Liderança consolidada
Reeleito à presidência da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul) em outubro de 2015 para o triênio 2016/2017/2018, CARLOS SPEROTTO, 77 anos, chega a seu sétimo mandato consecutivo como o líder que mais tempo permaneceu no comando da entidade. “Estamos mantendo uma sequência de gestões com propostas diferentes e este novo mandato, que teve início em 1º de janeiro, não será diferente. Uma das metas é trabalhar na elaboração de um modelo de seguro agrícola efetivo que realmente contemple a realidade da lavoura e atenda as necessidades do produtor gaúcho”, afirma.
Nesta entrevista exclusiva concedida à revista Planeta Arroz Sperotto faz uma análise sobre o momento excepcional vivido pela atividade agropecuária hoje no estado, sendo que demais setores da economia estão amargando uma situação difícil. Entretanto, assegura que esse cenário não reduzirá os esforços da entidade na busca constante de um melhor ambiente de negócios para o setor. “Além do aumento nos custos de produção, temos problemas pontuais como as perdas nas lavouras de arroz e soja em decorrência das adversidades climáticas. A Farsul, juntamente com outras entidades representativas da cadeia produtiva do agronegócio gaúcho, está engajada na busca de soluções para as demandas do setor. Também temos plena convicção de que a saída para a crise econômica que o país atravessa passa necessariamente pela agricultura”, avalia o dirigente.
Planeta Arroz – Como teve início a sua relação com o setor agropecuário?
Carlos Sperotto – Sou filho de produtor rural e veterinário formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul em 1962. E foi como veterinário que ao chegar a Santo Augusto verifiquei uma série de problemas relacionados à criação de ovinos na região. Imediatamente pude perceber que o nosso principal problema não estava relacionado à sanidade animal e sim à falta de oferta de alimento de qualidade. Gradativamente fomos trabalhando para melhorar a qualidade das áreas que meu pai já havia separado para cada um de seus oito filhos. A partir daí a gestão da minha parcela de campo foi conduzida buscando resultados. Passei a agregar a agricultura à criação de animais, inicialmente com a produção de trigo e posteriormente com o milho. E foi assim que virei agricultor. Hoje eu e meus filhos damos continuidade ao trabalho na propriedade com uma gestão bem diferenciada. Atualmente estamos com uma área de 700 hectares com irrigação conduzida a partir de 10 pivôs centrais, desenvolvendo este modelo de agricultura moderna e arrojada, voltada à produção de alimentos, que o Brasil aprendeu com o RS.
Planeta Arroz – O senhor já imaginava tornar-se um líder setorial?
Carlos Sperotto – Na verdade não houve projeto algum. Foi um processo natural. Isso teve início há pouco mais de 20 anos, quando eu, meus filhos e dois sócios montamos um negócio de carne ovina que era uma butique de carnes selecionadas com cortes especiais. Este trabalho acabou nos dando visibilidade junto à imprensa. Paralelamente, trabalhando com outros produtores de ovinocultura fomos percebendo a necessidade de dedicar-nos às questões setoriais relacionadas à atividade. Desta maneira foram surgindo lideranças e acabamos fundando a Federação Brasileira de Criadores de Ovino-Carne, da qual fui o primeiro presidente. Graças a esta visibilidade fui convidado para atuar na Farsul, inicialmente na área financeira. Já naquele momento se discutia o grande endividamento da agricultura brasileira. Meu perfil e minha atuação nesta área acabaram rendendo outro convite, desta vez para assumir a presidência da comissão de crédito rural da CNA. Com isso meu nome começou a emergir como forte concorrente à presidência da Farsul, o que acabou se concretizando.
Planeta Arroz – Atualmente o senhor já está em seu sétimo mandato no comando da entidade. Qual será o foco dessa nova gestão?
Carlos Sperotto – Eu costumo dizer que sozinho ninguém faz as coisas. Minha permanência à frente da Farsul é resultado de um projeto bem discutido com um profundo conhecimento de campo e das oportunidades de negociação, mas também de algumas ações mais fortes que foram tomadas na busca de soluções para os problemas da agricultura e da pecuária do RS. Naturalmente, isso não seria possível sem meus companheiros de diretoria, que formam a base de sustentação deste trabalho. Já no início do ano passado havíamos definido uma pauta: a criação de um modelo de seguro de produção efetivo que atendesse tanto as necessidades da lavoura quanto dos produtores. Entendemos que precisa haver um núcleo de seguradoras que atenda a demanda da lavoura, mas que não seja meramente contratual, ou seja, que assegure ao produtor uma renda. Estamos trabalhando para elaborar um contrato ideal com nossos intermediários de exportação que seja um seguro de venda, pois a agricultura é uma atividade sujeita a riscos e em momentos de crise começam a surgir situações que trazem apreensão. Neste aspecto, um contrato bem feito minimiza o risco ante a estes quadros que em muitos casos acabam favorecendo judicialmente a posição de uma empresa e penalizando extremamente o produtor que comercializa seu produto junto a esta empresa.
Planeta Arroz – Que análise o senhor faz do momento vivido pela agricultura brasileira, especialmente nesta safra que vem sendo afetada severamente pelo fenômeno climático El Niño?
