Uma mulher do arroz

 Uma mulher do arroz

Dona Aracy (à direita): quer plantar arroz até os 100 anos

Pioneira feminina da cultura, Aracy Godoy recebe homenagens do setor.

Quem a vê pela primeira vez, com seus cabelos grisalhos e uma elegância clássica, e não conhece sua história de vida, nem imagina o que Aracy Severo Godoy representa para a orizicultura gaúcha. Homenageada com o troféu Mulher do Arroz durante a Abertura da Colheita 2007, em São Gabriel (RS), no último mês de março, essa produtora natural de Cachoeira do Sul (RS) é um exemplo de fibra, persistência e visão de futuro. Vitoriosa num setor predominantemente dominado pelos homens, ela comprovou que a competência nada tem a ver com o sexo. 

Tudo começou em meados do século passado, quando o esposo, o militar Ataliba Godoy, faleceu em um acidente de trânsito. Contrariando sugestões de amigos e familiares para venda dos 160 hectares que havia recebido como herança do pai e aplicação do dinheiro na compra de imóveis na cidade, ela resolveu aproveitar a terra no cultivo de arroz. Corria a década de 1950, quando as mulheres tinham um restrito mercado. A desconfiança geral logo se transformou em surpresa, que acabou virando admiração: em pouco tempo, a produtora já arrendava áreas de proprietários vizinhos para manter o aumento crescente da lavoura. 

Naquela época, Aracy lembra que a atividade não era mecanizada em suas terras: o preparo do solo envolvia a utilização de animais (junta de bois) e a semeadura e a colheita eram manuais. Com o passar do tempo, máquinas foram sendo adquiridas e o arroz ganhou a companhia de soja, trigo e linho, ao mesmo tempo em que ela também passou a dedicar-se à pecuária. “Essa diversificação foi decisiva para o sucesso. Em muitas oportunidades, precisei usar o dinheiro da venda de algumas cabeças de gado para quitar contas relativas à lavoura e vice-versa”, lembra. 

Atualmente com 90 anos, a empresária rural dedica-se mais à criação de bovinos da raça angus (o rebanho conta com aproximadamente 1,6 mil animais), mas faz questão de continuar cultivando arroz numa área de 238 hectares. “Esse é um vício que talvez vá largar quando completar 100 anos”, brinca dona Aracy, que multiplicou o seu patrimônio em pouco mais de meio século como produtora rural. Aqueles 160 hectares originais transformaram-se em 1,5 mil, que estão distribuídos nas fazendas Palmeira, da Árvore e Santa Emília. 

Questão básica
Aos 90 anos de idade, Aracy Godoy diz estar desencantada com o Governo Federal, que é o responsável pela elaboração das políticas agrícolas. “Antigamente, era muito mais seguro plantar”, recorda ela, reclamando que hoje em dia o arrozeiro não tem certeza nem do preço mínimo que é estipulado para garantir-lhe uma receita adequada, capaz de bancar os custos da produção. 

Quase sem esperança de melhoras, a produtora foi a porta-voz de entidades representativas do setor ao entregar para a governadora Yeda Crusius e o então ministro da Agricultura, Luís Carlos Guedes Pinto, na Abertura da Colheita do Rio Grande do Sul, uma lista de pedidos para garantir a manutenção da lavoura gaúcha. “Assim como falta ao agricultor, a segurança também não existe na cidade”, acrescenta, inconformada pelo fato de já ter sido assaltada seis vezes. Numa delas, chegou a ter um revólver apontado para sua cabeça, mas, com a calma e a doçura que lhe são características, conseguiu contornar a situação e sair sem nenhum dano físico, tendo apenas prejuízo material. 

 

PARCERIA

Dona Aracy Severo Godoy faz questão de compartilhar com seus empregados o mérito do sucesso na atividade. “O trabalhador rural é um herói anônimo, que não recebe todo o reconhecimento merecido”, destaca ela, revelando que sempre procurou tratar essas pessoas com respeito, dando oportunidades para que pudessem crescer profis-sionalmente. Fazendo uma espécie de minirreforma agrária em suas terras, a cachoeirense disponibilizava áreas para quem mostrava interesse e capacidade no serviço. “Tudo o que era colhido ali pertencia a eles”, explica, lembrando de exemplos como o do empregado que conseguiu ter a sua própria fazenda.

