“O Brasil pode muito mais”

 “O Brasil pode muito mais”

Aos 43 anos, o administrador de empresas, também graduado em Comércio Exterior, Gustavo de Seabra Trevisan, assumiu o desafio de comandar a diretoria de Assuntos Internacionais da Associação Brasileira das Indústrias de Arroz (Abiarroz). Esse não é o primeiro desafio recente. Integrante da diretoria do Sindarroz (RS), em 2019 ele foi guindado à diretoria da mais antiga indústria ligada ao sindicato, a Trevisan Alimentos, com 110 anos de atividade.

Planeta Arroz – Como é para o senhor, ainda jovem, assumir a direção de uma empresa de 110 anos e, logo depois, a diretoria de Assuntos Internacionais da Abiarroz?
Gustavo Trevisan – Desafiante, mas também natural. No caso da empresa, me preparei por bem mais de 20 anos, que é o período em que comecei a trabalhar e passei por quase todas as funções administrativas. Com o tempo, assumi a área comercial e, em 2019, com o falecimento do meu pai, Nilo, passei a diretor. Foi uma evolução natural que ensejou mudanças, como o direcionamento do foco apenas ao arroz e à soja. Essa experiência, mais um esforço bem-sucedido no aumento dos volumes de arroz exportado por nossa empresa para vários países, a participação no Brazilian Rice e de várias missões internacionais, acabou levando o presidente Elton Doeler a me convidar para a função até 2023. Me senti honrado em poder contribuir.

Planeta Arroz – Quais são os desafios do seu novo cargo?
Gustavo Trevisan – Dentro da entidade estamos fortalecendo o Brazilian Rice. Temos a expansão de nossos mercados com alguns países como prioridade já elencada há mais tempo, mas a pandemia acelerou algumas coisas, criou oportunidades. A meta fundamental é dar ao setor a resposta que ele espera, seja por meio de ações setoriais, políticas e de promoção comercial. Desde 2012 há o projeto e existe um trabalho robusto, com resultados palpáveis neste período. Nosso desafio é manter essa trajetória de sucesso. O Brasil é um player internacional em arroz, mas pode muito mais.

Planeta Arroz – E o que o setor espera?
Gustavo Trevisan – Aquilo que nós também esperamos: a consolidação de nossos mercados-clientes e a expansão para alguns países em que temos maiores obstáculos para participar. Esse é o esforço. Para o biênio 2021/22, os mercados-alvo das ações do projeto Brazilian Rice, em parceria com a Apex-Brasil, são Canadá, Guatemala, México, Panamá, Peru, Reino Unido, Turquia e Marrocos. Até agora tivemos sucesso com o Peru, que se tornou um cliente estável de arroz beneficiado. México e Guatemala foram sucessos parciais, pois ainda têm predileção pela compra de arroz em casca, e a Turquia recorreu ao Brasil para seu abastecimento durante a pandemia. Então, há trabalho a fazer.

Planeta Arroz – Quais os principais obstáculos para consolidar a presença nesses mercados?
Gustavo Trevisan – Não nesses, mas em geral, temos dois grandes gargalos que independem das indústrias ou tradings, mas dos governos: acordos fitossanitários e acordos comerciais. O primeiro deles é a falta de tratados fitossanitários com muitos países. O Brasil ficou para trás nesse aspecto, os demais países do Mercosul avançaram com pactos bilaterais antes mesmo da formação do bloco econômico, e o Paraguai tem acelerado esses acordos. Nós enfrentamos dificuldades. A nomeação de adidos agrícolas em mais países trouxe avanços, mas dependemos dos governos estrangeiros aceitarem nossos argumentos. Negociação internacional é barganha, e na área agrícola há países que adotam muitas manobras protecionistas, seja levantando barreiras sanitárias por causas inexistentes ou exigindo práticas de expurgo com produtos proibidos por nossa legislação.

