2008 foi um ano de boa comercialização e 2009 como será?
Paulo Morceli (1)
Regina Célia Gonçalves Santos (2)
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O segundo levantamento da safra 2008/2009, divul-gado pela Conab, no mês de novembro de 2008, indicou a produção no intervalo entre 12.270.600 e 12.478.700 toneladas, correspondendo a um incremento entre 1,75% e 3,48% ao volume produzido na safra anterior. Esse acréscimo é reflexo do aumento de 1,62% na produtividade e entre 0,26% e 1,68% na área plantada. O RS, maior produtor nacional, deve ganhar entre 2,14% e 4,16% na produção, com incorporação entre 1% e 3% em área e produtividade de 1,13%. O MT, que já foi o segundo produtor nacional, deve colher entre 683,4 e 684,2 mil toneladas, correspondendo a ganhos entre 0,12% e 2,19%, mesmo com a redução da área entre 2% e 4%. Ressalta-se que na safra 2004/2005 esse estado produziu 2.043.200 toneladas em 776,9 mil hectares e atualmente sua colheita será de apenas 691,3 mil toneladas em 232,6 mil hectares, ou seja, redução de 66,17% e 70,06%, respectivamente, em termos de ponto médio da produção e da área.
Observa-se, no quadro I, que para o ano-safra 2007/2008 a oferta total está projetada em 14.680.100 toneladas, resultado da produção 12.059.600 toneladas, somada às importações da ordem de 600 mil toneladas e de um estoque de passagem de 2.022.700 toneladas. A demanda, por outro lado, está prevista em 13,6 milhões de toneladas, com exportações estimadas em 700 mil toneladas e consumo total em 12,9 milhões de toneladas. Com estes valores o estoque final está calculado em 1.080.100 toneladas, suficientes para atender cerca de um mês de consumo.
Para a próxima campanha projeta-se que serão produzidas 12.374.700 toneladas (no ponto médio), resultando na oferta de 14.354.800 toneladas para o consumo total mantido nos mesmos níveis do presente ano. O estoque final deverá resultar em 1.054.800 mil toneladas, portanto próximo da estimativa para a presente safra, mas um dos menores dos últimos anos.
Arroz em casca
Quadro de suprimento nacional, em mil toneladas
As importações deste ano comercial estão estimadas em 600 mil toneladas, sendo que no período de março a outubro já foram realizadas 370,9 mil, base casca, ou seja, 61,82% do total previsto. Com relação ao desempenho mensal, no período dos seis primeiros meses a média foi de 39,6 mil toneladas, sendo que em setembro houve um crescimento acentuado, atingindo 81,3 mil toneladas, tendo caído para 52,1 mil toneladas em outubro. É importante ressaltar, e como será visto a seguir na análise dos preços, o movimento de setembro deu-se em razão da elevação abrupta dos preços internos, viabilizando o acesso ao produto do Mercosul. Esse fenômeno, embora de pequenas proporções se comparado ao consumo interno, serviu para ser mais um elemento de pressão para a redução dos preços no momento seguinte. Para o próximo ano espera-se que para fazer frente à demanda interna seja necessária a importação de algo em torno de 900 mil toneladas.
A valorização do arroz no mercado internacional abriu oportunidade para o Brasil – que desde a safra 2004/2005 já vinha buscando abrir novos mercados – ganhar a possibilidade de ampliar, de forma substancial, suas vendas externas. Assim, para o presente ano-safra a Conab estima que serão exportadas 700 mil toneladas do produto base casca (no período de março a outubro de 2008 já foram embarcadas 598,8 mil toneladas, correspondendo a 85,54% do projetado, e o que é mais importante, 57,13% em arroz beneficiado). Neste ano deverá ser comemorado mais um feito: depois de duas décadas é o primeiro ano em que o Brasil deverá ser um exportador líquido, ou seja, deverá exportar mais arroz do que importar.
Analisando o fluxo mensal nota-se que boa parte dos embarques está ocorrendo nos últimos meses. Em julho foram exportadas 95,7 mil toneladas, em agosto obteve-se o recorde com 122,4 mil toneladas, em setembro com mais 83,6 mil toneladas, com um pequeno recuo, mas em outubro o volume embarcado também foi importante, com 117 mil toneladas. Para o próximo ano não se espera o desempenho das exportações nos mesmos níveis dos atuais, pois é pouco provável que os preços internacionais repitam os bons valores deste ano. Assim espera-se que as exportações atinjam cerca de 400 mil toneladas.
