Cotações acompanham tendência internacional
Camilo Feliciano de Oliveira
Mestre em Economia e Desenvolvimento
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Ao longo das últimas décadas o Brasil manteve-se desatrelado às variações de preços do arroz determinadas pelo mercado internacional. A partir da década de 1990, quando se tornou um importador constante do cereal, principalmente do grão oriundo dos países do Mercosul, a determinação da cotação no Brasil resultava basicamente da interação entre estoque e consumo, tendo no mercado externo um fator de incremento de oferta e não de demanda. As importações, durante os últimos 17 anos, resultaram em um ingresso de cerca de um milhão de toneladas ao ano, o que garantiu por um lado o abastecimento interno, mas, contrário senso, resultou em um desestímulo à ampliação da oferta internamente devido ao efeito regulador derivado da internalização do cereal a preços mais baixos.
Este cenário determinou um ciclo de excesso e restrição de produto, com as cotações do arroz seguindo inversamente o movimento, com anos de preços extremamente baixos seguidos por cotações favoráveis. Assim, estimulado por mais um ciclo de preços em declínio, a partir de 2005 o Brasil iniciou um processo de prospecção de novos mercados consumidores, visando incluir o arroz na pauta de exportações do país e ampliar, pelo mercado externo, a demanda pelo cereal. O ingresso brasileiro no mercado exportador de arroz ocorreu em um momento extremamente favorável, pois a demanda mundial incrementava-se principalmente nos países em desenvolvimento, trazendo um incontável número de novos consumidores que, pela melhoria de renda em seus países, passaram a consumir mais, iniciando este processo pelos alimentos. China, Índia, Rússia e Brasil, por serem países populosos, puxaram o consumo mundial, trazendo consigo outros países da Ásia, América Latina e também da África. Esse movimento de forte incremento de demanda não foi acompanhado pela oferta, pelo contrário, as baixas cotações internacionais do produto determinaram, entre outros fatores, um descolamento entre oferta e demanda, gerando estoques mundiais de arroz extremamente baixos.
Desta forma, o acelerado crescimento econômico mundial impossibilitou o suprimento das novas necessidades de consumo da população, gerando como conseqüência a elevação dos preços em âmbito global, a fim de proporcionar um novo equilíbrio de oferta e demanda. Entretanto, os preços acentuados trouxeram à tona os efeitos da inflação, preocupando o mundo e determinando, em diversas nações, restrições comerciais a fim de impedir um possível desabastecimento interno e principalmente o avanço dos preços. Com essas políticas de desestímulo à produção de produtos básicos, restrição comercial e deslocamento populacional do campo para as cidades nos países em desenvolvimento, agregando-se a isso a crise de crédito iniciada nos Estados Unidos, foram determinantes para a disparada internacional dos preços dos alimentos, fazendo com que o mundo percebesse a importância de garantir renda aos setores produtivos como forma de manter o abastecimento e a ordem social.
Desta forma, o incremento acentuado de preços no mercado internacional e a maior participação do Brasil como exportador de arroz trouxeram reflexos às cotações internas do cereal. O primeiro ponto a se analisar diz respeito às importações. Apesar do incremento verificado no primeiro trimestre de 2008, em relação a 2007 e 2006, os preços internacionais têm determinado aos dois principais exportadores de arroz do Brasil, Uruguai e Argentina, a priorização de atendimento a terceiros mercados (tabela 1). Em 2008 observa-se que mesmo com as cotações brasileiras em dólar em alta, o ritmo de ingresso de arroz estrangeiro no país tem se reduzido. Em janeiro de 2008 importou-se 101,2 mil toneladas do cereal, em fevereiro 70,6 mil toneladas e em março somente 55,2 mil toneladas. A se manter a tendência de preços elevados no mercado internacional até no mínimo o segundo semestre do ano comercial vigente, os países do Mercosul devem priorizar os embarques a terceiros mercados, aproveitando a entressafra mundial, retomando somente no segundo período as exportações de forma mais intensa para o Brasil.
Alteração de pauta
Todavia, a mudança mais significativa em termos de exportação referiu-se à alteração da pauta. Enquanto em 2005, 2006 e 2007 o arroz quebrado apareceu como principal produto comercializado e determinou a inserção do Brasil no mercado internacional do cereal, em 2008 o arroz branco e o parboilizado polido dominaram o volume transacionado com o exterior (figura 2). No primeiro trimestre de 2006 o arroz quebrado representou 95,6% do total exportado, no período seguinte 93,3% e agora em 2008 somente 35,7%. Por sua vez, o arroz polido passou de 3,2% para 6,4% a 63,9%, respectivamente para 2006, 2007 e 2008. Este fato demonstra o reflexo da melhoria dos preços no mercado internacional, os quais possibilitam que o país exporte arroz de qualidade semelhante ao comercializado internamente, com maior agregação de valor.
