Novo cenário de altas nos preços está sendo construído em Chicago, dizem especialistas
Produtor brasileiro tem que se valer de ferramentas, como as opções, para participar dos ganhos.
"Está havendo a construção de um cenário de alta para os preços da soja em Chicago", diz o analista de mercado Marcos Araújo, da Agrinvest Commodities. No entanto, ainda segundo ele, há uma série de perguntas que precisam ser respondidas para que o mercado defina, de fato, um caminho para as cotações no mercado futuro norte-americano.
Afinal, há quase dois anos, o andamento dos futuros da oleaginosa segue enfrentando uma série de travas diante do conflito comercial enre China e Estados Unidos. Assim, desde que foi anunciado um consenso entre ambos para um acordo prévio – ou para a chamada fase um – os preços já exibem um movimento de avanço um pouco mais consistente, com os traders já mais otimistas.
Como 2019 não para de surpreender, o governo recém empossado da Argentina já promoveu um aumento nas retenciones sobre as exportações de grãos e soja do país, o que também tem que ser absorvido pelo mercado. A informação já vinha sendo esperada desde a vitória de Alberto Fernández sobre Maurício Macri, porém, também precisa ser detalhada para que se entenda o efeito sobre os preços e, mais do que isso, sobre o ritmo do comércio mundial de grãos e soja.
Para Steve Cachia, consultor da Cerealpar e da AgroCulte, ambos os fatores deverão ser combustível para os futuros da oleaginosa.
"O sentimento deve continuar altista, e qualquer pressão maior pode significar uma oportunidade de compra. O período psicologicamente positivo, de festas de final de ano, aliado a fatores fundamentais mais altistas – acordo EUA/China e retenciones na Argentina – pode levar as cotações futuras em Chicago a patamares mais elevados ainda.
BRASIL: OLHO NA LUCRATIVIDADE
Diante disso, a orientação de Marcos Araújo é de que o produtor siga monitorando o andamento não só do mercado na Bolsa de Chicago, mas dos fatores que formam os preços separadamente para que continue garantindo sua lucratividade.
Enquanto sobem os preços na Bolsa de Chicago e vão construindo esse ‘cenário de alta’, o dólar opera em patamares mais baixos do que o observado há algumas semanas, e abaixo dos R$ 4,10 já. Da mesma forma, uma efetivação das compras chinesas no mercado americano poderiam vir a pesar sobre os prêmios no mercado nacional.
Assim, o ideal é que o produtor aproveite os bons momentos e siga "colocando no bolso as margens que ele for encontrando", diz o analista da Agrinvest. E mais do que isso, Araújo orienta o sojicultor brasileiro ainda a escolher ferramentas que permitam que ele participe de novas eventuais altas.
"Faça um seguro de alta, compre uma call", diz. "Para o produtor que fizer venda futura safra 2020, recomendo call com vencimento março/20 na CBOT, com strike em US$ 9,70, a um custo de US$ 0,11 por bushel ou US$ 0,24 por saca", diz o especialista, se valendo de outro exemplo. "O imporante é o olho na lucratividade", completa. Em outros exemplos, uma operação de strike em US$ 11,00 por bushel com vencimento julho que teria custo de US$ 0,39 por bushel ou US$ 0,68 por saca.
O Brasil já vendeu pouco mais de 35% da safra 2019/20, ainda de acordo com analistas e consultores de mercado. E o país começa 2020 com estoques praticamente zerados diante de uma demanda interna muito aquecida em 2019 – puxada especialmente pelo setor de proteínas animais e biodiesel – e de exportações melhores do que o esperado.
De acordo com os últimos números da Secex (Secretaria de Comércio Exterior), as vendas externas brasileiras já somam 76.528,9 milhões de toneladas, superando até mesmo as melhores expectativas.
"As projeções, que no começo da temporada estavam entre 72 e 75 milhões de toneladas, foram superadas e mostram potencial de chegar a 78 milhões no fechamento deste ano, já que ainda faltam 11 dias úteis para fechar o mês", diz Vlamir Brandalizze, consultor de mercado da Brandalizze Consulting.
ACORDO CHINA X EUA
Na avaliação de analistas internacionais, a guerra comercial foi uma das principais histórias de 2019 para o agronegócio mundial. Um acordo para a fase um é especulado desde meados de outubro, quando aconteceu a última reunião presencial entre as delegações chinesa e americana, porém, sem mais notícias até o dia 12, último.
