“O setor arrozeiro não pode ser passivo”

 “O setor arrozeiro não pode ser passivo”

Aos 61 anos, o médico veterinário e advogado João Batista Camargo Gomes, agropecuarista em Capivari do Sul, enfrenta o desafio de reestruturar o Departamento Comercial do Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga) e ajudar a administrar a instituição em uma de suas maiores crises. Indicado pela indústria e agricultores, tem grandes propósitos, pouco tempo e quer marcar sua passagem pavimentando a recuperação da relevância da autarquia. Aqui, opina sobre desafios, gargalos, potencialidades, o momento crítico e o futuro da instituição e do setor.

Planeta Arroz – Por que foi indicado a diretor comercial?
João Batista – O bom trânsito com a cadeia produtiva nos oito anos que fui diretor e presidente da Cooperativa Arrozeira Palmares, presidi o Sindicato Rural de Osório e a condição de produtor rural.

Planeta Arroz – E o que o fez aceitar?
João Batista – O desafio. Hoje, administro meus negócios com maior tranquilidade e me propus a fazer parte da história do Irga em busca de soluções e ajudar a restabelecer sua relevância. Estamos no caminho, sou otimista, temos boas perspectivas para o futuro. Não adianta só reclamar que a CDO não é repassada, que o Irga está em crise, que não há investimentos. Temos que participar para mudar.

Planeta Arroz – O respaldo da Federarroz, Sindarroz, Sindapel e Fearroz ajuda?
João Batista – Fortalece e aumenta a responsabilidade. Pretendo retribuir a confiança buscando a harmonização dos interesses do setor para que produtores e indústria se vejam como complementares e não adversários.

Planeta Arroz – Esperava a pressão que encontrou no cargo?
João Batista – Dadas as circunstâncias e o momento do Instituto, entendo a pressão. São anos de demandas represadas. Embora comprometidos e trabalhando muito e com boa perspectiva, sabemos que em seis ou sete meses não serão resolvidos os problemas históricos do Irga, mas que em dois anos é possível dar encaminhamento a temas fundamentais. As demandas são muitas e a cobrança é normal, o que não pode ser confundido com a crítica gratuita. Há muito a fazer e não faltam só recursos financeiros. Há coisas acumuladas por décadas que chegaram a um ponto crítico agora, como a Barragem do Capané.

Planeta Arroz – Quais os desafios do departamento?
João Batista – Em primeiro lugar, reorganizá-lo. Ficou dois anos sem diretor, há pendências deste período, a começar pelo ranking de beneficiamento que colocamos em dia, mas houve perda de servidores, projetos trancados, inatividade de comissões, decisões paliativas que exigem solução. Enfrentamos os problemas, muitos e diários, buscando resoluções definitivas, em que pese a administração pública ser demorada e, às vezes, limitar nosso poder de decisão. A necessidade de reforma do maciço da Barragem do Capané, construção de vertedouro já pago pelos usuários e nunca construído, medidas emergenciais para evitar rompimento e danos aos produtores, é um exemplo. A demanda tem 30 anos e agora, sob risco, tem de ser resolvida. Mas sou otimista e determinado. Recuperar o Irga é um processo em andamento, mesmo que mais difícil e lento do que desejamos.

Planeta Arroz – O maior problema é não receber o valor integral da CDO?
João Batista – Penso que sim. Com recursos da CDO, poderia se investir, valorizar servidores, a pesquisa e extensão e a estrutura para defender as grandes bandeiras político-setoriais e a solução de gargalos da cadeia produtiva. Em 2020, os arrozeiros recolheram R$ 108 milhões, mas o Irga recebeu R$ 60 milhões. Já são perto de R$ 250 milhões dirigidos ao Caixa Único do Estado, longe do propósito dessa arrecadação, e o setor tem dito isso aos governantes. Esse passivo é recurso que não chega nas lavouras, no Instituto, trará um custo futuro à orizicultura gaúcha e ao Estado. Mas é evidente que também faltou iniciativa e vontade política no Irga e a mobilização do setor em defesa dos seus interesses, que gerou um desmonte. Lutar contra esse “status” não é fácil, mas é a missão a qual nos propusemos.

Planeta Arroz – O senhor é arrozeiro e diretor do Irga. Como se sente quanto a isso?
João Batista – Assumi o desafio de buscar soluções. Quero que a CDO volte integralmente ao Instituto e siga seu real propósito na forma de tecnologias, investimentos, estrutura e suporte entregues à lavoura. Um Irga forte. Espero que tenhamos sucesso, apesar dos obstáculos.

Planeta Arroz – Quais os obstáculos?
João Batista – A lentidão com que as coisas acontecem, a falta de colaboração e resposta a necessidades urgentes, protelação de decisões que são meramente políticas e a burocracia. Além disso, muita coisa foi empurrada com a barriga no passado e a falta de recursos agravou situações. Às vezes, até há orçamento, mas as dificuldades são tantas que não se consegue adquirir um veículo para a extensão. Mas há o lado positivo. Apesar de tudo, o Irga tem grande conceito, grandes profissionais e interação com a sociedade.

