O teste da discórdia

 O teste da discórdia

Arroz comercializado fora dos padrões gera crise no relacionamento entre indústria e produtores.

O resultado de uma pesquisa realizada pela Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz) com amostras de arroz industrializado coletadas em dois grandes supermercados gaúchos está colocando produtores e indústria em lados opostos da mesa de negociações. O levantamento identificou irregularidades em 26,1% das marcas de 40% das indústrias. O maior problema constatado foi excesso de quebrados e quirera e grãos picados e manchados além do permitido.

Para os arrozeiros, a indústria está usando “dois pesos e duas medidas”, exigindo altíssima qualidade na matéria-prima e pagando menos, mas não repassando esse alto padrão ao consumidor. A indústria questionou a veracidade dos dados divulgados pela pesquisa e desafiou a Federarroz a divulgar os nomes das empresas que estariam logrando o consumidor.
Em meados de abril de 2010, já com a Instrução Normativa nº 12 (IN12) em vigência, a Federarroz coletou 23 amostras (embalagens de um quilo de arroz branco tipo 1) de 15 indústrias em dois grandes supermercados do Rio Grande do Sul. O material foi remetido fechado à área de classificação da Ascar/Emater-RS para ser analisado de acordo com o previsto pela IN12 e a IN06.

Com base nessas amostras, foi emitido um laudo técnico sobre as características do produto, indicando irregularidades em 26,1% das amostras de 40% das indústrias. De acordo com a Federarroz, o laudo comprovou que seis das 23 amostras estavam fora do padrão, sendo que quatro indicaram tipo 2 e uma tipo 4. “A sexta amostra irregular sequer obteve classificação entre os tipos determinados na legislação. Ou seja, no pacote a indústria indica que é arroz tipo 1, mas nesses casos o produto estava fora da especificação”, revela o presidente da entidade, Renato Rocha.

Para o presidente da Federarroz, essas informações levam à conclusão de que o setor industrial, mesmo tendo aprovado a nova regulamentação na Câmara Setorial do Arroz, perante o Mapa, trabalha com padrões muito mais rígidos para absorver renda do setor produtivo. “Mas uma parte significativa delas opera fora dos padrões que exige dos arrozeiros quando se trata de oferecer o cereal ao consumidor. Sob o pretexto de cumprir a IN12, a indústria aplica uma tabela rigorosa com relação a defeitos, impurezas e umidade para ‘desclassificar’ e pagar menos pelo arroz aos produtores na hora da compra”, argumenta Rocha.

Segundo o dirigente, além de cobrar a fiscalização mais intensiva da qualidade do produto no varejo, “já que a indústria nunca quis dialogar sobre o assunto”, a Federarroz poderá manter uma rotina de testes por amostragem como forma de assegurar que as normas exigidas dos produtores valem para o setor industrial também. “Ao mesmo tempo, vamos garantir a qualidade do arroz que chega ao consumidor”, avisa.

 

ARROZ DE PERIFERIA
O presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Arroz (Abiarroz), André Barreto, contesta os dados apresentados pela pesquisa e a metodologia utilizada pela Federarroz na coleta das amostras. “Estes dados não são reais. O produto pesquisado deve ser arroz de periferia, que não serve como modelo para representar o padrão de qualidade das indústrias gaúchas. Também não acredito que esta pesquisa tenha sido feita dentro das normas. A acusação é muito vaga. Creio que a Federarroz deveria divulgar os nomes dessas empresas porque nós, da indústria, temos o maior interesse que esse tipo de gente não faça parte da cadeia, pois estão logrando o consumidor”, disse Barreto.

O mesmo ponto de vista é compartilhado pelo presidente do Sindicato da Indústria do Arroz do Rio Grande do Sul (Sindarroz-RS), Élio Coradini: “Se há conhecimento de irregularidades, é dever da Federarroz denunciar estas marcas. Esse tipo de polêmica só contribui para enfraquecer a cadeia produtiva justamente no momento em que ela deveria estar mais unida para reivindicar o atendimento de suas demandas junto ao governo federal”, avalia.

Para o presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Arroz Parboilizado (Abiap), Alfredo Treichel, não procede a informação de que a indústria nunca está disposta a dialogar sobre o assunto, como denuncia o presidente da Federarroz. “A indústria sempre está aberta ao diálogo e pronta para sentar à mesa junto com os representantes do setor produtivo nas reuniões da Câmara Setorial. Já em relação aos critérios de classificação do arroz, cada empresa tem suas normas de operação, mas não tem cabimento vender arroz quebrado no mercado interno, como afirma Rocha, se o produto vale mais nas exportações. O que eu posso afirmar é que a indústria está muito mais tolerante do que a IN12 exige”, contrapõe.

Renato Rocha, no entanto, mantém firme sua posição frente aos argumentos apresentados pela indústria. “Os resultados da pesquisa estão aí para quem quiser ver, basta solicitar à Federarroz. Nossa intenção com o trabalho não foi acusar a empresa A ou B, mas cobrar da indústria a qualidade do produto que chega ao consumidor”, afirma o dirigente.

Uma cópia dos laudos técnicos foi encaminhada à comissão da agricultura da Assembleia Legislativa gaúcha e ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), que deverão analisar as providências a serem tomadas.

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