No gráfico I observa-se o comportamento dos preços reais em uma série, a partir de março de 1995. Nota-se que o pico de alta foi em dezembro de 2003, quando o arroz no Rio Grande do Sul foi comercializado, em termos de preços reais, a R$ 51,04 por 50 quilos e no Mato Grosso por R$ 46,80. Da mesma forma nota-se que o menor preço foi atingido em maio de 2006. No RS tal preço foi de R$ 18,45 por 50 quilos e no MT, R$ 16,99. A partir de então o mercado vem oscilando em função da época de comercialização e de maior ou menor pressão das ofertas externas do Mercosul. O ano de 2008 se caracterizou pelas altas cotações no Brasil que se mantiveram em níveis superiores ao preço mínimo desde o início do período comercial.
Deve-se levar em conta que no início da safra tudo indicava normalidade no mercado, apresentando um cenário em que o Governo Federal deveria executar suas políticas de formação de estoques e apoio à comercialização em volumes significativos, como vinha ocorrendo nas três últimas safras. Entretanto, em razão da súbita elevação dos preços no mercado internacional as cotações internas também foram valorizadas e os preços começaram um processo de elevação bem substancial, conforme pode ser identificado no gráfico anteriormente citado.
No início da safra os preços médios semanais estavam em R$ 23,67 no RS e R$ 24,80 por 50 quilos no MT, atingindo o pico no RS na terceira semana de maio em R$ 35,12 por 50 quilos e no MT em R$ 35,31 na terceira semana de junho. A seguir iniciou-se o período de baixa, sendo que o menor preço foi observado na quinta semana de junho em R$ 32,21 por 50 quilos no RS e no MT na primeira semana de agosto com R$ 34,21. Após algum período de recuperação os preços voltaram a ter reduções e na terceira semana de novembro as cotações internas estavam em R$ 32,74 e R$ 33,96 por 50 quilos, respectivamente.
Com relação ao apoio à comercialização deste produto é importante ressaltar que a atuação do Governo Federal, por meio da Conab, tem sido eficiente em dois momentos, quais sejam: quando o produtor colhe sua safra e encontra o mercado sobreofertado e quando o mercado se ressente da falta de matéria-prima para movimentar o parque industrial.
Na safra 2004/2005 a 2006/2007, quando o Brasil chegou a bater o seu recorde de produção de arroz com 13,4 milhões de toneladas, a Conab entrou comprando o produto para formar estoques por meio de AGF direta e por contrato de opção de venda, além de fazer várias operações de apoio à comercialização, com prêmios para o escoamento, conforme é mostrado no quadro II. Nesse período foram comercializadas 3.327.000 toneladas de arroz, correspondendo a 4,64% do total produzido no período, com a aplicação de R$ 1.085.000,00.
No período, mesmo com o volume de recursos e a quantidade de produto que foi escoada, ainda observou-se momentos em que a comercialização ocorreu abaixo dos preços mínimos, fato esse motivado em função do mercado internacional, que estava com preços e o câmbio muito depreciados. Nessa situação o setor industrial utiliza-se da paridade de importação como argumento para a formação de preços para compra do produto nacional.
Quadro II
Instrumentos de apoio à comercialização
Do lado da venda, ou seja, da volta do produto ao mercado, tem-se adotado como política fornecer o máximo de condições para que o mercado se auto-regule. As vendas da Conab só estão sendo implementadas quando há sinais claros de que está havendo dificuldades no abastecimento do setor industrial e por decorrência do consumidor final. Dentro dessa estratégia, no período de 2005 a 2007 só foram vendidos os estoques no MT em função da dramática redução da oferta, no total de 103,2 mil toneladas, no RS, onde foram comercializadas 70,7 mil toneladas, e em SC outras 16,8 mil toneladas. Foram vendidos ainda os pequenos saldos adquiridos de produtores da agricultura familiar em vários estados.
Principalmente no final de abril de 2008 foram constantes as informações dos industriais do setor que tinham certa dificuldade para a aquisição de matéria-prima nas regiões produtoras. Havia também restrições às importações da Argentina e do Uruguai em função dos preços elevados que estavam sendo praticados. Considerando que a Conab detinha estoques da ordem de 1,5 milhão de toneladas, adquiridas nas três últimas safras, além da importância da ajuda quanto ao suprimento interno, havia ainda a grande vantagem de se desfazer de um produto já com certa “idade”, abrindo a possibilidade de renovação dos estoques para as safras futuras.
A partir de maio o Governo Federal, mediante acordo com as cadeias produtiva e industrial, iniciou suas vendas com ofertas semanais. Com a estabilização dos preços, novas reuniões foram feitas e as ofertas foram sendo ajustadas para manter os preços e o abastecimento com o perfil desejado. No período de maio a novembro deste ano já foram realizados 14 leilões, com a oferta total de 834,1 mil toneladas, sendo vendidas 783,4 mil, ou seja, 93,93% da oferta. O preço médio de abertura foi de R$ 27,33 por 50 quilos, com o fechamento em R$ 35,03, com ágio de 28,16%.