Planeta Arroz – Os diretores sabiam das dificuldades…
João Batista – Buscar a CDO era o grande desafio, mas nos deparamos com situações inesperadas. Se perde tempo para avançar poucos passos em ações urgentes. A Equipe de Política Setorial reduziu a uma pessoa. A da CDO deixou de existir. Perdemos técnicos.
A pesquisa e a transferência de tecnologias, mesmo com dificuldades, têm nível próximo da excelência, mas é preciso fortalecer a estrutura, o quadro, e recuperar o protagonismo como entidade política, setorial, representativa, de definição e articulação de políticas públicas que fomentem a competitividade e a rentabilidade ao conjunto do negócio arrozeiro. Esse é um quadro real do nosso ponto de partida e de nossas metas.

Planeta Arroz – O Irga perdeu esse protagonismo?
João Batista – É fato que assumimos um Irga acanhado e com outras entidades falando em seu nome. Nada contra a cadeia produtiva se manifestar, mas o instituto não pode abdicar de sua história, importância e papel que desempenha. O presidente da autarquia, em passado não tão distante, telefonava ao ministro da Agricultura para resolver questões da orizicultura, hoje nem temos presidente. O setor produtivo não pode achar isso normal e agir com passividade. Os produtores precisam ter maior poder decisório e reativo, fazer valer o valor pesado que pagam de CDO e outros impostos.

Planeta Arroz – A diretoria expressou tais posições ao governo?
João Batista – Em reunião com a secretária Silvana Covatti alertei sobre a urgência de completar a diretoria e a necessidade da Pasta dar suporte às demandas do instituto e do setor. Enfatizei que a cadeia produtiva clama por um nome que conheça a realidade setorial e seja comprometido com o Irga. Esperamos que breve a equipe esteja completa. Mas, também precisamos de autonomia no orçamento e decisões da autarquia. Esse instituto é um gigante dentre os maiores e melhores centros de pesquisa do mundo e não podemos permitir que decisões de governo esqueçam ou apaguem isso.

Planeta Arroz – Como se sentiu quando o presidente Ivan Bonetti renunciou?
João Batista – Frustrado. Conheci os integrantes da diretoria pouco antes da posse, mas formamos uma equipe harmônica, que buscava individual e coletivamente recuperar o instituto. A saída do Ivan, cujos motivos entendemos e respeitamos, quebrou esse ritmo. Ficamos em dois na diretoria e dividimos tarefas para que não recaia tudo sobre o diretor administrativo, Eduardo Milani, o presidente interino, pessoa eficiente e responsável. Não adianta reclamar, a situação está posta e temos que nos adequar e resolver. O Irga não parou, trabalha forte com metas claras e com os recursos que tem.

Planeta Arroz – Essa lentidão do Estado não ajuda…
João Batista – A burocracia atrapalha. Sou da iniciativa privada e é difícil entender como questões simples precisam de tanto tempo para se resolver. Coisas urgentes se acumulam. Nos reportamos às secretarias da Agricultura, da Fazenda, Casa Civil, Procuradoria Geral o tempo todo. Exigências que não fariam sentido no ambiente privado. Estamos nos adequando, forçando o ritmo e buscando a autonomia necessária para resolver esses gargalos e atender ao que realmente interessa aos arrozeiros.

Planeta Arroz – O Plano de Negócios emperrou?
João Batista – Espero que não. Quando assumimos, o secretário Cláudio Gastal pediu um plano de reestruturação da autarquia. Houve esforço dos setores do Irga para entrega-lo. Após a apresentação, o secretário pediu ajustes. Fizemos e reapresentamos. Então, especialistas do governo fizeram indagações complexas. Foi difícil responder, no meio do caminho saiu o presidente e precisamos buscar técnicos fora do Irga. Cumprimos as exigências e o governo criou um grupo de trabalho com conselheiros. A diretoria ficou à margem do processo. Estranho que a reestruturação seja discutida sem os diretores que estão a par das dificuldades. Colocamos isso à Secretaria da Agricultura.

Planeta Arroz – O governo devolverá a CDO?
João Batista – Acredito que a cadeia produtiva tem força, capacidade e legitimidade para cobrar o justo repasse destes valores. É um dinheiro da lavoura que moral e legalmente deve voltar à lavoura e cumprir o objetivo maior da taxa. No que depender de nós, esse é o grande objetivo desta gestão.

Planeta Arroz – Como avalia a última safra?
João Batista – Foi espetacular, acima da expectativa inicial em produtividade, em produção nem tanto pois já tivemos safras maiores com mais área plantada. O Irga tem crédito nisso por transferir tecnologias, ofertar genética superior em 65% das áreas, mas não podemos esquecer de diferenciais como o clima favorável e o profissionalismo do arrozeiro.

Planeta Arroz – O Irga divulgará intenção de plantio?
João Batista – Transparência é obrigação da instituição pública. Na Expointer divulgaremos a intenção de área de arroz e soja em terras baixas da safra 2021/22. E também uma prévia do custo de produção.

Planeta Arroz – O que espera da próxima safra?
João Batista – Teremos dois limitantes: a água e o custo de produção. Temos barragens a 50% ou 60% de

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