Da lavoura para o tribunal

 Da lavoura para o tribunal

Pirataria: há um ano, Planeta Arroz já alertava para o problema

Sistema Clearfield leva produtores e Basf à Justiça.

A Basf sinalizou com a possibilidade, a fim de garantir recebimento pelo uso do sistema de produção Clearfield na produção de arroz irrigado, mas foi um grupo gaúcho de produtores, cooperativas e indústrias que levou o caso para a Justiça. No começo de março, a juíza Cristina Luísa Marquesan da Silva Minini, da 5ª Vara da Fazenda Pública do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, concedeu liminar que impede a cobrança de taxas pela empresa. Em abril, outra magistrada, Deborah Coleto Assumpção de Moraes, revogou a proibição, que acabou restabelecida no dia 14 de maio pelo desembargador Irineu Mariani, da 1ª Câmara Cível do TJRS. 

O presidente da Federação das Cooperativas de Arroz (Fearroz), André Barreto, explica que a decisão de recorrer ao Judiciário somente foi tomada porque a Basf se mostrou intransigente nas negociações com as entidades do setor agroindustrial. “Tivemos uma série de reuniões para discutir uma maneira justa e eficaz da multinacional receber pelos seus direitos, mas a empresa somente colocava em ata aquilo que queria, posteriormente aos encontros, e desconsiderando nossas opiniões”, revela, dizendo que, por isso, não se alcançou um consenso. 

Segundo ele, a multinacional Basf começou a pressionar para que cooperativas e indústrias aceitassem a análise do cereal recebido dos produtores, mesmo sem autorização dos arrozeiros. “Caso os funcionários não tivessem acesso aos estoques para a fiscalização do produto, a multinacional chegou a ameaçar que faria uma campanha difamatória contra as marcas gaúchas junto a grandes redes de supermercados”, entrega André Barreto. 

Para complicar ainda mais a situação, o presidente da Fearroz acrescenta que a empresa ainda queria que os lavoureiros fizessem a separação das variedades cultivadas antes de entregar a colheita nos engenhos ou armazená-las em silos próprios. Sendo identificado o uso do sistema Clearfield e não realizada a segregação, o orizicultor teria que pagar uma indenização sobre toda a sua safra. “Isso é um total absurdo”, assinala André Barreto, salientando que a liminar representa uma batalha ganha numa guerra que promete durar ainda algum tempo. Ele tem confiança, no entanto, de que a Basf não ganhará o embate.

 

Produtores apresentam seus argumentos

Na ação movida contra a Basf, o grupo de produtores e cooperativas contesta a venda casada do herbicida Only, da Basf, com as sementes da variedade 422 CL desenvolvida pelo Instituto Rio-grandense do Arroz, com tecnologia própria, através de contribuições compulsórias dos produtores. Certificada em 2002 pelo Serviço Nacional de Proteção de Cultivares, a Irga 422 foi cedida à multinacional para fins de pesquisa, “isenta de royalties”, conforme consta no termo de cooperação firmado no ano seguinte. 

Outra questão refere-se ao programa de monitoramento que, na visão da empresa, deveria ser adotado para, em conjunto com o herbicida e a semente específicos, garantir uma lavoura livre do arroz vermelho. “Só que todas as práticas apregoadas, como época de plantio e densidade de semeadura, entre outras, já são de conhecimento dos arrozeiros, que entendem do assunto muito mais do que a Basf”, analisa o presidente da Fearroz, André Barreto. 

DENTES – O presidente da Fearroz usa uma analogia interessante para explicar por que a Basf não tem razão em querer cobrar pelo sistema Clearfield. “O método André Barreto de escovar os dentes pela manhã, após acordar e levantar da cama, dirigindo-se ao banheiro, é o seguinte: pegar a escova, abrir o tubo de creme dental, colocar o creme na escova, escovar os dentes de cima, depois os de baixo (sempre no sentido vertical), colocar água na boca para retirar o creme, secar-se e guardar a escova e o creme. Quem usar uma marca ‘x’ de creme dental e seguir esses passos teria que me pagar uma taxa estipulada por mim mesmo”, compara ele. No caso, a escova equivaleria às sementes da variedade Irga 422 CL. 

EFEITO – A concessão da liminar, embora restrita ao grupo de autores, já está provocando efeitos em todo o Rio Grande do Sul. A Federação dos Trabalhadores na Agricultura (Fetag), por exemplo, está orientando os sindicatos dos trabalhadores rurais para que não assinem qualquer documento relacionado ao assunto. Indústrias que antes não demonstravam muito interesse em colaborar com a Basf, agora podem até deixar de exigir declaração negativa dos produtores sobre o uso da tecnologia Clearfield.

 

GRUPO

No total, o primeiro grupo que ingressou na Justiça contra a cobrança de taxas pela Basf sobre o uso do sistema Clearfield está composto por 22 produtores, 19 cooperativas e 30 indústrias do Rio Grande do Sul. A representação está sendo feita por um time de nove advogados, incluindo Carlos Alberto Bencke (desembar-gador aposentado do Tribunal de Justiça do Estado), Fabio Luiz Gomes e Gustavo Duarte da Silva Goularte. São réus no processo a multinacional e o Irga. De acordo com o TJRS, o número de beneficiados pela reativação da liminar é de 90 pessoas (físicas e jurídicas).

 

1 – O restabelecimento da liminar foi no último dia 14 de maio. Antes de ser notificada oficialmente, o que não havia acontecido até o encerramento desta edição, a Basf divulgou, por meio da assessoria de comunicação terceirizada, que não se pronunciaria a respeito. Em seu site na internet, em anúncios nos meios de comunicação e através de uma cartilha distribuída a produtores, cooperativas e indústrias, a Basf alerta que o sistema de produção Clearfield corre o risco de perder sua eficácia.

2 – No texto da liminar, a juíza Cristina Minini justificou que o Instituto Rio-grandense do Arroz desenvolveu com tecnologia própria, através de contribuições compulsórias dos produtores rurais, a variedade Irga 422 CL.

3 – Para a revogação da liminar, a juíza Deborah Coleto Assumpção de Moraes levou em consideração a complexidade do caso, que deveria ser tratado no Fórum em prazo adequado.

4 – No restabelecimento da liminar, o desembargador Irineu Mariani argumenta que na situação não se aplica a Lei da Propriedade Industrial e sim a Lei de Cultivares, que não proíbe a comercialização para fins de matéria-prima e de alimento, como é o caso do arroz em discussão. Além disso, a taxa paga ao Irga pelos arrozeiros tem como uma das finalidades precisamente o custeio de pesquisas para a obtenção de novas cultivares, deixando o problema de eventuais royalties para ser resolvido entre a autarquia e a Basf, sem envolvimento dos produtores.

5 – O presidente da Fearroz, André Barreto, afirma que não há nenhum registro para o nome Clearfield junto ao Instituto Nacional de Patentes Industriais (INPI). “Queremos que a Basf nos comprove sua anunciada titularidade de patente”, salienta ele.

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