Níger começa a combater a sua escassez crônica de alimentos

 Níger começa a combater a sua escassez crônica de alimentos

Mulheres esperam doação de alimentos em Niamey – Níger

País de desertos e agricultura rudimentar está acostumado com a fome. Mas o recém-chegado governo militar admitiu o problema e pediu ajuda..

Do lado de fora dos depósitos de alimentos do governo, mulheres peneiravam a terra a fim de achar grãos de arroz caídos. Mil e cem quilômetros ao leste, mães coletam frutinhas verdes azedas e as cozinham por horas numa tentativa de alimentar seus filhos. Em favelas urbanas e vilas desertas, uma palavra está em todas as bocas: fome.

Mais uma vez, o Níger está enfrentando uma crise de alimentos, uma dificuldade tristemente familiar em um país de grandes desertos, com índice de natalidade explosivo e agricultura rudimentar. A chuva e as plantações foram um fracasso no ano passado – pluviosidade 70% abaixo do normal na região – e agora metade da população de 15 milhões de pessoas enfrenta a escassez de alimentos, segundo autoridades. Assim foi em 2005, 1985 e 1974.

Porém, este ano há uma grande diferença: o novo governo militar daqui está reconhecendo a gravidade da escassez de alimentos e tentando fazer algo a respeito – e pede ajuda para isso.
Antes de o presidente autocrático do país Mamadou Tandja, ter sido derrubado, em fevereiro, os depósitos do governo permaneciam estocados, apesar da necessidade do povo. Agora, eles estão vazios, um sinal da quantidade de grãos que foi distribuída nas últimas semanas.
nigerMulheres esperam doações de comida em Niamey, no Níger, em 26 de abril. (Foto: The New York Times)

O novo primeiro-ministro viaja pelo interior sofrido do país, perguntando sobre a escassez de alimentos. Antes, Tandja entrava em cólera só de ouvir falar a palavra fome, de acordo com autoridades e jornais daqui.

Quando John Holmes, coordenador humanitário das Nações Unidas, chegou ao Níger, sua extensa caravana recebeu escolta militar e policial. Embora Holmes estivesse investigando como estava um dos temas mais politicamente delicados do Níger, a escassez crônica de alimentos, ministros do governo com uma comitiva de funcionários percorriam as vilas empoeiradas com ele. Aonde ia, Holmes era tratado como um chefe de estado em visita ao país.

Na escassez de 2005, em contraste, agências da ONU foram acusadas por Tandja de colaborar com a oposição para desacreditá-lo.

“Antes, não falávamos sobre fome; era proibido”, disse Idrissa Kouboukoye, chefe do escritório da Agência de Alimentos do Níger. Ele riu suavemente, observando que, este ano, sacos de grãos começaram a ser distribuídos a partir dos enormes depósitos de concreto atrás dele, no dia 1º de março, menos de duas semanas depois que Tandja foi deposto.

“Quando pessoas que não têm o suficiente para comer têm que dizer que tudo está bem, é um problema”, disse Kouboukoye, referindo-se ao governo anterior.

Tandja, nacionalista fervoroso, tinha participado do golpe de 1974 que foi precipitado em parte pela escassez de alimentos daquele ano. Porém, há quatro anos, enquanto dezenas de crianças que sofriam de má nutrição aguda recorreram a centros ocupados pelos Médicos Sem Fronteiras, o regime de Tandja acusou os jornalistas que cobriam a questão de falta de patriotismo.

Este ano, um dos primeiros anúncios da junta militar foi sobre a crescente crise de alimentos.
“Não tem comparação”, disse o Dr. Mamadou Yami Chegou, diretor de nutrição do ministério da Saúde, enquanto participava de uma distribuição de alimentos na vila de Koleram, no sofrido leste do Níger.

Agora ninguém contesta a seriedade da crise atual do Níger, embora autoridades afirmem que o pior ainda pode estar por vir, enquanto se estica o período entre o fracasso das plantações do ano passado e a colheita do outono.

“A situação ainda não está catastrófica”, disse Holmes, depois de um dia visitando vilas famintas a centenas de quilômetros daqui.

Na entrada de Niamey, a capital, estruturas de tijolo de barro estão cheias de refugiados da fome, vindos do norte. “Não sobrou nada”, disse Ramatou Bubacar, 42 anos, que trouxe seus sete filhos de Tillaberi, 12 dias antes, esperando que a cidade fosse mais gentil. “Comeram tudo”.
Milhares de crianças estão saindo da escola porque os pais deixaram as vilas para buscar alimentos – algumas escolas até fecharam. “Este ano, excepcionalmente, tivemos essa evasão”, disse Salissou Hachimou, diretor da escola de Kongome, onde 43 das 232 crianças abandonaram os estudos.

No interior, pode-ver bem as costelas sob a pele do gado. O estoque de ração animal está 66% abaixo do normal. Camelos sarnentos vagam sem rumo, fuçando as copas das árvores sem folhas.

Cerca de 12% das crianças do país sofrem de má nutrição aguda, de acordo com a Unicef. Alguns bebezinhos muito pequenos, com braços e pernas fracos, ocupavam uma ala de uma clínica de nutrição, na cidade desértica de Tanout. Porém, o clima estava calmo e a clínica não estava superlotada, como observou Holmes.

A região árida ficou 11 mil toneladas abaixo da produção de cereal esperada no ano passado. A plantação fracassou por completo na vila de Dalli. “Sim, estou com fome agora”, disse Safia Joulou, 26 anos, que prepara uma refeição por dia, fervendo folhas coletadas em meio a areia e arbustos raquíticos.

Assim como outros entrevistados, ela tem uma família grande para cuidar, sete filhos. A jovem mãe do lado dela, Nana Boukari, de 20 anos, tem cinco filhos. Uma entrevistada por Holmes em Dalli, Maria Ali, 52 anos, tem dez.

O Níger, um dos países mais pobres do mundo, possui o índice de natalidade mais alto do mundo, de acordo com algumas estimativas, ou está entre os índices mais altos, de acordo com outros cálculos – o que contribui para os problemas crônicos de alimentos do país. Na capital regional de Zinder, ao sul de Tanout, há outdoors anunciando a marca local de preservativos, mas não existe nada parecido com um esforço vigoroso de planejamento familiar neste país muçulmano. A “atitude cultural predominante” não ajuda, disse Holmes.

Ele disse ter trazido o tema do planejamento familiar a reuniões com altos membros do governo daqui. “Eles têm consciência de que isso é um problema, mas não está nas prioridades de sua agenda”, disse ele.

Em Dalli, os grãos acabaram rapidamente numa distribuição gratuita recente. “As crianças não comem antes de ir para a escola”, disse Ali, mãe de dez filhos. “Quando voltam, não encontram nada para comer”.

Adam Nossiter – Do New York Times – Em Niamey

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