Mercado está testando fôlego de produtores e indústrias

Autoria: Tiago Sarmento Barata Mestre em agronegócios, analista de mercados/irga.

Depois de um ano de preços atrativos, quando o Brasil consolida a sua condição de um emergente player exportador de arroz, o período de comercialização da safra brasileira de arroz de 2008/2009 vem sendo acompanhado pela cadeia produtiva com muita expectativa, principalmente por parte do setor produtivo.

Tal expectativa não é à toa, afinal, os números oficiais indicam o menor estoque inicial dos últimos anos, projeção de exportação em volume similar ao recorde obtido no ano anterior e produção nacional ainda insuficiente para garantir a autossuficiência do país. De fato um quadro de oferta e demanda extremamente ajustado.

No entanto, em 2009, os fundamentos do mercado ainda não refletiram no comportamento dos preços, que estão aquém das expectativas e estão testando a paciência dos operadores.

Segundo o Cepea/Esalq/USP, entre março e outubro deste ano a saca de arroz em casca no Rio Grande do Sul teve uma cotação média de R$ 27,32/saca, variando entre R$ 29,47/saca (em 2 de março) e R$ 25,01/saca (em 2 de junho), enquanto que no ano comercial anterior obteve-se um preço médio de R$ 32,07/saca, variando entre R$ 36,37/saca (em 9 de outubro) e R$ 22,27/saca (em 17 de março).

Temos até o momento, portanto, uma desvalorização de 15% em relação ao valor médio praticado no ano passado.

E isso se deve à interação de uma série de fatores, como a concentração cada vez maior da produção brasileira no Rio Grande do Sul, deslocamento e concentração da oferta para o segundo semestre, enfraquecimento das cotações no mercado internacional, desvalorização cambial, achatamento dos preços nas negociações entre indústrias e as redes varejistas, entre outros.

Há de se levar em consideração também que a comercialização da safra 2007/2008 criou uma referência potencializada por um cenário externo excepcional e que provocaria, na sua sequência, um movimento de correção.

Responsável no último ano por 62,7% da produção nacional de arroz, o Rio Grande do Sul nunca teve uma participação tão grande no abastecimento.


CONCENTRAÇÃO

Esta concentração poderia dar aos gaúchos uma maior capacidade de participação no processo de formação dos preços, mas os setores produtivo e industrial não têm conseguido explorar essa possibilidade.

Pelo contrário, o estado convive com uma situação de superoferta regional e tem dificuldade de escoar o seu excedente para outros estados, pois sustenta uma desvantagem competitiva muito grande em relação aos demais países produtores de arroz do Mercosul, que acabam abastecendo as regiões deficitárias com matéria-prima mais barata. Principalmente por razões tributárias, as indústrias do Nordeste, por exemplo, têm acesso ao arroz uruguaio a preço mais baixo do que o arroz gaúcho.

Para os países produtores de arroz do Mercosul, a demanda brasileira sempre garantiu o escoamento da sua produção, uma vez que têm mercados internos muito reduzidos.

Por outro lado, a compra de arroz uruguaio e argentino era também necessária para o Brasil, pois, isoladamente, a produção doméstica era, e ainda é, insuficiente para abastecer a demanda doméstica.

Existia, portanto, uma relação de dependência mútua. Ocorre que a produção brasileira de arroz teve um crescimento de 11% nos últimos três anos, enquanto que o consumo sofreu uma redução de 1%.

O déficit, que no ano comercial 2007/2008 era superior a 1,6 milhão de toneladas, é estimado atualmente em aproximadamente 250 mil toneladas. Assim, a manutenção do ingresso de arroz importado no Brasil sobreoferta o mercado, exigindo o desenvolvimento de novas alternativas de escoamento, como as exportações.

 

Enfim, exportador

Completamente sem tradição como exportador de arroz, o Brasil passou a ter maior participação no mercado internacional no ano comercial 2005/2006, quando a venda para terceiros foi a alternativa utilizada para minimizar os efeitos de dois anos superavitários. Superando inúmeras dificuldades impostas pela falta de know-how, foram exportadas aproximadamente 380 mil toneladas de arroz naquele ano. Três anos depois 790 mil toneladas de arroz estavam sendo consumidas fora do país.

