Engajamento do interior foi combustível à greve dos caminhoneiros

Sindicatos e comunidades de pequenos municípios encorparam piquetes em rodovias e impulsionaram ação de caminhoneiros a se alastrar por todo o país.

Maio de 2018 entrou para a história do Brasil pela passagem de inflamados 11 dias em que uma greve de caminhoneiros asfixiou a nação. Com os veículos de carga parados à beira das estradas de todo o país, a logística foi interrompida. Já no terceiro dia de paralisação, a retenção de caminhões nas rodovias, somada ao bloqueio da Refinaria Alberto Pasqualini (Refap), em Canoas, causaram desabastecimento no Rio Grande do Sul. Faltou combustível, filas imensas se formaram em postos de gasolina, cujas bombas logo secaram, e houve episódios de pancadaria entre consumidores que disputavam os últimos litros. A histeria provocou corrida a mercados em busca de mantimentos.

A reivindicação dos caminhoneiros despertou simpatia. O alto preço do diesel e a inexistência de tabela de preço mínimo do frete prejudicavam o trabalhador. A população passou a se unir ao movimento, esperançosa de que a pressão rebaixasse o preço da gasolina. E outros setores econômicos que dependem de transporte rodoviário e do diesel aderiram com força total.

Em 24 de maio, quinta-feira, quarto dia de greve, o presidente da Cooperativa Tritícola Regional Sãoluizense (Coopatrigo), Ivo Batista, reuniu a diretoria, que aprovou apoio à paralisação. A entidade, com sede em São Luiz Gonzaga e escritórios em 13 cidades do noroeste gaúcho, foi mais uma entre as tantas pilastras empresariais que elevaram o movimento a um novo patamar, que colocaria o governo do presidente Michel Temer em xeque.

– Os caminhoneiros sofriam custo muito alto para a atividade. A avaliação era de que se tratava de movimento justo. E o apoio passou a ser cada vez maior. Se somou a isso o descontentamento com o desgoverno. Existe muita revolta, não se acredita mais em Executivo e Legislativo. Entidades começaram a declarar apoio. Foi o que aconteceu conosco – relata Batista.

A Coopatrigo fechou todas as unidades em um dos dias e deslocou carretas de forma permanente até o trevo de São Luiz Gonzaga, na BR-285, para engrossar as fileiras grevistas. Dezenas de máquinas agrícolas foram posicionadas nos pontos de concentração para reforçar os piquetes. O Rio Grande do Sul, um dos principais polos de força do movimento nacional, teve no Noroeste uma de suas maiores mobilizações.

Apoio de empresas foi decisivo para manutenção de bloqueios
A essa altura, surgiam indícios de que a greve não era capitaneada apenas por autônomos, como anunciado no início, mas por médios e grandes empresários que passaram a ser suspeitos de locaute – no feriado de Corpus Christi, um executivo de transportadora de Caxias do Sul, na Serra, foi preso em condomínio em Xangri-lá, no Litoral.

Era um movimento que contava, desde o início, com recursos para manter o fôlego. A adesão de entidades ruralistas foi o combustível definitivo à insurreição. A relevância do apoio da Coopatrigo no Noroeste pode ser dimensionada pelo seu faturamento em 2017: R$ 943 milhões, dos quais R$ 50 milhões de resultado líquido. A associação conta com cerca de 5 mil associados que entregam soja, trigo, milho e arroz. Os grãos são armazenados e comercializados. No caso do arroz, uma fábrica própria processa e ensaca, enviando diariamente o produto para Minas Gerais e São Paulo. A cooperativa ainda tem indústria de ração, produção de leite, lojas veterinárias, postos de combustíveis e supermercados. Uma potência econômica e política regional. A colaboração financeira à greve foi consequência.

– Ajudamos, sim. Nos pediram linguiça, carne. Assim como nós, outros produtores também deram – conta Batista, descrevendo o método para alimentar centenas de manifestantes por dias.

Pedidos de intervenção militar e infiltrados subverteram ação
Em pouco tempo, o fio começou a virar, de forma semelhante ao ocorrido nos protestos de junho de 2013, que teve início pela redução da passagem do transporte coletivo. O apoio popular cresceu, outras pautas foram somadas e, em dado momento, tudo se transformou em uma massa descontrolada e difusa. No caso dos caminhoneiros, o movimento despertou pelo corte no preço do diesel, evoluiu para críticas à corrupção e ruidosos pedidos de intervenção militar por simpatizantes de extrema-direita. Em São Luiz Gonzaga, centenas, lideradas por empresários de transportes e produtores rurais, marcharam ao 4° Regimento de Cavalaria Blindado para pedir que os militares promovessem ruptura institucional. Não importava mais a pauta inicial dos caminhoneiros, já atendida nesta altura dos fatos.

– Quem estava puxando mais a ideia de intervenção militar eram alguns agricultores patronais. Eles estavam com os caminhoneiros desde o início – relata Agnaldo Barcelos da Silva, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santo Antônio das Missões e Garruchos (STR), que acompanhou e participou das manifestações na região.

A afirmação de Silva podia ser verificada nos pontos de bloqueio, onde se multiplicava a presença de pick-ups de fazendeiros. Além da questão política, aflorou uma guerra psicológica nos piquetes.

– Decidimos retirar nosso apoio. Em São Luiz Gonzaga, comprovadamente, e isso foi relatado por nossos associados, havia gente estranha infiltrada, não se sabe a mando de quem. Não deixavam mais nem falar em terminar a greve. Ameaçavam de quebrar caminhões a pedradas. Tinha marginal no meio, gente maldosa – reforça o presidente da Coopatrigo.

Produtores rurais, sobretudo pequenos, passaram a sofrer com ações milicianas. No Noroeste, veículos menores que circulavam em estradas vicinais para recolher leite nas propriedades foram perseguidos.

– Caçaram caminhões que iam nas granjas levar ração, ameaçavam e diziam que tinha de ir para a manifestação. Tivemos animais passando fome. Morreram aves e suínos. O pessoal nos ligava pedindo pelo amor de Deus que buscássemos o leite – diz Batista.

A cooperativa, com o bloqueio das estradas, também deixou de exportar toneladas de grãos. Os compradores internacionais não quiseram esperar o fim da greve porque o custo é alto para manter navios cargueiros atracados em espera no porto de Rio Grande. Restou ao presidente da entidade lamentar:

– O prejuízo é incalculável. Começou bem, mas, no fim, se voltou contra nós mesmos.

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