Fique de olho
Além do troféu Mulher do Arroz, recebido da Federação das Associações de Arrozeiros (Federarroz), dona Aracy já teve seu trabalho reconhecido em outras ocasiões. O primeiro prêmio veio há 50 anos, quando recebeu, em Esteio, o título de melhor lavoura média de trigo do Brasil. Em novembro de 2005, a produtora ganhou o troféu Destaque Tradição Rural, da Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul). Dois anos antes, na 36ª Noite dos Destaques, tradicional evento de Cachoeira do Sul, promovido pelo Jornal do Povo, ela fora agraciada com o troféu na área de pecuária.

 

A necessidade e a escolha

Aracy Godoy conta que, se pudesse ter escolhido, não seria produtora rural. “Preferia ficar cuidando das coisas da casa”, revela, justificando que sempre fora muito mimada pelo pai. Mas ela não se arrepende da decisão que tomou para garantir o sustento das filhas, que estudaram em internato e fizeram faculdade em Porto Alegre. 

A mais velha, Avany, jornalista e advogada, reside em Paris, na França, e foi durante muito tempo correspondente do jornal O Globo na Europa. Ana Maria, que é psicóloga, reside em São Paulo, onde já exerceu a profissão. Olhando para elas, cada uma com uma filha e uma família bem estruturada, dona Aracy não tem dúvida de que valeu a pena todo o esforço. 

O êxito na atividade agropecuária permitiu a Aracy Severo Godoy conhecer muitos lugares no mundo. Ela já viajou, por exemplo, para os Estados Unidos, Europa e o sudeste asiático. Já morou durante algum tempo na capital gaúcha, na época em que as filhas estavam na faculdade, mas gosta mesmo é da sua Cachoeira do Sul, a Princesa do Jacuí, a Capital Nacional do Arroz. 

 

O cientista do arroz

Se você entrar em qualquer centro de pesquisa em arroz das Américas e falar no cultivo irrigado do Brasil, imediatamente vão lhe perguntar se conhece o pesquisador Paulo Sérgio Carmona, 69 anos, consultor do Instituto Rio-grandense do Arroz. Na 17ª Abertura Oficial da Colheita do Arroz, em São Gabriel (RS), Carmona recebeu da lavoura gaúcha a justa homenagem de cientista do arroz. Mesmo sem o troféu e o reconhecimento público, esse título já lhe pertencia. É, ao lado do norte-americano Peter Jennings (recentemente aposentado), um dos nomes mais reconhecidos quando se fala no desenvolvimento das variedades modernas de arroz, atual padrão utilizado nas lavouras de arroz irrigado nas Américas, principalmente no Brasil e no Mercosul. Carmona é engenheiro agrônomo, mestre em Fitotecnia, e atua desde 1966 no Irga. Aposentado, segue como consultor na equipe de melhoramento genético. 

Ele é reconhecido também por ter sido um dos pais das cultivares BR Irga 409, BR Irga 410 e Irga 417, consideradas as de melhor qualidade do país. Carmona publicou mais de uma centena de trabalhos técnico-científicos sobre melhoramento genético. Foi um dos criadores das reuniões técnicas do arroz irrigado, presidiu a Comissão Regional de Avaliação e Recomendação de Cultivares de Arroz e representou o Irga nos comitês técnicos da Rede Internacional de Gemoplasma de Arroz (Inger) e Fundo Latino-americano de Arroz Irrigado (Flar), além de ter atuado como consultor Ad Hoc do CNPq e Embrapa. Recebeu entre outras condecorações a medalha Ordem do Mérito do Serviço Público (Governo do RS, 1982) , placa Pesquisador Emérito (Irga, 1989) e Medalha Assis Brasil (Farsul, 1991), além do título Arrocero Destacado (Irri – Ciat, 1991), entre muitas outras.

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