Apesar da desvalorização das cotações do arroz no mercado internacional e da valorização do real em relação ao dólar, as exportações brasileiras de arroz seguem bastante aquecidas. Isso evidencia que a participação do Brasil no mercado externo na condição de ofertante não é efêmera e que o país vem consolidando a sua posição como player exportador mesmo em momentos não muito positivos. Hoje o Brasil tem mercado cativo, que garante o escoamento de pelo menos 5% da safra. O mercado mundial de arroz tem como uma de suas características o fato de ter mais de 90% da oferta concentrada nos países do Sudeste asiático, uma região frequentemente vítima de catástrofes ambientais. O Brasil, assim como o Uruguai e a Argentina, passou a atrair a atenção dos compradores por ser considerado uma alternativa segura de oferta de arroz no mundo, além de garantir um produto de qualidade superior e, principalmente, em plena entressafra dos Sudeste asiático.
Com esses atributos, o Mercosul deve se manter definitivamente entre os principais exportadores, exercendo uma alternativa complementar de oferta no mercado mundial.

Com a venda de 98,5 mil toneladas (base casca) em outubro, as exportações brasileiras de arroz atingiram entre março e outubro deste ano um volume de 720,6 mil toneladas, apenas 69 mil toneladas a menos do que o recorde exportado entre março de 2008 e fevereiro de 2009, quando foram embarcadas aproximadamente 790 mil toneladas. No presente ano comercial temos uma média mensal de exportação de 90 mil toneladas, enquanto que no ano anterior a média mensal foi de 65,8 mil toneladas. O volume acumulado das exportações entre março e outubro representa 96% do que está sendo projetado pela Conab para o presente ano comercial (750 mil toneladas). Se nos quatro meses restantes as exportações mantiverem o ritmo apresentado nos oito meses anteriores, o volume acumulado deve superar 1 milhão de toneladas.

Nos oito primeiros meses deste ano comercial o continente africano foi o destino de 67,4% das exportações brasileiras de arroz, enquanto que a Europa, América do Sul e América Central receberam, respectivamente, 12,6%, 7,9% e 6,6%. O mercado africano vem sendo cada vez mais o principal mercado do arroz brasileiro e deve continuar sendo nos próximos anos. De acordo com os dados apresentados pelo Dr. Aliou Diagne, do África Rice Center (Warda), durante a conferência África Rice Outlook no último mês de agosto, na África do Sul, até o ano de 2020 o consumo de arroz no continente deve aumentar 17 milhões de toneladas, enquanto que a produção africana de arroz deve crescer apenas 7 milhões de toneladas, elevando assim o déficit africano de arroz, que hoje é de aproximadamente 11 milhões de toneladas, para 21 milhões de toneladas.

O arroz beneficiado segue sendo o carro-chefe das exportações brasileiras, representando aproximadamente 56,8% do volume total negociado, enquanto que o arroz quebrado, descascado e em casca participaram com, respectivamente, 27,9%, 11% e 4,3%.

Como consequência do quadro de oferta e demanda bastante ajustado, do enfraquecimento das cotações no mercado internacional e principalmente da desvalorização da moeda norte-americana em relação ao real, houve um significativo incremento no volume de arroz importado pelo Brasil no corrente ano comercial.

Entre março e outubro deste ano foram internalizadas 583,5 mil toneladas, apenas 6.500 toneladas a menos do que havia sido importado durante todo o ano anterior. Estamos, portanto, importando um volume médio mensal 48% superior ao registrado no ano passado.

A Conab está compondo o quadro de oferta e demanda com uma projeção de importação de 900 mil toneladas, um volume bem próximo se for mantido nos próximos quatro meses o volume médio mensal das importações nos oito meses anteriores.