Planeta Arroz – E estamos avançando nesse item?
Gustavo Trevisan – Sim. Em 2020, quando estivemos no México, nos surpreendeu positivamente o domínio dos representantes da nossa Embaixada sobre o tema arroz e o que estavam fazendo para assegurar a exportação brasileira. No entanto, o México, até pela necessidade que teve de importar diante dos baixos estoques dos EUA em 2020 e da pressão interna, retirou as taxas apenas do arroz em casca. É complicado quando se percebe que pagamos 16% de taxas para exportar arroz beneficiado para aquele país enquanto o Uruguai e a Argentina têm zero taxas – apesar da Argentina pagar internamente 5% de retenciones e o Paraguai uma alíquota de 4%.

Planeta Arroz – E na área comercial?
Gustavo Trevisan – Precisamos de mais acordos comerciais bilaterais. Respeitamos o Mercosul, mas os movimentos em conjunto são muito lentos. Então, precisamos de pactos comerciais diretamente do Brasil com outros países que sejam bem amarrados. Falei antes que nesse aspecto é questão de barganha. Vários países oferecem negócios ao Brasil e temos conseguido colocar o arroz na pauta. Se querem vender máquinas, tecidos, o que for, que comprem produtos nossos também e, entre eles, o arroz. Há um potencial grande de negócios, mas que depende desse aspecto político sobre o qual podemos fazer gestões como entidade setorial, mas temos limites. Desses limites para a frente é com os governos.

Planeta Arroz – A pandemia permitiu realizar ótima exportação. A meta é manter estes patamares?
Gustavo Trevisan – Exportamos cerca de 1,8 milhão de toneladas de arroz em base casca, e só não negociamos mais porque em um determinado momento do segundo semestre as cotações, câmbio, baixos estoques do Mercosul e outros fatores descasaram a ponto de termos importado um pouco de grão com alíquota zerada. Serviu como experiência. Precisamos lembrar que se tratava de uma “tempestade perfeita”, ou seja, tudo contou a nosso favor no primeiro semestre do ano agrícola. Depois de novembro as coisas pareceram voltar à normalidade.

Planeta Arroz – Ainda assim, o senhor acredita num 2021 de ótimas exportações?
Gustavo Trevisan – Acreditamos em algo próximo de 1,5 milhão de toneladas. Alguns fatores vão pesar, como os estoques dos Estados Unidos e a dimensão de sua safra e seu potencial de competir com o Mercosul, o câmbio, os preços internos, o próprio ímpeto do Mercosul. Nossa expectativa é estarmos em condições competitivas a partir de junho. O Brasil tem conseguido abrir alguns mercados por sua qualidade de grão, mas é um exportador de oportunidade, ou seja, a maioria dos seus clientes fazem opção por preço, caso dos africanos, de Cuba, da Venezuela e países da América do Sul e América Central. Mas, se os preços forem similares, a maior parte destes clientes vai optar pelo grão brasileiro.

Planeta Arroz – O mercado de grão longo fino é pequeno no mundo. Como exportar mais?
Gustavo Trevisan – O mercado mundial gira em torno de 45 a 46 milhões de toneladas em base branco, um pouco mais, um pouco menos. Isso é 9% da produção mundial. A comercialização entre países tende a crescer. Mas, veja, metade disso ou pouco mais é arroz longo fino, mas apenas de 6 a 8 milhões de toneladas são de arroz com qualidade de “tipo 1”, no padrão do Mercosul. Com demanda estável, podemos gradativamente alcançar um mercado de 3 a 5 milhões de toneladas no futuro. No cenário de exportação de oportunidade há muitas variáveis e instabilidade, mas com estabilidade podemos avançar rapidamente. Mostramos isso, mesmo no pico da pandemia em 2020, ao atender o maior mercado consumidor das Américas e ofertarmos 1,8 milhão de toneladas para atender mais de 100 países. Amadurecemos muito.

Planeta Arroz – O senhor diria que 2020 se tornou uma referência para o mercado de arroz?
Gustavo Trevisan – Não uma referência, mas foi um teste e tanto. Aprendemos muitas lições sobre o mercado interno e também o externo. Como produzimos comida boa, bonita e barata, conseguimos um bom desempenho na temporada. Os valores internos serão uma referência histórica, sem dúvida.

