Proposta disruptiva para uma nova pecuária gaúcha

 Proposta disruptiva para uma nova pecuária gaúcha

(Por José Nei Telesca Barbosa, Engº Agrº e pecuarista) A pecuária gaúcha evoluiu muito e de forma positiva nos últimos dez anos, em especial devido a melhoria do preço de comercialização recebido pelo produtor. O início dessa melhora se deu a partir da exportação, mesmo que a através da venda do “boi em pé”, sem valor agregado, contrariamente ao que seria o desejável.

Com o aumento da renda do pecuarista, ocorreu a melhoria genética, o aprimoramento das técnicas de manejo e da nutrição bovina, mas que ainda há a característica da falta de fluidez no mercado pecuário, para que o torne moderno e pujante. Solucionando essa questão teríamos um maior incremento na atividade da bovinocultura de corte, reduzindo a liberação das suas áreas para a agricultura, convivendo bem com esta, no sistema ILP ou desenvolvê-la de forma exclusiva, consolidando-se num importante setor de geração de receita para a economia do Rio Grande do Sul.

Para que essa mudança ocorra temos que reconhecer os nossos pontos fracos e admitir que estamos muito aquém do Centro Oeste, contando apenas com uma excelente genética das raças europeias, mas, podemos correr “atrás do prejuízo”, iniciando com a busca de uma melhor comercialização através da organização da cadeia da bovinocultura como um todo.

De imediato e mesmo a distância, temos que fazer um “benchmarking” ou copiar o que lá estão fazendo em relação aos aspectos seguintes:

1) No Centro-Oeste, faz mais de dez anos que os terneiros não são castrados (muitos não usam nem a castração química) e não tem problema de sodomia ou disputa por espaço além do normal, o que traz os seguintes benefícios:

a) evita o stress duplo no terneiro (desmame e castração);

b) a eliminação dessa prática tradicional não tem influência nenhuma sobre a carne até aos dois anos de idade, segundo a Embrapa;

c) com isso devemos desmistificar a ideia de que o novilho inteiro é touro, pois não entrou em serviço e essa adjetivação serve apenas para depreciar o animal no momento da venda, reduzindo quase 40% o preço do quilo vivo;

d) o importador valoriza esse animal e o consumidor atual tem preferência pela carne mais magra em relação a do boi “graxento e carcaçudo”, de três ou quatro anos. Ainda mais, comparando ao frango, quando se vai ao supermercado comprar um frango para comer uma “galinha com arroz”, não se diz “vou comer um galo”, sem entrar no mérito se o frango é inteiro ou castrado.

2) Também, em relação aos negócios de compra e venda de bois, no Centro-Oeste, o pagamento é feito à vista ou até sob pagamento adiantado, diferente do que ocorre por aqui, normalmente em 30 ou 60 dias.

3) O surgimento do “boitel” é algo que veio especializar a fase da engorda e é uma parte da criação que requer muitos recursos do produtor em custeio e investimento. Sabendo-se ainda, que lá, o produtor de terneiros recebe o preço na entrega ao terminador e participa em mais 20% do resultado da engorda.

4) Outro aspecto que será tratado em um parágrafo a parte será sobre o uso do resíduo da elaboração do etanol de milho, que libera esse produto com uma concentração muito maior de proteína e alavancou o preço do milho e a terminação de bois em confinamentos.

Propomos também a adoção de outras questões ou práticas adotadas na região além das citadas acima:

1) Por que o navio para exportação somente carrega macho inteiro, qual o motivo? E como se dá o acabamento desse novilho alhures? Por que o produtor não é informado com antecedência da programação dos embarques para exportação, visto que, seguramente, o importador não acorda de manhã no Oriente e resolve contratar um navio?

2) Existem muitas outras técnicas de (manejo, suplementação, pastagens), que já estão dando certo, mas que não há uma difusão sistemática para os produtores, seja pela assistência técnica, pesquisa, entidades, publicações com esse objetivo.

3) Pode ser observado aqui no Sul, o trabalho muito discreto em relação as boas práticas de mercado, que poderiam fazer deslanchar esse excelente negócio, em que se encontra a pecuária de corte, a partir da integração: a) com o frigorífico; b) entre os produtores; c) com a cadeia do arroz.

