A campanha nacional que revolucionou a agricultura da China

 A campanha nacional que revolucionou a agricultura da China

Agricultor semeia lavoura em lavoura da Província de Hebei

Além de aumentar a produtividade de grãos, a adoção de práticas de cultivo específicas a cada região reduziu o uso de fertilizantes e a emissão de CO2.

A maior parte da população da China está fora das zonas rurais desde 2011, mas deve demorar até que o país deixe de ter uma economia essencialmente agrária. Sozinha, a nação asiática concentra 7% das áreas agricultáveis de todo o planeta. Além de ser 95% autossuficiente na produção de trigo, arroz e milho, grãos que são a base da alimentação de seu 1,4 bilhão de habitantes, a China é responsável por alimentar 20% da população mundial. Sua importância internacional como “celeiro do mundo”, porém, vem escancarando problemas ambientais nos últimos anos.

Em algumas regiões, questões como poluição do ar, acidificação do solo e contaminação de recursos hídricos são resultados de décadas de mal planejamento das atividades agrícolas e do manejo deficiente dos recursos. Um dos exemplos diz respeito ao uso excessivo e desregrado de fertilizantes, que triplicou no país nas últimas três décadas. Produtores chineses utilizam cerca de 305 kg de nitrogênio por hectare por ano. A quantidade é mais de 4 vezes maior que a média global, estimada em 74 kg. O nitrogênio é o nutriente mais importante para as plantas, participando de diversas funções regulatórias. Quando a terra está muito carregada desse tipo de fertilizante, no entanto, bactérias presentes no solo aumentam a emissão de óxido nitroso (N2O), um gás de efeito estufa.

Outra questão está na irrigação de lavouras, atividade que corresponde a 60% da demanda que a China tem por água. O problema é que, considerando as perdas de distribuição, apenas entre 30% e 40% desse total é de fato aproveitado na tarefa. Em países desenvolvidos, essa taxa fica entre 70% e 80%. Além disso, pesa também a baixa produtividade: na China, aproveita-se 32% de tudo aquilo que é plantado, enquanto a média mundial é de 55%.

Um projeto ambicioso de pesquisadores chineses, porém, conseguiu alcançar resultados que abrem novas perspectivas para a situação da agricultura no país. O trabalho de análise a longo prazo que proporcionou esses ganhos, publicado na revista científica Nature, envolveu 1.152 pesquisadores, 65 mil técnicos e funcionários de agências agrícolas do governo, além de 140 mil profissionais do setor do agronegócio. Além da melhora significativa na produtividade e nas emissões de gases de efeito estufa, as novas práticas permitiram também uma diminuição importante no uso de fertilizantes.

Como funcionava o projeto

ntre 2005 e 2015, foram conduzidos mais de 13 mil estudos de campo em lavouras de trigo, arroz e milho do país. A ideia era traçar um panorama de como as colheitas variam com diferentes tipos de plantio, além de aspectos como o uso de fertilizantes e da água. Ao todo, a região coberta foi de 37,7 milhões de hectares, área pouco maior que o território do Japão.

A análise dos fatores naturais que envolvem a China pode ser considerada complexa. Isso porque o país, por conta de suas dimensões continentais, apresenta domínios morfoclimáticos muito diferentes entre si. Há desde o sul subtropical, o clima de monções do noroeste, a presença de áreas mais desérticas na região central e um norte gelado, por exemplo. A grande variedade de climas exige que diferentes estratégias de cultivo sejam adotadas para suprir as demandas. Depois da primeira etapa de avaliação, os pesquisadores desenvolveram planos de ação para treinar os agentes e técnicos envolvidos.

Esses intermediários tinham a tarefa de capacitar os agricultores de acordo com os princípios científicos para um desenvolvimento sustentável. Foram criadas campanhas regionais para que pequenos proprietários de terra melhorassem suas técnicas. Entre as recomendações estava, por exemplo, que produtores de arroz do nordeste da China reduzissem seu uso total de nitrogênio em 20%, em média, aplicando o fertilizante em uma etapa diferente da que é usual. Já em lavouras de arroz no sul, uma das mudanças consistia na adoção de 20 “covas” por metro quadrado, ou seja, um espaçamento entre sementes muito maior do que o costumeiramente utilizado por produtores da região.

Depois das orientações, produtores rurais podiam passar seus conhecimentos ao restante da comunidade onde estavam inseridos. Programas de capacitação e workshops – foram 14 mil durante um período de 10 anos -, ajudaram a convencer os produtores a adotar as recomendações propostas pelos cientistas. “Os fazendeiros eram um tanto céticos, mas ganhamos sua confiança e eles passaram a depender da gente – o que foi nossa maior recompensa”, explicou Cui Zhenling, pesquisador da Universidade Agrária da China que liderou o estudo, à revista Nature.

O orçamento total do projeto foi estimado em US$ 54 milhões. Foi graças a essa relação mais próxima que os profissionais puderam acompanhar a implementação das medidas e coletar dados sobre nutrientes, pesticidas, uso de água e energia. Ao todo, 21 milhões de pequenos proprietários participaram do levantamento. Quais foram os resultados Durante os 10 anos de campanha, as práticas sustentáveis aumentaram a produção de arroz, milho e trigo entre 10,8% e 11,5%, se comparadas aos métodos convencionais de cultivo.

O incremento representou um ganho de 33 milhões de toneladas desses grãos. A aplicação de nitrogênio, por outro lado, diminuiu. A quantidade utilizada passou a ser entre 14,7% e 18,1% menor, uma economia de 1,2 milhão de toneladas de fertilizantes. Somados, o aumento no na produção de grãos e o total de nitrogênio economizado representam um montante de US$ 12,2 bilhões. O caráter bem sucedido do estudo e a demanda mundial por alimentos, que deve dobrar até 2050, são dois aspectos que fazem com que se discuta a implementação das medidas também em outros países de economia agrícola.

Em entrevista à Nature, no entanto, especialistas da área de mais cautelosos com a proposta, e atribuem parte do sucesso do modelo ao caráter intervencionista do governo chinês – o que inviabilizaria a ideia em outras regiões do globo. “O modelo realmente poderia beneficiar áreas como a África sub-saariana, mas é preciso de uma abordagem que seja capaz de cruzar fronteiras, organizações e financiadores”, argumenta Leslie Firbank, que pesquisa agricultura sustentável na Universidade de Leeds, no Reino Unido. A modernização da agricultura chinesa de fato é um dos elementos fundamentais do "New Socialist Countryside", programa implementado no início do século pelo Governo Central chinês.

Em 2000, os subsídios estatais representavam 2,77% das receitas agrícolas do país. Esse total aumentou para 21,34% em 2015. Como nota este artigo da FEE (Fundação de Economia e Estatística do Rio Grande do Sul), tal política chinesa encontrou certa resistência internacional. Em 2016, os Estados Unidos chegaram a notificar a OMC (Organização Mundial do Comércio) quanto a questão. O alvo das críticas eram os subsídios concedidos pelo país asiático aos seus produtores, sobretudo nas culturas de arroz, milho e trigo.

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