Agronegócio faz advertência ao governo

O texto, encaminhado aos ministros, além do chefe da missão brasileira em Genebra, embaixador Clodoaldo Hugueney, tem por objetivo manifestar ao governo brasileiro a intranqüilidade do setor produtivo nacional diante da “evolução negativa” das negociações em torno dos novos instrumentos de flexibilidade para os países em desenvolvimento.

Lideranças do setor produtivo divulgaram, nesta quinta-feira (22/06), o documento sob o título “Carta das Lideranças do Agronegócio Brasileiro sobre o novo Mecanismo de Salvaguardas Especiais para os Países em Desenvolvimento”.

O texto, encaminhado aos ministros da Agricultura, Roberto Rodrigues, e das Relações Exteriores, Celso Amorim, além do chefe da missão brasileira em Genebra, embaixador Clodoaldo Hugueney, tem por objetivo manifestar ao governo brasileiro a intranqüilidade do setor produtivo nacional diante do que os produtores classificam de “evolução negativa” das negociações em torno dos novos instrumentos de flexibilidade para os países em desenvolvimento.

A íntegra do documento, assinado pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e mais sete entidades é a seguinte:

Tendo em vista o avançado estágio da Rodada do Desenvolvimento de Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC), o agronegócio brasileiro manifesta a sua intranqüilidade com a evolução negativa das negociações sobre novos instrumentos de flexibilidade para países em desenvolvimento. A preocupação do setor advém de posições dos países do G-33 nos temas Salvaguardas Especiais (SSM) e Produtos Especiais (SP), que, sem dúvida, irão acirrar o protecionismo agrícola mundial.

Trata-se de assunto prioritário para o agronegócio, que tem assumido posição pragmática em relação ao acesso a mercados nos países em desenvolvimento. Estes já constituem, na atualidade, nossos principais mercados e tendem aumentar a sua importância relativa no futuro. Contudo, já se tem como certo que os ganhos em abertura comercial decorrentes da Rodada da OMC serão relativamente limitados e agora há o risco de que tais ganhos se transformem em perdas potenciais de envergadura.

Após detalhada análise das implicações do SSM para os produtos de interesse do Brasil, chegamos à conclusão que o único objetivo do G-33 é elevar abusivamente os níveis de proteção consolidados na Rodada Uruguai (1986-1994) e nos compromissos de ingresso na OMC (caso da China, por exemplo). Tal objetivo cria um cenário incompatível com uma rodada multilateral que visa reduzir distorções no comércio agrícola.

Vários países do G-33, sobretudo China, Índia, Filipinas e Indonésia – que são também membros do G-20 -, estão enxergando no instrumento uma oportunidade para elevar de forma perene o seu grau proteção, sem qualquer relação com o objetivo central do mecanismo de salvaguardas, que é o de apenas minimizar surtos súbitos de importações resultantes da redução tarifária promovida pelas negociações.

Permitir que o uso do SSM aumente o nível de proteção corrente significa colocar em risco mercados já conquistados pelo Brasil, prejudicando grandes e pequenos produtores, indústrias de insumos e máquinas, agroindústrias processadoras e todos os demais segmentos de um setor que responde por cerca de 30% do PIB brasileiro.

Apenas a título de exemplo, importantes mercados asiáticos para soja, açúcar e etanol brasileiros seriam afetados pela medida. Se a China fosse autorizada a duplicar as suas tarifas de soja e óleo de soja (3% e 9%), certamente o volume de mais de 20 milhões de toneladas de importação em 2003 não teria sido atingido. A Índia tem a sua disposição tarifas consolidadas de 150% para açúcar e etanol. Se o país passasse a aplicar tarifas além desse patamar, jamais teria importado, em 2004, 900 mil toneladas de açúcar e 313 mil toneladas de etanol.

O Brasil foi responsável por mais de 90% do suprimento de ambos os produtos para a Índia. O documento que segue em anexo a esta carta traz números extremamente preocupantes em relação a outros produtos e mercados de interesse do Brasil.

É fundamental deixar claro para todos os membros do G-20 que o Brasil não concorda com propostas que resultem em uma redução do nível de acesso corrente. Entendemos que as tarifas consolidadas na Rodada Uruguai e nos compromissos de ingresso de novos membros na OMC representam um teto tarifário que não pode ser rompido por novos mecanismos protecionistas.

Não podemos concordar, igualmente, com o argumento de que as novas Salvaguardas Especiais para Países em Desenvolvimento (SSM) justificam-se por motivos de isonomia com os países desenvolvidos, que obtiveram mecanismos semelhantes na Rodada Uruguai, as SSG. O fato de o Brasil ser fortemente prejudicado pelas SSG dos países ricos deveria, isso sim, levar o governo a se posicionar de forma frontalmente contrária a qualquer mecanismo desta natureza, seja ele direcionado a países desenvolvidos ou em desenvolvimento.

Os países em desenvolvimento já dispõem de inúmeros mecanismos para proteger os seus mercados agrícolas, semelhantes aos usados pelos países desenvolvidos e não necessitam de proteção adicional. Índia e Indonésia usam a “água nas tarifas” (tarifas consolidadas em níveis muito mais elevados que as aplicadas). Coréia do Sul e Filipinas são usuários correntes das salvaguardas especiais da Rodada Uruguai. Coréia do Sul, Filipinas, Indonésia, Venezuela e China adotam quotas tarifárias como instrumento de proteção, enquanto China e Índia buscam defender seus produtos processados por meio de escaladas tarifárias.

O G-20 não deveria defender uma proposta que pode piorar as atuais condições de acesso brasileiro aos mercados dos países em desenvolvimento em produtos como açúcar, etanol, carnes, oleaginosas e arroz. Cabe ao Brasil servir-se da sua liderança no grupo para contrabalançar os interesses excessivamente protecionistas de países como Índia, China, Indonésia e Filipinas. Não teria cabimento sairmos da Rodada com uma forte deterioração do nosso status quo em acesso a mercados, ou seja, sairmos numa situação ainda mais fragilizada do que entramos.

Assinam o documento as seguintes entidades:

Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil – CNA
Organização das Cooperativas Brasileiras – OCB
Associação Brasileira de Agribusiness – ABAG
Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne – ABIEC
Associação Brasileira dos Produtores e Exportadores de Frango – ABEF
Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais – ABIOVE
Associação Brasileira da Indústria Produtora e Exportadora de Carne Suína – ABIPECS
União da Agroindústria Canavieira de São Paulo – UNICA

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