O Uruguai e a Argentina são os dois principais ofertantes de arroz ao Brasil, representando, respectivamente, 45,7% e 35,3% do volume total importado.
Um destaque especial na análise referente ao Mercosul merece ser dado ao vizinho Paraguai, que vem apresentando participação crescente nas importações brasileiras de arroz. Este país vem agregando tecnologias na produção de arroz irrigado e áreas de várzeas de excelente capacidade produtiva.

Considerando o volume acumulado das importações brasileiras de arroz, 18,6% têm origem paraguaia, sendo o cereal considerado um produto de muito boa qualidade. Os produtores deste país adotam tecnologias gaúcha e catarinense em suas lavouras.

O enfraquecimento dos preços nesse momento contraria o comportamento histórico das cotações e, mais do que isso, não reflete o panorama que vem sendo estabelecido pelos números oficiais.

O que agrava ainda mais a situação é o comportamento cambial. Enquanto que a saca de arroz em casca acumulou uma desvalorização de 9,8% em reais, a mesma saca passou a valer 28,3% a mais em dólar, o que diminui muito a competitividade do arroz brasileiro no mercado externo e torna o nosso mercado muito atrativo para os nossos vizinhos uruguaios, argentinos e paraguaios.

No dia 2 de março a saca de arroz em casca (50 quilos) no Rio Grande do Sul, que era cotada em R$ 29,46 pelo Cepea, com o câmbio de R$ 2,44/US$, valia 12,06 dólares, enquanto que no dia 17 de novembro o mesmo produto, com as mesmas especificações, passou a valer R$ 26,54, ou US$ 15,47, em função da alteração do câmbio de R$ 1,72/US$, com uma apreciação do real sobre o dólar.

Está sendo projetado pelo Relatório Focus, divulgado pelo Banco Central, um câmbio de R$ 1,70/US$ neste mês.

 

De acordo com as projeções da Conab, teremos uma redução de 9% dos estoques ao longo do ano, sendo projetado um estoque de passagem de 982,1 mil toneladas. Trata-se de apenas 7,6% do que é consumido no país ou o suficiente para apenas 28 dias de consumo. A posição contábil do estoque público de arroz, divulgada no dia 3 de novembro pela Conab, é de 772,7 mil toneladas, sendo que 97,3% deste volume está depositado no Rio Grande do Sul. Supondo-se que o estoque público seja mantido até o final de fevereiro, teremos apenas 209,4 mil toneladas na mão da iniciativa privada. Vale lembrar que esta projeção está sendo feita a partir de uma expectativa de exportação bastante conservadora. Provavelmente as projeções atualizadas nos próximos meses trarão uma posição de estoque de passagem ainda mais ajustada.

Para a próxima safra, os indicadores oficiais apontam para uma oferta ainda mais enxuta. No 2º Levantamento de Intenção de Plantio – Safra 2009/2010, divulgado no dia 5 de novembro pela Conab, há uma projeção de safra entre 3,3% e 4,3% menor do que o volume produzido no país em 2009. Com a intenção de cultivo de uma área praticamente similar a do ano passado, tal redução é consequência, principalmente, da expectativa de queda da produtividade no Rio Grande do Sul de 400 quilos/hectare. O Irga está estimando para o Rio Grande do Sul a intenção de plantio de 1.093 mil hectares, 1,17% a menos do que havia sido cultivado na safra anterior.

Teremos, portanto, uma safra nacional menor e aproximadamente 75% do estoque de passagem formado por arroz público. Sem dúvida alguma, em 2010 o Governo Federal terá uma influência muito grande nos rumos da comercialização da próxima safra. Quanto aos preços? Vimos que, isoladamente, a redução da produção e as baixas posições dos estoques não são mais a garantia de preços melhores, são sim fatores altistas, mas que podem ser compensados por outros fatores baixistas. Se no próximo ano o real permanecer se valorizando em relação ao dólar, haverá um incremento no ingresso do arroz do Mercosul e aumentará as dificuldades competitivas do arroz brasileiro lá fora. Isso inclusive está sendo projetado pela Conab, que aponta para a importação de 1 milhão de toneladas e a exportação de 500 mil toneladas no próximo ano comercial. Vimos ainda que os limites de alta estão sendo definidos nas negociações entre a indústria de beneficiamento e as redes varejistas. A indústria não pagará melhor o produtor se não conseguir repassar esse aumento da matéria-prima no preço do fardo.