Figura 2: exportações brasileiras de arroz (base casca) por participação percentual de produto. Primeiro trimestre: 2006 a 2008
Com o incremento da participação das exportações no comércio brasileiro de arroz, o mercado doméstico iniciou um processo de atrelamento ao mercado internacional. Demanda mundial aquecida, preços internacionais em alta, Mercosul com foco em terceiros mercados e maior volume exportado de arroz por parte do Brasil determinaram elevação dos preços internos mesmo no período de colheita, valorizando o cereal em 42,06% em abril de 2008 em relação ao mês anterior, segundo o Indicador do Arroz (Cepea/Esalq/BM&F). Obviamente este processo somente ocorreu pela redução dos estoques no mercado interno. Os baixos preços recebidos pelos produtores de arroz nos últimos anos originaram uma redução nos estoques de passagem, que como conseqüência determinaram um maior ajuste entre oferta e demanda e a elevação das cotações (figura 3).
Figura 3: preços do arroz em casca no RS (50 quilos), com destaque para o último dia de abril, e posição dos estoques de passagem
Valorização
Essa contínua redução dos estoques vem determinando valorização do cereal. Aliado a este fato, a maior inserção do Brasil no mercado internacional acentuou o processo, com rápida aceleração na valorização do arroz, próxima à variação positiva verificada internacionalmente. Para o ano comercial (março de 2008 a fevereiro de 2009), a tendência de valorização permanece, com maior ou menor grau dependendo da ação do Governo Federal, que ainda detém 1,4 milhão de toneladas de arroz. A liberação dos estoques públicos pode reduzir o ritmo de valorização do cereal, porém não devendo afetar de forma negativa as cotações caso ocorram de forma moderada, ou seja, com as vendas governamentais garantindo apenas liquidez ao mercado em momentos de possível retração da oferta.
Porém, a ampliação da participação do Brasil no comércio internacional do cereal tem um significado muito mais importante do que o momento atual de mercado. Ao longo dos últimos anos, os preços motivam a produção. Em anos de preços remuneradores há um estímulo à produção do cereal e a importação, gerando uma oferta excessiva de arroz com crescimento dos estoques em relação ao consumo. Com isso, os preços se reduzem, ocorrendo um movimento contrário, de desestímulo à produção, que gera em poucas safras estoques de passagem muito ajustados (figura 4).
Figura 4: participação percentual do estoque de passagem em relação ao consumo de arroz no Brasil, safras 1990/1991 a 2007/2008
Oportunidade
Esse ciclo que apresenta cerca de três a quatro anos de recuperação de preços e outros três a quatro anos de preços em queda pode ter um fim, ou ao menos uma maior estabilidade, caso as exportações se afirmarem no país. A exportação funcionaria, desta maneira, como se o consumo ampliasse, pois se aumenta o denominador da equação. Com isso, contribui-se para a redução dos estoques de passagem e a manutenção de uma oferta e demanda mais ajustadas. Essas oferta e demanda mais ajustadas significam preços mais estáveis e com maior previsibilidade para a produção do cereal. Assim, somente com o esforço de todos os agentes que compõem a cadeia produtiva do arroz – produtores, cooperativas e indústrias, traders e governos – no sentido de estimular as exportações, o mercado brasileiro poderá reduzir as variações de cotação do arroz, garantindo incremento tecnológico na produção e industrialização, a manutenção do abastecimento alimentar nacional e também tornar o Brasil importante fornecedor de alimentos para os demais países do mundo. Agora, cabe ao país aproveitar esta oportunidade única de solução dos problemas de oferta e, de quebra, abastecer parte do mundo que necessita do cereal para alimentar suas populações.
Mercado internacional e seus reflexos no Brasil
Tiago Sarmento Barata
Mestre em Agronegócios
O mercado internacional de arroz passa por um momento no mínimo curioso. Mais curioso ainda é que o atual panorama internacional começa a apresentar reflexos no mercado doméstico brasileiro. Com pouca tradição exportadora e com importações praticamente exclusivas de produto oriundo de países do Mercosul, o Brasil esteve, por muitos anos, praticamente blindado às influências do mercado mundial. Talvez seja por isso que representantes dos governos federal e estadual e lideranças dos setores produtivo e industrial pareçam estar inseguros com relação às ações a serem tomadas para garantir a oferta de arroz a preços viáveis à população de baixa renda sem prejudicar a rentabilidade dos produtores e indústrias de beneficiamento.