A reação dos preços foi imediata na Bolsa de Chicago e o mercado encontrou espaço para uma recuperação depois de meses de letargia, assumindo, de fato, um tom mais positivo a partir de agora. "É um novo momento para o mercado sim. Porém, me preocupa ainda essa interferência que o acordo pode exercer no livre comércio", diz o economista e analista de mercado, Camilo Motter, da Granoeste Corretora de Cereais.
Para ele, o consenso poderia fazer com que a China, por meio de um sistema de cotas de importação, direcionasse as compras da China de alguma forma. E de qualquer maneira, já espera que o Brasil perca uma parcela desta demanda para a soja norte-americana.
"Precisamos conhecer a textura desse acordo, que nesse momento caminha para centralizar as compras no mercado americano. Então, os detalhes nos mostrarão como estas compras acontecerão", diz. E sua opinião é compartilhada por Marcos Araújo. "Pouco se sabe ainda sobre o acordo", diz o analista da Agrinvest.
Para Araújo, é necessário que o mercado entenda quanto efetivamente será comprado de soja nos EUA pela China, se a alíquota sobre as importações será zerada como é para as outras origens – Brasil e Argentina – e em que período essas compras serão feitas.
"Nos próximos meses, a China ainda precisa comprar de 7 a 10 milhões de toneladas, pois está 70% comprada e tem de se abastecer. Temos que acompanhar, esperar mais detalhes", completa o especialista.
"Os detalhes permanecem obscuros, na melhor das hipóteses, com mensagens confusas vindas da Casa Branca. O USTR (Escritório Representante do Comércio dos EUA) está sugerindo que a China concordou em comprar US$ 16 bilhões adicionais em mercadorias sobre a linha de base de 2017 de US$ 24 bilhões em cada um dos próximos dois anos. O presidente sugere que as compras de produtos agrícolas possam atingir US$ 50 bilhões anualmente. Até onde sabemos, os chineses ainda não confirmaram publicamente a magnitude das compras planejadas", dizem Brent Gloy & David Widmar ao SuccessfulFarming.
As divergências, portanto, continuam. Exatamente como meses atrás.
Em anos ‘normais’, antes do conflito, o recorde das compras da nação asiática nos EUA foi em 2014, com importações no valor de US$ 24,2 bilhões, ou, cerca de 16% sobre o total exportado pelos EUA no valor de US$ 150 bilhões. Em 2017, foram US$ 19,5 bilhões, ou 14% das exportações de US$ 138,2 bilhões.
RETENCIONES MAIS ALTAS NA ARGENTINA
Se o acordo China x EUA exige mais detalhes, o aumento das retenciones na Argentina não é diferente. O aumento das tarifações já foi anunciado pelo governo recém empossado de Alberto Fernández e Cristina Kirchner, porém, também sem mais informações de que maneira será efetivado.
Em entrevista ao Notícias Agrícolas direto de 9 de Julio, na Argentina, o diretor da Globaltecnos, Sebastian Gavalda, explica que a possibilidade de que os grãos e cereais registrem uma tarifa de 12%, contra os 6,5% anteriormente. Para a soja, os valores poderiam passar de algo entre 24 e 25% para 30%.
Como explica Gavalda, com essa alta nas taxações, o produtor argentino poderia perder, em média, US$ 20 por tonelada na soja, e a Argentina poderia ficar ainda menos competitiva no mercado internacional. E é então, que de acordo com os especialistas, o mercado se reequilibra um pouco mais para o Brasil diante de um acordo efetivo entre China e EUA. "Hoje, de cada três caminhões que saem do campo com soja, um fica para o estado", relata.
O diretor da Globaltecnos explica ainda que alcançando, ao menos, a produtividade média para a soja o produtor argentino consegue empatar suas contas. Com um rendimento mais baixo, as retenciones elevadas já promovem prejuízo. E frente a tantas incertezas, o mercado argentino está praticamente paralisado nas exportações.
"Há 7 dias havia ainda muitas vendas acontecendo, agora está tudo parado", diz Gavalda. Segundo ele, os produtores correram com sua comercialização não só da oleaginosa, mas também de milho e trigo para evitar as tarifas mais altas.
A Argentina já tem cerca de 11 milhões de toneladas de sua safra de soja vendida, contra 3 milhões do ano passado, nesse mesmo período. No milho, o volume chega a 17 milhões de toneladas, enquanto em 2018, nessa época, eram perto de 5 milhões apenas.