Conjuntura do mercado
Tiago Sarmento Barata
Mestre em Agronegócios e analista de mercados (Irga).
O ano de 2008 ficará marcado na memória dos agentes de mercado de arroz em todo o mundo. Não apenas pelos valores atingidos nos negócios internacionais e, por conseqüência, no mercado doméstico, mas principalmente porque foi o ano em que os grandes exportadores de arroz no mundo descobriram o poder que têm sobre a formação dos preços no mercado internacional.
Os valores praticados na comercialização do cereal superaram as expectativas dos mais otimistas, superando marcas históricas de preços e estabelecendo mudanças importantes no mercado internacional de arroz.
O comportamento firme dos preços no primeiro semestre já era esperado como uma conseqüência natural do período de entressafra na Ásia e em razão do quadro de oferta e demanda se apresentar extremamente ajustado. O que não se imaginava era que a valorização fosse potencializada em razão principalmente das políticas restritivas à exportação por parte de alguns importantes players como Vietnã, Índia e Egito, que alegavam estar protegendo-se da escalada inflacionária no mercado doméstico.
Embora o arroz seja um alimento básico para a população mundial, o comércio internacional é extremamente restrito (menos de 7% da produção mundial é comercializada internacio-nalmente). Isso ocorre porque os principais produtores são também os principais consumidores. Ou seja, esses países produzem o arroz para abastecer a sua própria demanda. O mercado internacional de arroz tem ainda como característica uma forte concentração das vendas na mão de poucos países, estabelecendo um oligopólio. Assim, o poder de formação dos preços fica concentrado na mão de poucos países. E parece que neste ano eles acabaram de descobrir que têm esse poder. Juntos, Tailândia, Vietnã, Estados Unidos, Paquistão e Índia detêm mais de 80% das exportações e quando um desses países anuncia a suspensão das vendas há um desequilíbrio muito grande na oferta em relação à demanda, refletindo numa alta dos preços.
Nos últimos 12 meses o preço do arroz norte-americano beneficiado longo fino 2,4% teve uma valorização de 109%, atingindo o pico de 985 dólares/tonelada (junho/julho), enquanto que os referenciais tailandês e vietnamita (Thai 100% grade B e Viet 5%) apresentaram uma alta de respectivamente 117% e 98% no mesmo período.
A seqüência de alta dos preços, no entanto, é quebrada com a entrada da segunda safra asiática e com a retomada das vendas do Vietnã e Índia (as exportações egípcias devem se manter suspensas até abril de 2009). Nos últimos três meses os preços praticados na comercialização do arroz asiático apresentaram retração. A tonelada do cereal tailandês (Thai 100% B) passou de 963 dólares (maio) para 730 dólares (agosto), uma desvalorização de 24%. No mesmo período o arroz produzido no Vietnã passou de 996 dólares/tonelada para 625 dólares/tonelada, confirmando uma queda de 37%.
No seu mais recente Relatório de Estimativa de Oferta e Demanda Agrícola Mundial, o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) projeta para a safra 2008/2009 de arroz no mundo um aumento de 0,4% na produção em relação à safra anterior, o que corresponde a um aumento de 1,76 milhão de toneladas de arroz (base beneficiado).
O relatório traz modificações significativas em relação às projeções feitas no mês anterior. A estimativa de produção para a safra 2007/2008 teve uma correção para cima de 970 mil toneladas, principalmente em função de uma elevação na estimativa de produção na Índia (+ 750 mil toneladas). Em contrapartida houve um acréscimo na estimativa de consumo nesse período em aproximadamente dois milhões de toneladas. Assim, o novo relatório traz uma estimativa de estoque final (2007/2008) menor. O USDA corrige também as suas projeções para o ano 2008/2009, principalmente reduzindo a expectativa de produção dos países do Oriente Médio.
Embora esteja sendo estimado um aumento na demanda de arroz, o rela-tório projeta uma elevação na posição do estoque mundial do cereal em mais de três milhões de toneladas do grão para o final do período 2008/2009, atingindo 80,68 milhões de toneladas do cereal ou 19% do consumo.
O USDA projeta para o Brasil (2008/2009) um estoque inicial de 1.160.000 toneladas de arroz beneficiado, produção de 8.500.000 toneladas, importação de 600 mil toneladas, consumo de 8.710.000 toneladas, exportação de 300 mil toneladas e conseqüentemente um estoque final de 1.250.000 toneladas.
De agora em diante a expectativa é de que o mercado internacional de arroz trabalhe com maior cautela, buscando minimizar os efeitos da alta volatilidade dos preços. Embora o custo de produção esteja alto em todo o mundo, a tendência é de que, estimulado pelos preços mais atrativos, comece a ocorrer um maior incre-mento na produção, proporcionando uma gradual recuperação nos níveis do estoque mundial.
Existem, no entanto, duas espe-cificidades no mercado internacional de arroz que devem ser consideradas ao se projetar tendências: força especulativa dos grandes exportadores e concentração geográfica da produção.
Agora que os grandes exportadores descobriram este artifício, os movimentos restritivos às exportações poderão se repetir a qualquer momento, forçando a valorização do cereal. Além disso, é importante estar atento ao fato da produção de arroz estar concentrada numa região restrita do planeta (mais de 90% da produção está nos países do sudeste asiático). E isso é uma característica que coloca o abastecimento do cereal constantemente em risco, principalmente por ser a região do sudeste asiático uma área permanentemente exposta a movimentos sísmicos e adversidades climáticas. Neste sentido, buscando promover uma melhor distribuição da produção de arroz no planeta, o Brasil, juntamente com o Uruguai e a Argentina, passa a ser o foco das atenções do mercado, atraindo inclusive investimentos internacionais no setor orizícola.