Aquecimento global muda agricultura brasileira
Embrapa sugere mudanças genéticas nas plantas, como o arroz, para suportar as alterações climáticas mas ainda assim haverá migração de plantios.
Brasília/DF – O aquecimento da Terra nos próximos 100 anos requer uma tomada urgente de posição, e não apenas para tentar frear o efeito estufa. O chefe geral da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Eduardo Assad, defende que, por causa das alterações futuras no clima do planeta, é preciso estar preparado para a mudança de zoneamento agrícola, em que as culturas deverão migrar para regiões onde o cultivo possa ser sustentado
Em entrevista à Agência Brasil, ele diz que o atual aumento de 1 grau na temperatura do globo terrestre poderá passar, nos próximos 100 anos, para 5,8 graus.
– Isso quer dizer que vai esquentar um bocado.
Segundo ele, uma das consequências será a alteração da geografia da produção brasileira de café. O que não significa que o país vai deixar de ter esse produto, apenas que ele vai migrar para outras regiões.
– Vamos deixar de ter o café em Minas Gerais, São Paulo e muito fortemente no Paraná, porque o café vai buscar temperaturas mais amenas, tendendo a ir para Santa Catarina, Rio Grande do Sul e até para a Argentina e o Uruguai. Daí a razão de começar já algum tipo de modificação, diz Assad.
Por exemplo, de adaptar a planta a temperaturas mais altas, pelo menos, segundo ele, enquanto não há políticas “agressivas” para reduzir a emissão de gases de efeito estufa.
Soja, milho, arroz e feijão também vão sofrer com o aquecimento global. Uma sugestão do pesquisador é trabalhar a mudança genética das plantas para que elas possam, no futuro, suportar o calor. Mesmo que isso seja feito, ele afirma que haverá necessidade de migração dos plantios.
No caso da soja, ela sairia de zonas que já estão em risco, como o Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, para lugares mais altos, como o Cerrado. Segundo ele, ainda assim, já se pode prever uma redução de 60% na produção dessa cultura, tendo como perspectiva o aumento de 5,8 graus na temperatura. Enquanto isso, Assad diz que é importante conter as queimadas para reduzir o efeito estufa. Segundo ele, após uma queimada, são necessários 150 anos para limpar a atmosfera dos gases emitidos.
Investir em pesquisa e tomar a consciência de que o “”tempo está correndo”” também são medidas importantes.””O aumento da temperatura é uma catástrofe para a humanidade, então, temos que conciliar esse problema que foi criado por nós mesmos.””
O assunto está sendo discutido na Embrapa, a propósito de relatório do International Pan of Climatic Change, grupo internacional que está trabalhando com o painel mundial de mudanças climáticas. A previsão de aumento da temperatura está no documento.
Cerrado pode desaparecer em 30 anos, afirma biólogo
O cerrado, segundo maior bioma brasileiro, está sob ameaça de extinção, apontam pesquisadores. Nos cálculos do biólogo Jader Soares Marinho Filho, seus 20% restantes (um quinto do total) poderão ser extintos em menos de 30 anos, se não receberem proteção imediata.
– Isso significa que 11 mil espécies de plantas poderão desaparecer do sistema ambiental brasileiro – diz Marinho Filho, professor do Departamento de Zoologia da Universidade de Brasília (UnB).
Para ele, o bioma se encontra sob risco muito maior do que o maior do País, a Floresta Amazônica. Os biomas são as grandes comunidades ecológicas, caracterizadas por um tipo de vegetação em uma determinada região.
Em entrevista à Agência Brasil, o biólogo conta que o que mais preocupa os cientistas e estudiosos do cerrado é que 80% dele foram devastados em menos de 50 anos. Nenhum outro bioma do mundo, diz ele, passou por tamanha destruição em tão pouco tempo. A Mata Atlântica, outra formação vegetal sob perigo, tem hoje apenas 5% de sua cobertura original, mas, conforme observou Marinho Filho, o restante foi destruído em 500 anos de história brasileira.
