Subsídios agrícolas de volta
Autoria: André Meloni Nassar*.
Teve de sair nas páginas da revista britânica The Economist o desenterro de um tema que ficou esquecido no debate internacional nos últimos cinco anos: o fato inconteste de que o setor agrícola brasileiro é dos menos subsidiados entre as grandes nações produtoras e exportadoras de alimentos, fibras e biocombustíveis
Com o monopólio, no debate internacional, do tema da sustentabilidade em bicombustíveis, e a preferência nacional pelas preocupações com o desmatamento, o artigo dos ingleses é uma boa oportunidade para trazer o assunto dos subsídios para a pauta novamente.
Com um valor da produção na casa dos US$ 100 bilhões, o Brasil é o quinto maior produtor agrícola do mundo. Pela ordem, temos a China com US$ 600 bilhões, a União Europeia com US$ 420 bilhões, os Estados Unidos com US$ 287 bilhões e a Índia com US$ 140 bilhões. O Japão vem logo após o Brasil, com US$ 90 bilhões. Países como Canadá, Rússia e Argentina, também grandes produtores agrícolas, são todos menores que o Brasil. Vê-se pela lista que, agrupando os grandes exportadores, a agricultura brasileira sobe para terceiro lugar.
Outra forma interessante e ilustrativa de verificar o tipo de agricultura que predomina em cada país é ranquear o grupo acima citado pelo critério de número de estabelecimentos rurais. Dos seis primeiros, apenas Índia e China não fizeram por completo a transição para uma economia industrial e ainda têm um contingente grande de famílias vivendo da agricultura. Enquanto o Censo Agropecuário de 2006 indica que no Brasil existem cerca de 5 milhões de estabelecimentos rurais, as pesquisas equivalentes na Índia e na China indicam 108 milhões e 210 milhões, respectivamente. Os americanos são os que apresentam o menor número, com pouco mais de 2 milhões.
Uma conta rápida dá a dimensão das diferenças estruturais que existem entre as agriculturas das regiões citadas e deixa claro a que grupo o Brasil pertence. Enquanto aqui o valor da produção por estabelecimento é de US$ 19 mil por ano, esse valor é de US$ 130 mil nos EUA, US$ 83 mil na União Europeia e US$ 31,5 mil no Japão. Não há dúvida, portanto, de que os agricultores americanos, europeus e japoneses são muito mais ricos que os brasileiros. Mas o número que me choca é outro: o valor da produção por estabelecimento na China e na Índia é de apenas US$ 2,9 mil e US$ 1,3 mil, respectivamente. Ou seja, na média, os agricultores chineses e indianos são muito pobres. Esses dados mostram que grandes contingentes vivendo no campo são sinônimo de pobreza. Por isso fico incomodado quando assisto, no horário eleitoral, à pregação de alguns candidatos contra o modelo de agricultura do Brasil, argumentando que vão distribuir "democraticamente" a terra. Minha conclusão é de que eles querem espalhar a pobreza pelo País.
O Brasil é, portanto, um dos poucos países em desenvolvimento que têm agricultura de país desenvolvido. Ou quase. Os desenvolvidos subsidiam muito os seus agricultores. O Brasil subsidia pouco. Esse fato é o que diferencia estruturalmente a agricultura do Brasil, e ele não deveria ter sido esquecido por tanto tempo.
Classificamos os subsídios aos agricultores em dois grupos: os que caem nas costas dos consumidores e os que são bancados pelo Tesouro e, portanto, utilizam dinheiro dos contribuintes. O consumidor subsidia o agricultor quando ele vive num mercado fechado. Neste caso, preços domésticos ficam mais altos que os preços internacionais e, assim, obrigam os consumidores a comprar a preços mais elevados. Os mestres em usar esse tipo de subsídios são europeus (20% do total de subsídios ainda é bancado pelo consumidor) e japoneses (70% bancado pelo consumidor).
O subsídio pago pelo contribuinte é aquele em que existe um gasto do governo com o agricultor por meio de políticas dirigidas, como é o caso da política agrícola para agricultores comerciais e familiares no Brasil. Os americanos desenvolveram o mais complexo sistema de política agrícola com subsídios pagos pelos contribuintes (95% do total). Dentre os subsídios pagos pelos contribuintes, existem os mais perniciosos ao mercado, porque incentivam o produtor a produzir mais do que faria se não houvesse o subsídio, e os que são menos danosos porque não afetam os preços – embora todo subsídio deturpe o funcionamento do mercado.
Considerando todos os tipos de subsídios concedidos aos agricultores, sem diferenciar os pagos pelos consumidores dos bancados pelos contribuintes, e incluindo na conta os mais e menos perniciosos aos mercados, a diferenciação do Brasil com relação aos EUA, à União Europeia e ao Japão é gritante. Enquanto o estabelecimento rural norte-americano recebe, em média, US$ 56 mil por ano, o europeu, US$ 27 mil e o japonês, US$ 20 mil, o brasileiro recebe US$ 1,1 mil. Calculando o total de subsídios em relação à riqueza do setor (valor da produção), encontramos 63%, 43%, 33% para Japão, EUA e União Europeia e apenas 6% para o Brasil.
No caso do subsídio por estabelecimento, os valores da China e da Índia (US$ 280 e US$ 238 por ano) são muito inferiores aos do Brasil, mas na relação subsídio total/valor da produção, chineses (9,6%) e indianos (18,2%) subsidiam mais que nosso país. Por unidade de faturamento gerado no setor agrícola, o Brasil tem o menor nível de subvenção entre os seis países analisados.
Enquanto nos demais países existe uma clara orientação de política de transferir renda das atividades urbanas para os agricultores – porque consumidor e contribuinte já moram nas cidades -, no Brasil ocorre o processo inverso. O consumidor brasileiro beneficia-se de produtos agrícolas a preços mundiais e o contribuinte não é chamado a pagar a conta dos problemas de renda do setor agrícola, como no caso dos países desenvolvidos. Não há como negar que o nosso é um modelo muito melhor. Fonte: Jornal Folha de São Paulo.
(*) André Meloni Nassar é Diretor Geral do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (ICONE).