Embora a valorização de outros alimentos já viesse ocorrendo há alguns meses, a recente alta do arroz foi um estopim de uma turbulência de proporção global, freqüentando as manchetes nos principais jornais e revistas do mundo. Muitas explicações vêm sendo dadas e novas hipóteses surgem a todo momento, mas a verdadeira causa da alta dos alimentos é uma questão complexa, composta por uma série de fatores, que serão discutidos em seguida.
Primeiramente, é importante que se saiba que é normal no mercado internacional uma valorização dos preços nesta época do ano, por ser um período de entressafra no sudeste asiático (região responsável por mais de 90% da produção mundial de arroz). O que não é normal é a intensidade desta valorização.
O mais recente relatório de oferta e demanda divulgado pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) trouxe alterações significativas em relação ao relatório do mês anterior nas projeções para a safra 2007/2008, como o incremento de 1,35 milhão de toneladas de arroz no estoque inicial, uma projeção de produção de 2,35 milhões de toneladas maior e um aumento do consumo em 1,75 milhão de toneladas.
Quadro de oferta e demanda mundial de arroz beneficiado
Fonte: USDA
Apesar do relatório ter apresentado projeções baixistas, na prática o mercado internacional de arroz, acompanhando a tendência de outras commodities como o petróleo, cobre, soja e milho, mantém o comporta-mento de alta. A cada dia, os principais indicadores de preços de arroz batem novos recordes. Nos últimos dois meses, o preço do arroz na Tailândia (100% B) apresentou uma valorização de 93%, indo de 463 dólares/tonelada para 894 dólares/tonelada, enquanto que o arroz do Vietnã (Viet 5%) teve aumento de 108% no preço.
Investimento em commodities
Desde a crise do mercado imobiliário nos Estados Unidos e com o enfraquecimento do dólar no mercado financeiro, muitos investidores passaram a ver o mercado de commodities como um investimento mais seguro, puxado principalmente pelo comportamento dos preços do petróleo. Com isso, passou a ocorrer uma corrida por fundos de commodities, pressionando uma alta.
Na Bolsa de Chicago (CBOT), por exemplo, a valorização do contrato futuro de arroz passou dos 30% nos últimos três meses. Os relatórios publicados pela CBOT indicam que entre os três primeiros meses de 2008 o volume negociado no pregão eletrônico de arroz foi 219% superior ao volume negociado no mesmo período em 2007. Essa informação indica, por si só, o quanto vem sendo intenso o movimento especulativo no mercado de arroz.
O consumidor, brasileiro ou de qualquer outro lugar do mundo também vem agindo de forma especulativa. Inseguro com relação às tendências de preços, acaba comprando um volume maior do que as suas necessidades, causando um instantâneo aumento da demanda.
Diante da importância do arroz para a segurança alimentar mundial, principalmente nos países mais pobres, algumas ações políticas independentes foram tomadas buscando garantir o abastecimento interno e segurar os índices inflacionários. Todas essas ações influenciaram para catalisar a escalada dos preços no mercado mundial.
Em outubro de 2007, a Índia suspendeu por cinco semanas as exportações de arroz não basmati para controlar os preços no mercado doméstico e repetiu a medida em março de 2008, quando a inflação atingiu o maior índice dos últimos 14 meses.
No mês seguinte foi a vez do Egito, que normalmente exporta aproximadamente 1,3 milhão de toneladas, barrar as vendas. Com a retração da oferta, a valorização do cereal no mercado internacional foi inevitável.
Como se já não bastasse a retração da oferta da Índia e Egito, o Vietnã, terceiro maior exportador de arroz no mundo, resolveu tomar a mesma medida, estendendo a suspensão até junho.
Pressionados pelos impactos que suas medidas vêm causando no mercado internacional, a maioria desses países está retomando as vendas, aproveitando os bons preços.
Demanda mundial
Enquanto a oferta passou a ser restringida, o mercado internacional de arroz precisou assimilar fortes pressões de compra, que ajudaram a jogar os preços para cima. Bangladesh, por exemplo, precisou aumentar a sua compra para compensar as perdas da produção por ter sido atingido por uma forte enchente. Nas Filipinas, onde o investimento na produção não consegue acompanhar o crescimento populacional, foi anunciada a necessidade de importar um volume recorde nos últimos anos. Países da América Central, como a Costa Rica, terão que importar arroz para compensar a concorrência por cana-de-açúcar e a menor produtividade obtida em função de adversidades climáticas.
Enfim, o mercado internacional de arroz passa por um momento em que uma conjugação de fatores se coincide, provocando um efeito “bola de neve”. Nenhuma ação isolada, neste momento, terá condições de impedir o comportamento atual dos preços, mas a expectativa é de que a intensidade com que os preços estão se valorizando tenha um enfraquecimento nos próximos meses com a entrada da safra asiática. Com o tempo, o mercado tende a se equilibrar sem a necessidade de qualquer medida artificial. Basta agora saber qual será esse tempo e quais serão os impactos dessa turbulência.
