La Niña perto do fim?

 La Niña perto do fim?

Figura 1. Anomalia da precipitação (mm) nos meses de agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro de 2022 no estado do Rio Grande do Sul. Fonte: Adaptado de Inmet

Sob efeito da anomalia negativa na temperatura das águas do Oceano Pacífico Equatorial (La Niña), desde agosto de 2020 de forma ininterrupta, os efeitos na precipitação vieram um pouco mais cedo na safra 2022/23. Desde o mês de agosto de 2022 que as precipitações ficaram abaixo da Normal Climatológica (NC) na maior parte do estado do Rio Grande do Sul (RS) (Figura 1). Os dados evidenciam que o déficit hídrico iniciou pelo menos um mês antes que na safra anterior (2021/22). Em 2021, a precipitação começou a ficar abaixo da NC a partir de outubro.

Voltando para a atual safra (2022/23), para se ter uma ideia da intensidade da deficiência hídrica, tomou-se como exemplo um ponto na região central do estado do RS, o município de Santa Maria, onde a precipitação ficou abaixo da NC em todos os últimos cinco meses (agosto a dezembro). Nesse município, o somatório do valor da NC é de 656 mm, mas choveu um total de apenas 244 mm. Portanto, o déficit hídrico nesses meses foi de 412 mm, ou seja, a precipitação ficou 63% abaixo da média nesse período.

A La Niña continua ativa, embora mostre alguns sinais de que esteja começando a enfraquecer. A Figura 2 mostra a anomalia da temperatura da água da superfície do mar no mês de dezembro de 2022, já com valores entre -0,5 °C e -1,0 °C, na região do Niño3.4, que é o que determina os diferentes episódios do Enos (El Niño-Oscilação sul). O trimestre Out-Nov-Dez de 2022 teve anomalia de -0,9 °C. Como as anomalias trimestrais chegaram a -1,0 °C no máximo, considera-se esta terceira La Niña consecutiva como de fraca intensidade.

A expectativa é de que a La Niña se mantenha até meados do verão de 2023 e depois entre em período de Neutralidade climática. O trimestre Fev-Mar-Abr de 2023 já mostra probabilidade de 73% para a Neutralidade, ou seja, a transição deverá começar já no fim deste verão (Figura 3). Mas, como os efeitos da La Niña não cessam de um dia para o outro, é possível que haja meses com maiores volumes de chuva e outros ainda com déficit hídrico no RS, pois a atmosfera demora um tempo até responder às condições oceânicas do Pacífico.

Por outro lado, chama a atenção o aumento da probabilidade para o desenvolvimento de um El Niño na próxima safra, com quase 51% de probabilidade no trimestre Ago-Set-Out de 2023. Ainda é muito cedo para se afirmar isso, mas é importante ir monitorando essa probabilidade, pois ela vem aumentando nas últimas atualizações.

Se a precipitação tem sido deficitária na atual safra (2022/23), o mesmo não se pode falar da radiação solar, que ficou acima da média na metade sul do RS em outubro, novembro e dezembro de 2022. Para as culturas da soja e milho em rotação e, principalmente, para o arroz irrigado, é importante que a radiação solar seja alta, desde que as temperaturas não sejam muito altas. Não havendo falta de nutrientes e água, e com adequado manejo das lavouras, a expectativa é de que sejam obtidas altas produtividades de grãos.

No entanto, com a falta de chuvas e com a presença de dias ensolarados, as temperaturas se elevam mais e a umidade relativa do ar tende a ser baixa, além dos ventos, que intensificam a velocidade em anos com La Niña. A atuação desses fatores em conjunto faz aumentar a evaporação da água dos reservatórios, gerando apreensão por parte dos produtores, à medida em que as chuvas não ocorrem. As regiões da fronteira oeste e da campanha são as que apresentaram os maiores valores de evaporação, em torno de 250 mm no mês de dezembro de 2022, ou seja, uma média de 8 mm/dia. Por isso, muitos produtores comentam que a água dos reservatórios está diminuindo, sem estar sendo usada.

Figura 2. Anomalia da temperatura da água da superfície do mar (TSM) no mês de dezembro de 2022. Fonte: adaptado de CPTEC/Inpe. O retângulo central na imagem mostra a região do Niño 3.4, a qual os centros internacionais utilizam para calcular o Índice Niño (índice que define a ocorrência de eventos de El Niño e La Niña). Já o retângulo menor mostra a região Niño 1+2, que modula a qualidade, ou seja, a regularidade de ocorrência de chuvas no RS. Fonte: adaptado de CPTEC/Inpe

Ao se analisar quatro modelos climáticos, a maioria prevê a ocorrência de chuvas abaixo ou dentro da NC em fevereiro de 2023. Em março, dois dos quatro modelos analisados mostram chuvas abaixo da média em todo o RS, enquanto os outros preveem chuvas dentro ou acima da NC. Para abril, a maioria dos modelos prevê chuvas dentro ou acima da NC. O modelo do Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia) mostra que as precipitações devem ficar entre a NC ou acima em fevereiro e março, e abaixo da NC em abril. De modo geral, não deverá haver regularização das chuvas, ao menos até fim de março no RS.

Salienta-se que o produtor fique sempre atento à previsão do tempo e do clima para tomar as melhores decisões no manejo de sua lavoura.

Jossana Ceolin Cera
Doutora em Engenharia Agrícola (UFSM)
Agrometeorologista do Irga

Figura 2. Probabilidade (%) oficial no Enos (El Niño-Oscilação sul) para o índice da temperatura da superfície do mar na região Niño 3.4. Gráfico atualizado em 8 de dezembro de 2022, pelo CPC/IRI/Noaa. As barras em azul significam probabilidade de La Niña, as cinzas de Neutralidade e as vermelhas de El Niño. Fonte: adaptado de IRI (International Research Institute – Columbia University).

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