Um mundo sem limites

 Um mundo sem limites

Colheitas da Índia: país asiático, maior exportador global de arroz, suspendeu as vendas

Conjuntura global eleva preços ao nível mais alto em 15 anos

 

Um cenário que úne perdas climáticas, inflação global em alta, fim do corredor de exportação de grãos na Ucrânia/Rússia por causa da guerra e, também, a suspensão dos embarques do arroz não basmati e farelo pela Índia, responsável por 40% da oferta ao mercado mundial, que fez disparar as cotações internacionais do cereal. A Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) registrou elevação de 4,1% em julho no subindicador índica.

Isso contribuiu para que o indicador de preços globais da FAO, que reúne ainda variedades aromáticas, japônicas e glutinosas, atingisse 129,7 pontos, 2,8% acima de junho e 19,7% além do alcançado em julho de 2022. Na primeira semana de agosto, as cotações voltaram aos patamares de 2011. Na segunda semana, consolidaram 50% de elevação em um ano, só perdendo para o recorde de 2008, na crise financeira global. O tonelada do arroz branco tailandês, 5% quebrados, referência asiática, subiu para US$ 648, marca mais alta desde outubro de 2008.

A Tailândia sustentou a recuperação mensal de 3,8% no subíndice glutinoso da FAO, mas as baixas demandas e estoques antes das novas safras fizeram com que as cotações dos aromáticos e japônico caíssem 1,8% e 1%, respectivamente. Até 13 de agosto, todos os indicadores subiram pelo direcionamento da demanda às variedades que substituam ao índica retido pelos indianos.

Julho começou firme nos mercados de índica, pois o interesse de compra dos países do sudeste asiático continuou forte, quando a moeda tailandesa (baht) e a paquistanesa (rupia) se fortaleceram em relação ao dólar norte-americano. As preocupações com os impactos potenciais do El Niño na produção de exportadores deram mais sustentação aos valores, bem como interrupções induzidas pela chuva e a variável qualidade na safra de verão-outono no Vietnã.

As cotações ganharam força no fim de julho, coincidindo com a proibição, pela Índia, em exportar arroz branco índica, o que gerou expectativa de vendas em outras origens. Elevações mais acentuadas foram registradas na Tailândia, onde, em 15 dias, as cotações do 100% B saltaram US$ 38 e fecharam o mês em US$ 562/t, a maior desde fevereiro de 2021, na pandemia.

AMÉRICAS
Preços e movimentos foram mistos nas Américas. Embora o sentimento tenha se firmado nos Estados Unidos após a proibição das vendas da Índia, os preços do US caíram 2,4%. Pesquisa oficial do Usda mostrou recuperação pronunciada nos plantios de 2023/24, com a demanda permanecendo baixa antes da colheita da nova safra, que iniciou em agosto. Ainda assim, no cenário de apreciações cambiais sobre o dólar americano, os preços firmes do arroz em casca elevaram ofertas de exportação no Brasil e as vendas para latino-americanos no Uruguai.

Índia abala o comércio mundial

Em 20 de julho de 2023, a Índia cancelou exportações de arroz branco índica semi ou beneficiado. A medida permitiu embarques se, até a data, os navios estivessem atracados ou carregando. Definiu que vendas de índica branco seriam autorizadas sob licença especial para alguns países atenderem necessidades de segurança alimentar. Até setembro, deverão ser autorizadas 2,5 milhões de toneladas para Bangladesh e países da Ásia e África. Parboilizado e basmati, 64% das vendas da Índia em cinco anos, não foram afetados.

A mudança segue decisão de setembro de 2022, que impôs taxa de 20% sobre remessas de arroz branco índica, em casca e descascado, além do veto à exportação de quebrados. A Índia é o maior exportador de arroz desde 2012, fornecendo 22,1% a 40,7% dos tipos negociados em âmbito global. Grande parte é de arroz integral ou branco e quebrados, abrangendo qualidades e variedades de quatro grupos: quebrados, basmati, índica parboilizado e branco índica.

As exportações de arroz beneficiado foram, em média, de 2,6 milhões de toneladas entre 2018 e 2020, ou 20,6% dos embarques do país e 5,5% do comércio global. No entanto, em 2021 e 2022, as vendas hindus tiveram aumento de quase 10 milhões de toneladas em relação à média anterior. Os embarques do branco índica mais do que dobraram, para 5,6 milhões de t, equivalente a 26% das exportações totais do país e 10% do comércio global durante esses anos.

A economista sênior da FAO, Shirley Mustafa, disse que o aumento ocorreu em contexto de forte procura, que a Índia soube capitalizar graças a sucessivas colheitas abundantes que lhe conferiram vantagem competitiva sobre outras origens. “A logística contribuiu, em especial em 2021, quando a escassez de contêineres e aumento nas taxas levaram compradores a mudar a demanda a outras origens e embarques a granel. Embora os países asiáticos fossem os principais destinos do índica, os africanos emergiram em 2021-22. Juntos, importaram 3,2 milhões de toneladas de arroz branco, equivalente a 17% do total de importações da África neste período.

