Origens da moderna parboilização

Autoria: Gilberto Wageck Amato – Pesquisador da Cientec.

A moderna parboilização começou praticamente no pós-guerra. Chegou ao Brasil através da empresa Integral Arroz. Um dirigente, Fulano de Tal, em visita aos EUA, maravilhou-se com a novidade. Tratava-se da primeira versão do processo de utilização de vapor, através de autoclave. Aproximadamente à mesma época surgia no Brasil o processo estufa, baseado em secadores rotativos, tal como usado na torrefação de café.

Naquele tempo, Cachoeira recebia o título de Capital Nacional do Arroz, pelo seu pioneirismo.

Nos primórdios, a principal ideia da parboilização era obter mais grãos inteiros. Os equipamentos eram vulgarmente chamados “emendadeiras”. Logo os engenhos observaram que o arroz descascava mais fácil, tinha maior “vida de prateleira” e rendia mais no prato. Também, servia para corrigir alguns defeitos, como o dos grãos gessados.

Não obstante a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) já afirmasse oficialmente, desde 1948, que com a parboilização se obtém “mais arroz polido, com menos quebrados, conservando-se por muito mais tempo e com mais vitaminas e minerais”, os aspectos nutricionais, no Brasil, somente no início da década de 90 começaram a ter importância. Uma das pesquisas pioneiras foi desenvolvida por um grupo da Fundação de Ciência e Tecnologia (Cientec) e da Embrapa Agroindústria Alimentar (RJ) com as vitaminas do complexo B, sob patrocínio da Associação Brasileira das Indústrias de Arroz Parboilizado (Abiap).

Seguiram-se outras pesquisas da Cientec sobre a utilização da casca de arroz, operações unitárias da parboilização e o desenvolvimento do método da luz polarizada, que permitiu visualizar a intensidade de gelatinização – lembrando que esta é a principal característica que distingue o arroz parboilizado do branco comum.

Nessa época, já aumentava a densidade de pesquisas do Laboratório de Grãos da Universidade Federal de Pelotas (Ufpel), âncora de pesquisas, dissertações de mestrado e teses de doutorado, tornando-se referencial mundial. Da parceria Cientec-Ufpel-Irga surgiram três (1991, 2002 e 2005) dos quatro livros técnicos conhecidos no mundo sobre parboilizado e que disseminaram a qualidade do parboilizado brasileiros internacionalmente.

A origem da parboilização por estufa é como a história do avião, com o Santos Dumont na França e os irmãos Wright nos Estados Unidos, pois apareceram simultaneamente em vários pontos em Santa Catarina. Este estado chegou a ter mais de uma centena de estufas. Por razões diversas, hoje estão reduzidas a menos da metade. Uma boa parte dos engenhos com estufa trabalhava praticamente só com arroz da safra, o chamado “arroz verde”. O equipamento que dá nome ao processo executa as operações de gelatinização e secagem, simultaneamente. Antes de passar pela estufa, o arroz era mergulhado em água, em encharcadores.

Anteriormente ao advento da famosa Portaria 269, de 1988, o processo estufa era conhecido sob duas modalidades: maceração a frio e a quente. A portaria de então era a 111, de 1977. Quando usava água à temperatura ambiente, o tempo de imersão do arroz em casca era de 48 horas no verão e 72 horas no inverno. O produto que chegava ao mercado costumava gerar odores desagradáveis, próprios da contaminação microbiana.

A Cientec apresentou, em 1986, proposta para que fosse aceito somente o processo a quente, admitido e adotado na portaria ministerial de 1988. O odor do sistema a frio trouxe prejuízos mercadológicos importantes. Ainda hoje, algumas pessoas de mais idade rejeitam o parboilizado em função de terem permanecido com a lembrança do processo que foi extinto. A partir da Portaria 269, juntou ao processo da autoclave, desde há muito denominado de parboilização, a maceração a quente por estufa. 

Não obstante o processo por autoclave ser mais caro, ocorreu – e segue ocorrendo – uma migração da estufa para a autoclave (processo Malek). Porém, é desconhecido qualquer caso que seguiu a rota inversa. Isso é importante em função de legislações que pautam a comercialização internacional reconhecerem como parboilizado somente o produto tratado por vapor (autoclave).

HOJE-AMANHÃ

Outra mudança importante que ocorreu mais recentemente é sobre a qualidade da matéria-prima. No início, buscava-se arroz de menor qualidade para parboilizar. Tecnicamente, pode-se dizer que se a “menor qualidade” diz respeito a grãos quebrados e grãos gessados, isso não seria tão importante, pois a parboilização corrige significativamente estes defeitos, que, em princípio, não têm impacto sobre a saúde humana. O perigo está na ampliação dos defeitos para outros que possam ocorrer, como grãos manchados e picados.

Sob o comando da Ufpel, foi desenvolvida uma pesquisa, concluída em 2008, com o título Efeitos da Intensidade de Gelatinização sobre a Qualidade do Arroz Parboilizado, talvez a mais contundente de todos os tempos, demonstrando os ganhos nutricionais e funcionais, bem como a aceitação por parte do consumidor. O material analisado foi representativo de todo o país e foram reveladores os resultados obtidos do parboilizado sobre o branco, principalmente porque o arroz branco convencional, em si, já é um alimento importante.

Os resultados da pesquisa, de acordo com o aumento da área de gelatinização, observada sob luz polarizada (método Cientec), são aumento do teor de proteínas em até 21%, fibra em até 147%, sais minerais em até 36%, amido resistente em até 233%, etc. Vale lembrar que a gelatinização é a virtude da parbolização e a propriedade que faz a distinção entre o branco e o parboilizado. 

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