No mercado internacional as perspectivas são de recuperação das cotações. O USDA revisou para baixo a projeção de produção mundial de arroz, em decorrência dos recentes problemas ambientais registrados principalmente nos países do Sudeste asiático. Segundo o USDA, a produção mundial do cereal deve ser de 432 milhões de toneladas (base beneficiado), representando uma redução de 3,1% em relação à safra passada. Na Índia, os americanos estimam uma redução de 16,15% na produção, indo de 99,15 milhões de toneladas para 83 milhões de toneladas. Esta deverá ser a menor safra indiana desde 1997/98. Indonésia, Vietnã, Filipinas e Paquistão também devem ter diminuições nas suas safras, devendo acumular uma produção de aproximadamente 2 milhões de toneladas a menos. Em razão das adversidades climáticas, chega-se a acreditar que poderemos ter nos próximos meses a mesma movimentação nas cotações que vimos entre 2007 e 2008, quando os preços tiveram mais de 300% de valorização. Mas agora estamos diante de uma situação diferente. Teremos uma redução da safra mundial, mas iniciaremos o ano com estoques 12,8% mais volumosos. O rumo dos preços nos próximos meses vai depender das medidas que serão tomadas pelos grandes players exportadores (Tailândia, Índia, Vietnã, Paquistão e Estados Unidos). A estratégia que a Índia, Vietnã e Paquistão vão tomar para garantir a manutenção dos preços no mercado doméstico, assim como o que farão Tailândia e os Estados Unidos para aproveitar oportunidades que surgirão, definirá o comportamento das cotações a partir de agora. Sem dúvida alguma, 2009/10 será mais um ano de comércio internacional ativo, com muitas oportunidades comerciais para o arroz brasileiro, que precisará ter preço competitivo.

Em razão desta redução da safra mundial, as posições dos agentes da cadeia produtiva de arroz são cada vez mais enxutas. Hoje a estrutura das indústrias de beneficiamento, com centros de distribuição pulverizados no território brasileiro, garante a pronta entrega com grande flexibilidade. Assim, o mercado ganha dinamismo.

 

4 Comentários

  • Primeiramente gostaria de parabenizar toda equipe da Planeta Arroz pelo excelente trabalho, levando aos operadores da cadeia produtiva do arroz informações valiosas para todos.
    Aproveito para informar que o artigo acima, publicado na última edição da revista Planeta Arroz, foi escrito no dia 11 de novembro e publicado no portal com a data do dia 03/02/11. Sugiro que seja informado junto ao título a data em que o artigo foi escrito, levando em consideração o dinamismo do mercado.
    Mais uma vez, parabéns e obrigado
    Tiago Sarmento Barata

  • com referencia ao seu artigo de 03/02/2010, meus parabens pela analise segura, firme e clara do mercado de arroz, neste momento. SOU CORRETOR DE ARROZ E ESTA É A REALIDADE QUE SE VIVE, MAS O PLANTADOR DE ARROZ, COMO SEMPRE MUITO ESPERANÇOSO DE MELHORES PREÇOS, CONTINUA QUERENDO MAIS E, NÃO ACEITA ESTAS COLOCAÇÕES, ISTO DE UMA MANEIRA GERAL, ELES NÃO ACEITAM O QUE O MERCADO APRESENTA, EM TERMOS DE PREÇOS, QUE É ISTO AI. UM ABRAÇO.

  • Vocês poderiam me enviar um prognóstico de possíveis preços, suba ou baixa, no preço do arroz em casca?
    Agradeceria a gentileza, pois estou pessimista.
    Katya Prates

  • Tambem sou corretor de Arroz mas aqui no Mato Grosso. O Produtor infelizmente não tem nenhuma estratégia comercial, segura quando esta subindo e vende quando esta caindo, não deveria ser ao contrario??

    Grande Abraço

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