Originalmente, o cerrado estendia-se por uma área de 2 milhões de quilômetros quadrados, abrangendo um território hoje compreendido por 15 estados (Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Piauí, Ceará, Tocantins, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Amazonas, Roraima, Amapá, Rondônia e Pará) e pelo Distrito Federal. Típico de regiões tropicais, apresenta duas estações bem marcadas: inverno seco e verão chuvoso.
O cerrado é o nome regional dado às savanas brasileiras. Com solo deficiente em nutrientes, mas rico em ferro e alumínio, o bioma abriga plantas de aparência seca, entre arbustos, gramíneas e árvores esparsas. Dentre elas, destaca o estudioso, “espécies não vistas em nenhum outro ambiente do mundo”. Destruí-las significaria ignorar, inclusive, plantas com aplicações médicas. As populações locais utilizam a flora do cerrado na prevenção de diversos males. Um exemplo é o quebra-pedra, que serve para fazer um chá contra problemas renais.
Jader Soares Marinho Filho destaca que, apesar de o cerrado já ter sua importância reconhecida, ainda há muito a se descobrir a respeito dele, tamanha é sua diversidade vegetal e animal.
– Para mantê-lo vivo, precisamos preservá-lo, estudá-lo – diz.
– Produzir no cerrado, sim. Mas é preciso saber conciliar a atividade econômica com o comprometimento da preservação. Esse é o desafio maior do Brasil. Ainda temos muita água, muita riqueza biológica, mas tudo passa se a gente não cuida, tudo se perde se a gente não trabalha.
11 mil espécies trocadas pela soja
Brasil está optando por trocar as 11 mil espécies de plantas do cerrado por uma só – a soja -, afirma o biólogo e professor titular do Departamento de Zoologia da Universidade de Brasília (UnB) Jader Soares Marinho Filho. Cultivada na agricultura mecanizada de larga escala nas terras desse bioma (grande comunidade ecológica, caracterizada por um tipo de vegetação em uma determinada região – outros exemplos são a Mata Atlântica e a Floresta Amazônica), a soja deve ganhar novo impulso com o programa de produção de biodiesel, uma frente de desenvolvimento tratada como prioridade pelo governo federal.
– Estamos substituindo uma riqueza imensa que é única e que só o Brasil tem por uma lavoura alienígena (que vem de fora) – comenta o biólogo.
– Não me parece um bom negócio. Na minha avaliação, a gente não pode nem sequer imaginar que, no cenário atual em que falamos em mudanças climáticas, devamos apostar todas as fichas no desenvolvimento do País calcado no agronegócio, no biodiesel, ou em commodities – destacou.
Marinho Filho reconhece a importância do papel do agronegócio para o País. Mas defende que é necessário encontrar uma maneira de conciliar a produção de larga escala com a conservação da natureza.
– O Brasil precisa muito da soja, assim como do arroz, do milho e do trigo. Mas para mantermos o agronegócio vivo em nosso País, a melhor estratégia seria conservar a natureza, conservar o cerrado.
Desta forma, destacou, garante-se a atividade econômica atual e a possibilidade de outras atividades ainda mais rentáveis e importantes que dependem do avanço do conhecimento científico.
– Em vez de vendermos só commodities, precisamos vender serviços, que também trazem riquezas – destacou, ao explicar que se explorar o potencial do cerrado, investindo em pesquisas sobre a sua biodiversidade, o País poderá obter muito mais vantagens financeiras do que o agronegócio traz hoje.
Da forma como vem sendo produzida, a soja tem sido “o pior inimigo” do cerrado, destacou o professor da UnB. Outras atividades com forte impacto ecológico no bioma são a pecuária extensiva e a produção de carvão. Segundo ele, mantidos os cenários atuais, talvez em duas ou três décadas não se consiga plantar mais nada no Brasil central, região onde se concentra o cerrado brasileiro.
– Não podemos mais só derrubar, devastar para plantar soja, arroz, milho ou algodão – comenta.
– Precisamos de um grande esforço de conservação. Com apenas 20% de cerrado existente, não temos outra opção senão cuidá-lo, protegê-lo.