Alimento essencial

O arroz é um alimento essencial por sua contribuição ao consumo global do ponto de vista energético. Assim, o veto da Índia gera preocupações substanciais de segurança alimentar a parte da população mundial, em especial a mais pobre e que dedica parcela maior da renda à compra de alimentos. “A medida trouxe inquietação, incitando agentes da cadeia de suprimentos em origens alternativas a manterem estoques na expectativa de que o crescimento da demanda de curto prazo cause aumento adicional nos preços”, registrou Shirley Mustafa, economista sênior da FAO na Itália.

Observou, ainda, que características intrínsecas ao mercado, como escassez, concentração das exportações e alto grau de qualidade e diferenciação varietal, tornam-no vulnerável a choques, pois tendem a limitar a substituições entre origens e tipos de arroz. “As restrições desestabilizam mercados e podem ter consequências adversas à produção, consumo e preços, que perduram mais do que a sua implementação”. Isso é mais verdadeiro em contextos de pressões amplas sobre os preços dos alimentos, como o que ocorre, pois, apesar de algumas quedas, as cotações mundiais seguem elevadas e muitos países sofrem com impactos negativos da alta doméstica dos preços e da inflação dos alimentos.

“As restrições correm o risco de exacerbar tais pressões. Tanto que muitos países viram a capacidade de pagamento de importações reduzida antes do 20 de julho pela desvalorização cambial face ao dólar e/ou aumento dos custos de financiamento comercial”, enfatizou a economista.

Para ela, neste contexto, qualquer novo aumento nos preços internacionais do arroz pode gerar o racionamento da demanda, com implicações prejudiciais à segurança alimentar. Mesmo antes da imposição das restrições pela Índia, o custo de importação levou a FAO a antecipar que o comércio mundial registraria contração de 5,1% em 2023, para 53 milhões de toneladas, antes de provavelmente se recuperar em 2024, para 56,4 milhões de t. “As previsões serão revisadas em vista dos fatos recentes”, observou.

Comércio global sob tensão

O veto à exportação de arroz na Índia ocorreu em momento de disponibilidade sazonal apertada nos grandes fornecedores globais, em especial da Ásia, onde as safras serão colhidas em setembro/outubro. “O aperto acentuou-se em fornecedores que enfrentaram queda produtiva em 2022/23 por clima adverso e aumento nos custos de insumos (como Myanmar, Paquistão e EUA) ou onde o ritmo de exportações até a nova safra limita a oferta.

Acrescente-se a preocupação com a quantidade da futura disponibilidade global sob o fenômeno El Niño. “Dado que está associado a padrões anormais de chuva em importantes áreas produtoras da Ásia e além, ele adiciona incerteza sobre as perspectivas de produção. Isso, por si, exige uma avaliação, preparação e mitigação próximas do país e do contexto específico para evitar impactos prejudiciais à produção e aos meios de subsistência.

No entanto, ainda não se sabe se o El Niño afetará adversamente as colheitas em 2023/24, até porque a produção mundial de arroz só vacilou em dois dos seis casos em que o fenômeno esteve presente desde a virada do século. E, se o clima permitir, as elevações no preço do arroz, juntamente com as quedas nos custos de insumos, que ocorreram desde o ano passado, aumentarão os incentivos para os produtores plantarem mais arroz. “Uma imagem mais concreta das perspectivas globais de arroz só surgirá nos próximos meses”, reconheceu Mustafa.

O calendário e as modalidades de compras pelos importadores serão importantes para moldar a evolução dos preços internacionais do arroz e determinar se os aumentos registrados desde 20 de julho serão sustentados. Como as restrições à exportação injetam incerteza nos mercados, podem alimentar compras de pânico que, em sua vez, podem exacerbar restrições de oferta e oscilações de preços. “Dada à pressão dos custos de importação, que restringe vários importadores, é improvável que a demanda de arroz permaneça forte como nos últimos dois anos”, disse Shirley Mustafa, da FAO.

Ao mesmo tempo, com as restrições que instituiu em setembro de 2022, a Índia permitiu exceções à regra por motivos de segurança alimentar e a pedido dos governos. As modalidades das exceções ainda não são claras. Não se sabe se todos os compradores estarão em posição de transferir o comércio prontamente para os canais diplomáticos, seja na forma de importações facilitadas/negociadas pelo governo, seja na de compras diretas G2G. No entanto, se essas exceções forem usadas de forma estudada, poderão atenuar o impacto das restrições.

Deixe um comentário

Postagens relacionadas

Receba nossa newsletter