Sucesso de drinques aumenta consumo de saquê no Brasil

A maioria do saquê consumido no Brasil, porém, é produzido aqui mesmo pelas empresas Sakura e Tozan.
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A bebida símbolo da cultura japonesa, que já foi restrita a lojas e restaurantes nipônicos, vem ganhando cada vez mais espaço no cardápio alcoólico do brasileiro. Levou décadas, claro, para que o saquê trazido por imigrantes em 1908 quebrasse a barreira cultural e invadisse os bares e restaurantes. Mas drinques como a “saquerinha” conquistam público e cifras –o Brasil está em quinto lugar no ranking de importação japonês e compra 40% a mais por ano, segundo a Fundação Japão.

São cerca de 40 mil garrafas de saquê a mais só na Tradbras (importadora do Hakushika, responsável por 65% das importações do Brasil), a empresa espera aumento de 50% em 2007. A maioria do saquê consumido no Brasil, porém, é produzido aqui mesmo pelas empresas Sakura e Tozan.

Saquê assimila elementos brasileiros

– Antes, só vendíamos para a comunidade nipônica. Hoje, vai de churrascaria a supermercado – diz Celso Ishiy, da Tradbras.

Mas ele afirma que o brasileiro ainda está engatinhando na degustação da bebida, ao comparar o consumo de saquês premium nos EUA (50%) e no Brasil (cerca de 10%). Para ele, o que ocorreu lá há dez anos começa agora por aqui –e o primeiro passo é a popularização dos coquetéis de saquê.

A “saquerinha” (caipirinha feita com saquê no lugar de cachaça) seria um começo.

– Mas nós queremos ensinar o brasileiro a diferenciar saquê comum de um premium, como se faz com o vinho – diz Ishiy.

Ele participou de seminário, no lançamento do livro “Saquê para Iniciantes e Iniciados” (ed. JBC, 128 págs., R$ 39), que conta sua história e explica os diversos tipos da bebida.

Preferência nacional

Em bares e restaurantes de São Paulo, as “saquerinhas” misturam o fermentado de arroz com frutas, como lichia, carambola e tangerina. “Saqueritos” que se inspiram nos mojitos; bloody maries, martinis e daiquiris também floreiam os cardápios mais ousados.

A Folha fez um levantamento em dez bares de São Paulo e constatou: a “saquerinha” está entre os preferidos.

– É uma febre – diz José Augusto Gomes, barman do Skye –onde, do total de caipirinhas pedidas, 40% tem saquê.

E a predileção é das mulheres. Segundo o barman, elas são o público cativo, devido ao baixo teor de álcool (15%). Até na tradicional choperia Bar Brahma, metade das caipirinhas têm saquê.

Responsável por cerca de 1,3 milhão de litros por ano, totalmente consumidos no Brasil, a Tozan, maior produtora nacional, especializou-se na variedade crua (nama) –justamente a melhor para fazer “saquerinha”, segundo o chef Shin Koike, do Aizomê. Mistura agrada a muitos, mas que ele considera certa heresia.

– Japonês nenhum mistura saquê com fruta, porque tira o sabor e o aroma do arroz – diz.

Dor de cabeça

Um provérbio japonês diz que “se conhece o saquê que é bom apenas na manhã seguinte”. A experiência confirma o ditado.

– No início nós apanhamos muito por causa do clima – conta Toru Iwasaki, da Tozan, que produz saquê nacional desde 1934.

Segundo ele, o calor prejudica a fermentação do fungo koji, uma das bases do saquê, deixando que bactérias invadam a bebida.

– Antigamente, sem refrigeração, o pessoal reclamava da dor de cabeça no dia seguinte – lembra Iwasaki.

Ele diz que a qualidade, além do clima, depende do polimento do arroz.

Os melhores saquês, como o daiginjo premium, usam apenas o núcleo dos grãos, polidos até 70%. O resultado é uma bebida leve, de sabor delicado e pouco alcoólica, que chega a custar US$ 150 (R$ 300).

Ingredientes puros

Outra distinção é quanto à pureza dos ingredientes. Saquês feitos exclusivamente de água, koji, levedura e arroz são chamados de junmai, ou puros. Os que sofrem a adição de álcool destilado (que corrige o sabor e é abundante em marcas baratas) são chamados de honjozo. Os mais simples, de futsu.

Mas não é fácil produzir um junmai premium. Leva até um ano entre a colheita do arroz e o produto final.

Depois de polido, umedecido, cozido, o arroz é inoculado com o fungo. A massa recebe a levedura e fermenta por um mês. Filtrado, o líquido é armazenado em tonéis, onde envelhece por até seis meses.

China

– Por entre as flores, uma garrafa de saquê bebo sozinho, ninguém a me acompanhar.

Assim começam os versos do poeta japonês Rihaku, que dizia beber uma garrafa de saquê e escrever mil poemas.

A bebida ficou restrita a rituais sagrados do xintoísmo no Japão, mas, com a ascensão do budismo, os monges trocaram o saquê pelo chá verde.

O saquê nasceu na China, há cerca de 7.000 anos. Mas foi entre os nipônicos que se desenvolveu, apesar de estar em baixa por lá. Foram empresas japonesas que, não mais reféns do clima, passaram a produzi-lo em ambientes refrigerados. Resultado? Produção em larga escala de saquê puro e suave e o abandono da tradição milenar do mestre toji, religioso que cuidava de todas as etapas da produção como um ritual.

Hoje, encontrar um toji, até mesmo no Japão, é raro. Mas algumas empresas, por mais modernas que sejam, ainda mantêm traços tradicionais.

– Ao lado da fábrica moderna, ainda há o mestre toji a dançar com os funcionários – diz Iwasaki –que aposentou seu próprio mestre toji, confiando no conhecimento adquirido.

Consumo

Segundo a Associação dos Fabricantes de Saquê no Japão, nos últimos 30 anos, o consumo da bebida no país caiu pela metade. A nova mania por lá é o shochu, uma aguardente destilada a partir de cevada, arroz, batata ou até abóbora –cujo teor alcoólico é três vezes maior que o do saquê tradicional. O shochu já é vendido por aqui, inclusive na versão caipirinha, a “shochurinha”.

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