Já dissemos noutro ensaio, que “Falta fluidez ao mercado agropecuário”. Essa falta de fluidez torna o negócio pecuário ainda muito incerto, com alto grau especulativo e com perdas para todos os agentes envolvidos. Pode-se ressalvar aqui no Sul o aspecto positivo do surgimento dos “leilões virtuais”, que trouxe alguns avanços nas negociações, mas ainda tímidos diante do que necessita o setor.

Sugere-se alguns pontos de melhoria, sem ordem de prioridade:

a) A comercialização do “boi China” parece não haver ainda interesse por parte do próprio frigorifico comprador no RS, visto que a unidade existente no Estado não pratica o seu fomento de forma efetiva o que seria um caminho rápido para a exportação do novilho “zero dentes”;

b) Deveria ser programada a chegada do navio para que possibilite um preparo dos terneiros pelo produtor. Isto porque animais leves não são rentáveis em sua comercialização, mas somente os próximos do limite do peso estipulado de 250 kg/cabeça.

c) Tem que ser “decretado o fim da recria”, em vista do produtor que vende o terneiro aos 140-150 kg, não se beneficia de uma receita que lhe alavancaria um negócio mais lucrativo, efetivando a venda aos 240-250 kg ou 60 kg líquidos (custo menos incremento de peso) a mais por terneiro ou 780,00/cabeça, no intervalo de 60-90 dias. Aqui é que se encontra a agregação de valor do criador do terneiro. Então, tem que ser reforçado esse tema do término das quatro fases da pecuária tradicional: – a cria, recria, boi magro e engorda, que é hoje, passando-se doravante a considerar-se apenas a cria e a engorda.

d) O RS tem condições de promover o abate do novilho “zero dentes” ou 12-14 meses, com 420-450 kg, aumentando em duas ou três vezes a produtividade de carne obtida hoje.

e) A adoção do manejo das diferentes categorias com a cerca elétrica em pastejo rotacionado, nos sistemas da cria (vaca com o terneiro) e do terneiro desmamado mais suplementação até a sua comercialização é fundamental para essa “nova pecuária”.

f) Creep-feeding e creep-grazing ou adição de ração e pasto para os terneiros ao pé da vaca.

g) Estabelecimento de um sistema de integração do produtor a)para o fornecimento do novilho de 420-450kg – 12 a 14 meses, pronto para o frigorífico; b)do terneiro de 250kg – 7 a 8 meses para o “boitel”; c)ou, desse terneiro de 250kg – 7 a 8 meses ao navio ou diretamente para o país importador. Nesse último caso, é possível a participação do país importador com os recursos de custeio e de investimento para o produtor; seguros de preço; e, de logística publica (portos, pontes, estradas), numa negociação prévia.

h) Nada impede, ou até seria salutar a integração dentre os produtores na produção dos bovinos, aluguel de pastos por cabeça, fornecimento de feno pré-secado, silagem, serviços, máquinas, equipamentos etc.

Por fim, a integração com a cadeia do arroz poderá vir de duas formas:

a) o estímulo ao estabelecimento de fábricas de etanol de arroz com o coproduto correspondente DDG/DDGS (grão secos de destilaria/grãos secos de destilaria com solúveis), visto que esse cereal é abundante na Metade Sul e possui nutrientes equivalentes ao milho e que viria também atender a crônica necessidade de comercialização e valorização do arroz. Tudo isso, sem prejuízo ao esforço da diversificação dos cultivos em várzeas, mas tendo presente a dificuldade e a necessidade de um prazo médio para o domínio da tecnologia dos novos cultivos, que estão sendo propostos, como a adequação do solo e investimentos em maquinários, dentre outros. Tem-se a favor da cultura do arroz, a sua alta capacidade de produção e produtividade, a estabilidade de produção, a tecnologia conhecida e os elevados recursos já dispendidos até aqui, nos setores técnicos-científico e de produção, além das pesquisas já existentes, confirmando o potencial do arroz para outros usos que não somente o consumo humano.

b) Trazemos o tema que cunhamos no ano 2000, “Descascar arroz não é indústria”, em que o produtor pode beneficiar o arroz colhido na propriedade ou através de terceiros e usar os coprodutos do arroz, quebrado, quirera e farelo para o arraçoamento dos bovinos, numa integração com outros criadores ou numa sucessão de atividades arroz e pecuária.

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