estamos avançando rápido do ponto de vista das tecnologias produtivas. Destaco um ponto a mais, a importância da pesquisa científica em torno das sementes. Agora, precisamos avançar em segurança e estabilidade dos mercados”.

Planeta Arroz – Em busca de resultados?
Antunes – “As tecnologias de produção só são efetivamente inovadoras se traduzidas em resultados econômico financeiros. A fortaleza do orizicultor multissafras está na capacidade de gerar caixa. É essencial agregar inovações organizacionais,
de marketing, associadas à profissionalização de produtores e empresas, ligando sistemicamente os aspectos da comercialização, compra de insumos e fertilizantes e os relacionados às finanças. Importa para que os ganhos associados à produtividade possam traduzir, de fato, resultados econômico-financeiros sustentáveis”.

Planeta Arroz – Daí a renovação é importante?
Antunes – “Me honra participar da Federarroz e do processo histórico de renovação do setor rizícola. Isto se dá no amadurecimento de pautas, como a inserção no comércio internacional, integração lavoura-pecuária, adequação da área à
demanda de mercado e busca de soluções setoriais, e não, necessariamente, pela idade dos agentes”.

Planeta Arroz – O que destaca por inovação?
Antunes – “A adoção efetiva e sistemática da rotação das culturas. Inicialmente, com arroz e soja, depois, a intensificação de pastagens e coberturas de inverno, a eficaz adubação do sistema. Isso gera maior utilização dos ativos fixos, do recurso
‘campo”’ melhor manejo da fertilidade do solo e maior sustentabilidade econômica e ambiental ao sistema de produção orizícola. Esse processo pode ser sintetizado pela adoção do sistema Iilp (Intensificação da Integração Lavoura-Pecuária), que reduziu o pousio e a ociosidade das terras. Esse é um exemplo de inovação”.

Planeta Arroz – Dizem que arrozeiro só vende na baixa e segura a oferta na alta. Isso mudou?
Antunes – “Isso ocorria e, eventualmente, ocorre. Não com todos. Avançamos em termos de produtividade, utilizando recursos de maneira adequada, há evolução no sistema produtivo e, se a partir daí geramos um caixa adequado, a questão é: como tomar a melhor decisão para comercializar a safra? Creio que, para uma boa comercialização, é preciso definir com clareza e simplicidade a estratégia a ser adotada”.

Planeta Arroz – Como?
Antunes – “No ambiente de negócios, dificilmente acertaremos ‘o olho da mosca’, mas se pode acertar a ‘região onde está a mosca’. A ideia é aproximar-se do resultado ótimo, escalonando a venda no período que julgarmos das maiores altas, comercializar de forma gradual nos meses em que acreditamos serem de maior desajuste de oferta e demanda, favorecendo preços no mercado. Mas não adianta saber quando se quer vender sem programar a estratégia de caixa que permita adotar tal plano de comercialização. Nesse sentido, vale a frase do físico Eliyahu Goldratt: ‘Se você não tem caixa, o caixa é o mais
importante. Agora, se você o tem, o caixa não é o mais importante’. Não adianta querer comercializar arroz em dezembro se o caixa só te permite chegar até setembro”.

Planeta Arroz – A exportação de arroz baliza preços?
Antunes – “É de fundamental importância enxugar estoques e gerar oportunidade de liquidez aos produtores. Sem dúvida baliza preços internos e dá alternativa à base da negociação entre produtor x indústria e indústria x varejo. É uma boa
referência. Julgo essencial escalonaras vendas conforme o caixa e o mix entre exportação e abastecimento interno, observando a demanda ao tempo de cada alternativa de comercialização. A liquidez é fundamental ao produtor”.

Planeta Arroz – Mas a indústria não pode ser desprezada…
Antunes – “Não se pode deixar de lado a indústria nacional. A exportação é ferramenta de ajuste de oferta e demanda da cadeia, mas a maior parte da produção continuará sendo demanda d a n o m e r c a d o interno”.

Planeta Arroz –Para o produtor, é melhor que existam mais indústrias?
Antunes – “Ao produtor e ao consumidor é salutar a existência de competição por matéria-prima. A concentração em termos de aquisição de produtos é fenômeno que pode ser observado no varejo, e percebe-se como é possível ‘apertar’
a lógica de comercialização junto à indústria. A nós não interessa a concentração, mas, sim, a cadeia unida, onde cada ator, em diferentes elos, possa auferir justos e bons resultados”.

Planeta Arroz – A venda, hoje, é mais profissional?
Antunes – “O arrozeiro alcançou maturidade ao vender. Abastece bem o mercado interno – e o externo nas oportunidades que surgem. A evolução é notável, e vale ressaltar o trabalho da Federarroz, de associações e da Planeta Arroz, por gerarem informação vital para o produtor fazer melhores escolhas. Se os elementos estão postos, cabe ao produtor tomar a melhor decisão”.

Planeta Arroz – O arroz deveria ter mercado futuro no Brasil?
Antunes – “No negócio arroz, a frase que mais escuto é: ‘Plantamos o arroz sem saber o preço em que vamos vendê-lo’. É diferente, por exemplo, da soja, commodity em que o mercado “puxa” a produção por meio dos contratos futuros. No arroz,
o comportamento é distinto na medida em que a produção era ‘empurrada’ após a colheita, sem possibilidade de travas futuras”.