Dos estoques do Rio Grande do Sul foram ofertadas 749,5 mil toneladas, com vendas de 699 mil, ou seja, 93,26% da oferta, com o preço de abertura em R$ 27,75 por 50 quilos e o de fechamento em R$ 32,98, resultando em sobrepreço de 18,83%.
Em Santa Catarina foram colo-cadas à venda 84,4 mil toneladas ao preço de abertura de R$ 27,10 e vendidas 84,2 mil toneladas com fechamento em R$ 31,25, signi-ficando que a demanda foi para 99,80% da oferta, com os preços gerando ágio de 15,31%. Esses dados são mostrados no quadro III.
Quadro III
Arroz em casca
Acompanhamento das operações de vendas em 2008
Na decisão de venda dos estoques públicos foi acordado o preço de abertura em R$ 28,00 por 50 quilos para o arroz longo fino, tipo 1, 58% de inteiros e 10% de quebrados. Foram aplicados os ágios e deságios utilizados na PGPM para calcular os preços de abertura de acordo com a qualidade do lote à venda. No gráfico II são mostrados os preços correspon-dentes em cada uma das datas em que houve leilões. Nota-se que no primeiro e no nono leilão os preços de fechamento foram superiores aos que eram praticados no mercado, caracterizando um momento de escassez no mercado.
Nota-se que de certa maneira os preços de venda do Governo seguiram o comportamento dos preços de mercado, valorizando ou desvalorizando, conforme o momento.
Entretanto, na última oferta os preços de fechamento do leilão saíram totalmente dos padrões até então observados. Muitos industriais atribuíram este fato a uma grande redução das compras por parte dos varejistas, fazendo com que o mercado se mostrasse superofertado e deprimisse os preços. Em função desse fato as principais entidades do setor representando os estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul pleitearam o encerramento das vendas governamentais por este ano.
Da análise realizada pela equipe técnica da Secretaria de Política Agrícola do Mapa e da Conab concluíram que realmente, pelo cenário que se avizinha, era aconselhável o encerramento das vendas e só reativá-las ainda neste ano comercial caso o mercado voltasse a dar sinais de escassez na oferta.
Deste modo a companhia foi informada a cancelar o leilão que estava programado para o dia 18 de novembro de 2008, passando a monitorar o mercado e só voltar a vender se houvesse forte demanda com sinais claros de desabastecimento.
Atualmente os estoques públicos são da ordem de 629,4 mil toneladas e certamente boa parte irá compor o estoque de passagem para a próxima safra. Deve-se ter em mente que esse volume de produto não é bom para a formação de preços da próxima safra, pois pode agir como depressor dos preços.
Deve-se levar em conta que para a próxima safra não deverão se repetir os bons preços no mercado internacional. Na verdade a Conab sempre trabalhou com a idéia que os preços médios da próxima safra deveriam ficar entre os valores observados na presente safra com aqueles da anterior, algo entre 600 e 650 dólares por tonelada para o arroz tailandês.
Ocorre que a recente situação financeira mundial está obrigando a muitos ajustes e é possível que os preços internacionais venham a reduzir-se mais do que esperava-se.
Se esse for o caso e os preços internacionais caírem a menos do que 450 dólares por tonelada com câmbio próximo de R$ 2,00 por dólar, fará com que o arroz nacional fique gravoso em relação ao mercado internacional, dificultando as exportações e por outro lado viabilizando as importações em maior volume.
Nesse caso é possível que os preços internos poderão reduzir no início da safra abaixo dos preços mínimos oficiais, especialmente nos estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. Isso poderá levar a que o Governo Federal venha a ter que implementar seus programas de apoio à comercialização e formação de estoques. Neste sentido já foi previsto no Plano Safra 2008/2009 a possibilidade de aquisição de até 1,6 milhão de toneladas de arroz para a formação de estoques públicos. Da mesma forma, para os programas de apoio à comercialização estão alocados recursos no orçamento para 2009 em volume que dará para fazer frente às necessidades da safra de arroz. De tudo pode-se esperar um ano comercial mais difícil do que o atual, mas certamente melhor que os três últimos que o antecederam.
Entretanto, como é um ano de safra bastante ajustada, onde o volume de estoque de passagem é baixo, é possível que os efeitos dos ajustes financeiros mundiais não afetem de forma mais acentuada o mercado do arroz no Brasil e com isso os preços podem se manter em níveis mais remuneradores para o produtor rural. Na avaliação da equipe técnica da Conab preços ao redor de R$ 30,00 no início da colheita seriam bastante razoáveis, permitindo que o produtor, os industriais e o consumidor tirem bom proveito no mercado desse importante gênero alimentício.
(1) Economista, especialista em Comércio Exterior pela PUC/Brasília e Informações do Agronegócio pela UFJF e gerente de alimentos básicos da Conab. E-mail: paulo.morceli@conab.gov.br
(2) Administradora de empresas, técnica de planejamento e especialista no mercado de arroz. E-mail: regina.santos@conab.gov.br