Planeta Arroz – A concentração na indústria de arroz, como deve se comportar no futuro próximo?
Gustavo Trevisan – As indústrias serão cada vez mais enxutas, modernas, buscando menores custos, mais produtividade, certificações e ações efetivas que lhes abram portas no mercado internacional e garantam o atendimento com qualidade do mercado interno. Desenvolver uma marca leva décadas. A marca do arroz brasileiro está associada à qualidade, dentro e fora do país. Se tivermos preços em sincronia com o mercado internacional e acordos comerciais e fitossanitários, seremos diferenciados. A concentração de indústrias é uma reflexo do perfil do varejo.

Planeta Arroz – Qual a solução para as pequenas empresas que têm cada vez mais dificuldades?
Gustavo Trevisan – É uma opinião pessoal, não da entidade. As empresas menores, e eu administro uma que está entre média e pequena pelo ranking do Irga, vão ter que buscar escala e, conjuntamente, mercados no Brasil e no exterior. Nós estamos investindo e estimamos que no cenário de curto e médio prazo das empresas para, sobreviverem a um mercado em condições normais como antes da pandemia, será preciso processar cerca de um milhão de sacas por ano e vender um milhão de fardos. Haverá exceções, nichos, mas em geral as pequenas e médias indústrias precisarão se adequar à nova realidade.

Planeta Arroz – Não dá pra ficar parado, então, estático?
Gustavo Trevisan – Não quero que me interpretem mal, mas quem ficar parado sairá ou será tirado do mercado, mais cedo ou mais tarde. A evolução dos números e do perfil da indústria gaúcha de arroz mostra isso. A concentração prosseguirá. Não é pessimismo, estou sendo realista, pois assim como quem ficar parado tende a perder espaço, quem buscar efetivamente mercado e tecnologias que reduzam custo ou aumentem sua sustentabilidade, tende a crescer.

Planeta Arroz – Os preços vão se manter perto dos R$ 100,00 para o arroz em casca em 2021?
Gustavo Trevisan – O mercado do arroz é dinâmico, mais do que commodities como soja, milho e carnes, pois sofre profundas interferências governamentais e tem 90% da produção e consumo na Ásia. No Brasil, acredito que o piso será a paridade de exportação, enquanto o teto será o valor que o consumidor estiver disposto a pagar – e daí decomposto ao longo da cadeia produtiva. Como oferta, demanda, câmbio, frete, e mais algumas dezenas de fatores interferem, teremos picos de alta e baixa e algumas oscilações.

Planeta Arroz – Do ponto de vista industrial, poderia citar mais algum gargalo do arroz no Brasil?
Gustavo Trevisan – O grande volume de consumo continua igual era há 50 anos, o arroz branco em pacotes de um, dois e cinco quilos. As novidades mais representativas neste período foram o arroz parboilizado e o arroz integral, que juntos ocupam de 25% a 27% do mercado nacional. É preciso modernizar os processos e os hábitos de consumo e agregarmos valor ao arroz, que a pandemia ajudou a lembrar que é um produto obrigatório na mesa brasileira. As grandes empresas estão fazendo isso, mas o custo em inovação e lançamento de novos produtos ainda é alto e o mercado não oferece segurança ao investimento. Assim, o jeito é aguardar os líderes abrirem este canal de comercialização, a tecnologia baratear, usar de criatividade e disputar alguns nichos e fatores regionais de consumo. E torcer para que o consumidor entenda a proposta e adquira novos hábitos. Acreditamos numa volta à normalidade, ainda que gradual. E com isso, o a demanda que foi maior com consumidores em casa, pode voltar a patamares próximos dos anteriores. Torcemos para que siga maior.

Planeta Arroz – No novo normal o senhor crê em espaço para crescimento das exportações?
Gustavo Trevisan – Sim. Batemos nosso recorde de exportações em cenário de normalidade. A qualidade do nosso grão e a eficiência da indústria arrozeira são diferenciais no mercado internacional. Isso contribui para ampliar nosso espaço lá fora. De nossa parte, seguiremos pressionando entes governamentais pelos acordos fitossanitários e comerciais, investimentos em logística e intensificaremos ações promocionais do arroz brasileiro no exterior por meio do projeto Brazilian Rice.

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