Planeta Arroz – Então, isso mudou?
Antunes – “Este ano, com oferta e demanda ajustadas, criou-se a oportunidade. Na prática, foram realizadas operações entre produtores e tradings em dólares, a preços de US$ 16,50 a  US$ 17,00 por 50kg, para entrega na colheita. Nas últimas semanas, as indústrias realizam compra futura em lotes de R$ 85,00 a R$ 90,00 livres ao produtor na safra. É o caminho provável daqui para frente”

“Dificilmente vamos acertar no olho da mosca, mas podemos acertar a região onde a mosca está”

Planeta Arroz – Provável?
Antunes – “Precisamos que os elos da cadeia tenham maturidade e entendam que este dispositivo insere segurança à comercialização. As negociações precisam ser feitas de ‘peito aberto’, desconsiderando eventuais divergências passadas, pois tal visão sistêmica pode mudar o rumo das constantes diminuições de área plantada no Rio Grande do Sul pela baixa
atratividade econômica do arroz. Além de oportunizar que o agricultor saiba quanto valerá o arroz, que a indústria possa organizar a oferta ao varejo, que tradings possam vender com alguma estabilidade aos mercados finais e, por último, não
menos importante, que os demais agentes possam dar liquidez ao ecossistema”.

Planeta Arroz – Há queda de custos na safra atual?
Antunes – “A safra 2022/23 foi a mais cara da história, sendo grandes responsáveis o adubo e os químicos, reposições de
peças, diesel e juros. Na safra 2023/24, adubos e químicos recuaram, o que traz alívio e redução de 10% a 15% dos custos sobre o ciclo passado. Temos que observar os ‘novos vilões’, como o clima, que obriga replantio em algumas regiões, e
o petróleo, subindo de preços. Custos fixos não baixam, e precisamos de gestão de custos eficiente, pois pode ser o diferencial no resultado em temporadas de preços mais fracos. Há elevados custos de investimentos em máquinas, pois, no pós-pandemia, os preços subiram muito e não caíram como alguns outros insumos da lavoura”.

Planeta Arroz – Qual seria o valor ideal da saca na safra 2023/24?
Antunes – “Cada produtor, uma realidade. Baseado na referência do Irga em 2022/23, de R$ 16.909,23, estimando queda de 15% do custo global, chegamos a R$ 14.372,85. Com produtividade de 171 sacos porhectare, o equilíbrio seria R$ 84,05.
Por esse cálculo, R$ 90,00 na safra seria o piso inicial de comercialização. Mas, com o El Niño, que dificulta plantio, reduz produtividade e aumenta custos, esses cálculos necessitarão ser revistos”.

Planeta Arroz – Mas há necessidade de ajustes?
Antunes – “O produtor vive em um mercado caracterizado pela concorrência perfeita e, apesar disso, deve observar o conjunto de possibilidades de cooperação existentes, como a troca de informações (técnica, da lavoura, comercial), de estratégias, compras coletivas de insumos, etc. Isso permitirá gerar solidez nas ações setoriais”.

Planeta Arroz – Impacta na competição do Mercosul?
Antunes – “A cooperação na cadeia nacional é relevante para enfrentar situações complexas, como a competição do Paraguai, que ano após ano amplia a produção. É preciso entender como o Paraguai aumenta as áreas, enquanto o Brasil
as reduz.”.

Planeta Arroz – São as assimetrias…
Antunes – “Podemos ser autossuficientes e abastecer o mercado internacional. Não é possível aceitar concorrência assimétrica (às vezes, desleal). Esse é o debate, pois afeta a indústria gaúcha em competitividade e atinge a cadeia. Precisamos estar unidos em defesa da rizicultura do Brasil”.

Planeta Arroz – O que espera da próxima safra?
Antunes – “Espero que a estimativa do Irga esteja correta, de 902 mil hectares no RS. Até 930 mil hectares seria saudável, tendo em vista o El Niño, que traz produtividades menores. É possível produzir perto de 7,6 milhões de toneladas, recompondo estoques que estão baixos. A produção gaúcha seria suficiente para atender os mercados interno e externo,
pois há sinais de que a demanda não dá suporte a mais de oito milhões de toneladas no RS. Isso afetaria, desnecessariamente, os preços”.

Planeta Arroz – O que espera em termos de mercado?
Antunes – “Os preços alcançaram R$ 107,58 em 1º de novembro pelo indicador Cepea/Irga. Considero baixa a possibilidade do preço do arroz ceder até a safra. A não ser, o que é improvável, que medidas governamentais alterarem os acontecimentos. A alta ocorre por um conjunto de fatores: menor oferta por baixa atratividade de preços do arroz; a seca da última safra na fronteira oeste; Mercosul com estoques zerados e praças com déficit de rentabilidade. O cenário é positivo a quem tem arroz agora e para comercializar a safra 2023/24 pelo ajuste de oferta e demanda e a procura mundial pelas
restrições de exportações asiáticas”

“Não é possível aceitar concorrência assimétrica, às vezes desleal. Esse debate afeta a indústria gaúcha em competitividade
e atinge a cadeia produtiva do arroz”

Planeta Arroz – Um cenário positivo?
Antunes – “Também pela decisão do agricultor ao definir área adequada à demanda interna e externa e com foco na rentabilidade da atividade arrozeira”.

Deixe um comentário

Postagens relacionadas

Receba nossa newsletter