Saiba mais sobre a crise mundial dos alimentos
A alta mundial nos preços dos alimentos é tema que deixa autoridades em alerta e esquenta debates em torno das possíveis causas para a escassez de comida. Para explicar a crise atual, entretanto, não é possível eleger uma causa específica. Segundo os especialistas, são diversos os fatores que culminaram no cenário de inflação agravado desde o começo do ano em diversos países, mas principalmente afetando as nações de economias emergentes.
O Programa Mundial de Alimentos (PMA) das Nações Unidas divulgou nota informando que a falta de alimentos ameaça afundar na fome 100 milhões de pessoas, como um “tsunami silencioso”. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU) para Agricultura e Alimentação (FAO), os principais fatores que influenciam a alta dos preços dos alimentos são o aumento da demanda, a alta do petróleo, a especulação e condições climáticas desfavoráveis.
Há controvérsias sobre a dimensão da responsabilidade dos biocombustíveis, cujas matérias-primas (cana, milho e outras) disputam espaço com culturas destinadas à produção de comida. Recentemente a ONU divulgou relatório isentando o Brasil de culpa nesta área, enfatizando a preocupação sobre os métodos de produção de biodiesel a partir de cereais, como milho e trigo, como matéria-prima. É o caso dos Estados Unidos (etanol de milho) e da Europa (trigo e outros).
Os fatores
>>> Mais demanda, menos oferta
A população mundial está comendo mais. Especialmente nas economias que têm registrado maior expansão, como a da China, que tem 1,3 bilhão de habitantes. Com mais gente comprando, vale a lei da oferta e da procura: os produtos se valorizam no mercado e ficam mais caros.
>>> Alta do petróleo
O preço do barril de petróleo vendido em Nova Iorque e em Londres tem, sim, relação direta com a escalada do valor dos alimentos, já que a agricultura demanda grandes quantidades do óleo, seja no maquinário, tratores, uso de fertilizantes ou transporte, até esse produto chegar ao consumidor.
“O aumento no petróleo também faz com que o preço final dos alimentos fique mais caro”, diz Francisco Carlos Teixeira, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Segundo ele, o preço do barril influi diretamente nas commodities agrícolas em duas pontas: na produção e na distribuição.
“Hoje, a agricultura é totalmente industrializada e depende em boa medida do petróleo, usado como matéria-prima para uma série de produtos, como defensivos agrícolas e químicas de preparação da lavoura. Além disso, também movimenta os veículos que transportam as safras agrícolas”, diz Teixeira.
>>> Especulação
Com a queda do dólar, investidores que ganhavam dinheiro investindo na moeda norte-americana migraram para a aplicação em outras commodities, como os produtos agrícolas.
Muitos fundos têm usado as bolsas de mercadorias para especular com a antecipação da compra de safras futuras em busca de melhor rentabilidade, o que também contribui para valorizar o preço de commodities como o trigo e o arroz.
Segundo a FAO, os preços internacionais do arroz começaram uma escalada desde o início do ano, depois de subirem 9% em 2006 e 17% em 2007. O preço do produto subiu 12% em fevereiro e mais 17% em março, segundo o índice All Rice Price, elaborado pela entidade.
>>> Condições climáticas
O clima é outro fator que reduziu a quantidade de alimentos produzida no mundo, segundo relatório da ONU divulgado na semana passada.
As condições climáticas desfavoráveis devastaram culturas na Austrália e reduziram as colheitas em muitos outros países, em particular na Europa, segundo a FAO.
Segundo as previsões da FAO, as reservas mundiais de cereais caíram para o seu nível mais baixo em 25 anos com 405 milhões de toneladas em 2007/2008, 5% (21 milhões de toneladas) abaixo do nível já reduzido do ano anterior.
>>> Biocombustíveis?
“Os biocombustíveis são apenas uma gota no oceano desse cenário de aumentos”, diz a professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro Suzana Kahn Ribeiro.
Segundo ela, o caso do biocombustível é particular do etanol fabricado a partir do milho dos Estados Unidos. “O milho é uma cultura alimentar e, de fato, começou a haver um desvio da produção de milho com finalidade para alimento para a produção do etanol”, diz. Com a redução da oferta de milho subiu o preço dos derivados, o que começou um processo em cadeia: aumentou o preço da ração dos animais e, conseqüentemente, das carnes. “No Brasil (onde o etanol é feito a partir da cana-de-açúcar) a realidade é bem diferente; tanto que no nosso histórico dos últimos 30 anos aumentamos a produção não só de etanol, mas também de alimentos”, diz.