Carlos Sperotto – A agricultura brasileira vai muito bem, apesar dos custos de produção estarem altíssimos na comparação com o ano passado. Também temos problemas pontuais, como a instabilidade climática, que nesta safra está causando transtornos aos produtores de todo o país. Um fator que precisamos administrar é a adimplência junto ao sistema financeiro. Temos que ter adimplência, pois este é o vetor de maior eficiência e que traz resultados efetivos na relação dos dois lados do balcão. Este é um ano de alto risco porque a safra que estamos colhendo ainda está protegida por uma situação cambial que favorece as exportações. Mas daqui para frente precisamos ter muita cautela para administrar os custos da nossa lavoura.
Planeta Arroz – E especificamente em relação ao RS?
Carlos Sperotto – A lavoura arrozeira no RS tem mais de 120 anos e está praticamente identificada com a mesma área de produção, que gira em torno de 1 milhão de hectares. É uma lavoura consolidada, com tecnologia de ponta, cujos rendimentos são desafiadores a outros países produtores. Isso também vale para a soja e o milho. De um modo geral, em nível de Brasil, temos este diferencial, que é fazer duas e até três colheitas em um mesmo ano, maximizando o uso de maquinário e os custos de produção pelas safras subsequentes. Eu diria que o crescimento da soja no RS se deve muito à aproximação com a lavoura arrozeira, em campos circunvizinhos do arroz, onde a mecanização já existia. Isso criou a oportunidade de expansão da área de soja no estado.
Planeta Arroz – A Farsul, juntamente com a Federação das Associações de Arrozeiros do RS (Federarroz) e o Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga), está engajada na busca de uma solução para a situação dramática vivida pelos produtores gaúchos que tiveram perdas com as enchentes. Como esta questão está sendo discutida junto ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa)?
Carlos Sperotto – Houve um consenso entre as entidades representativas do setor para que o trabalho de levantamento e análise da situação da lavoura arrozeira no que diz respeito à produção, à área plantada e às perdas decorrentes da situação climática nesta safra ficasse a cargo do Irga. O objetivo é termos apenas um número, ou pelo menos um número bem mais próximo da realidade, pois em casos como este a disparidade de dados é que dá oportunidade aos governos de não apresentarem uma solução. O secretário de política agrícola André Nassar, que hoje está respondendo interinamente pelo Mapa, é uma pessoa que tem conhecimento da realidade vivida pelo setor. Ele inclusive veio ao RS com o ministro da Integração e conversou com os produtores de Uruguaiana e de Santa Maria. Isso certamente vai contribuir muito para a busca de soluções. Obviamente não será uma solução extensiva a todos os produtores, pois alguns deverão ter um atendimento diferenciado em razão da gravidade das perdas. Temos um quadro bem diversificado de problemas, com lavouras que foram inundadas, áreas inteiras que foram perdidas e outras que nem puderam ser plantadas. É necessário fazer um diagnóstico o mais preciso possível da situação, pois não queremos também maximizar o problema criando uma expectativa tão negativa que possa inviabilizar uma solução por parte do governo.
Planeta Arroz – Diante deste quadro, qual a sua expectativa em relação às exportações?
Carlos Sperotto – Quando iniciamos os trabalhos na Farsul identificamos que o maior inimigo da lavoura arrozeira do RS não era a brusone e sim o Mercosul. A partir de várias reuniões com nossos colegas do Uruguai, da Argentina e, posteriormente, do Paraguai criamos a Federação das Associações de Produtores do Mercosul para administrar este processo especialmente no que diz respeito às importações indevidas destes países. Há cinco anos o RS passou a buscar o mercado exportador e com isso já obtivemos resultados bem expressivos. Estamos encerrando o ano agrícola com 1,4 milhão de toneladas de arroz exportadas e temos potencial para aumentar este volume sem desabastecer o mercado interno.
Planeta Arroz – Como o senhor avalia a atenção dada pelo governo gaúcho ao setor levando em conta a crise financeira que o estado atravessa?
Carlos Sperotto – A crise é econômica e, naturalmente, o governo do RS tem dificuldades para administrá-la. Mas não existe uma crise no setor agropecuário. Temos uma das agriculturas mais modernas do mundo e um desempenho extraordinário na produção de grãos e de carne, o que nos coloca entre os maiores produtores mundiais de alimentos. Mas isso também nos traz uma grande responsabilidade. Temos a consciência de que graças ao trabalho desempenhado por entidades como a Farsul e a Federarroz, além de instituições de pesquisa como o Irga, o setor está sendo ouvido pelo governo.
Planeta Arroz – O senhor observa algum segmento da agricultura do RS que se encontre em maior dificuldade em relação a outros?
Carlos Sperotto – No momento, o segmento que atravessa mais dificuldades é o de máquinas agrícolas. Mas é importante dizer que este é um segmento que nos últimos anos acumulou gordura por conta do ótimo desempenho das vendas. Ocorre agora que o produtor está com seu parque de máquinas atualizado e, naturalmente, se encontra mais retraído em buscar e acessar novos investimentos. Existem linhas de financiamento com taxas de juros baixas, mas os custos para a aquisição mudaram totalmente e estão três vezes superiores aos que tínhamos há dois anos. Entretanto, este é um segmento que mesmo atravessando um período de dificuldades se faz presente em todos os eventos e feiras agropecuárias. Com isso, segue mantendo contato com a clientela, avaliando as correções que precisam ser feitas na área, e este diálogo, na minha avaliação, está sendo muito produtivo.
Planeta Arroz – Para finalizar, qual a sua expectativa em relação a esta 26ª edição da Abertura Oficial da Colheita do Arroz?
Carlos Sperotto – A expectativa é a melhor possível. A pauta está sendo muito bem conduzida pela Federarroz, que tem alto poder de mobilização e está plenamente identificada com as demandas pontuais do setor.