A democratização do comércio agropecuário

Autoria: José Nei Telesca Barbosa.

Nestes tempos de enormes avanços na democracia política em que tudo pode ser livremente abordado, ainda há um setor em que vemos a necessidade de que seja bafejado pelo sopro do espírito democrático. A democracia pressupõe uma ampla participação do povo em que este pode escolher, fiscalizar ou retirar o apoio aos seus governantes. Claro está que há regras previamente estabelecidas sob o pilar supremo da Constituição Federal, embora haja desvios, há formas de controlá-los.

Noutra ponta está o comércio de produtos, insumos e equipamentos agropecuários, completamente sem transparência ou controle, tudo ao sabor do tal “mercado”. Há a exceção em poucos produtos comercializados em bolsa de mercadoria num plano internacional, como é o caso da soja. Neste produto, antes mesmo de plantar, o agricultor já tem uma idéia do valor de venda e pode comercializar parte da sua produção.

A própria soja já está sendo questionada a respeito da sua comercialização na forma bruta, em que é colhida, colocada em cima de caminhões e dali para a exportação, ficando pouca renda para os municípios de origem. Em relação aos insumos que são utilizados na lavoura, não há a obediência de regras comerciais transparentes, em vista que quanto mais sobe o preço de comercialização, mais sobe o preço dos insumos e equipamentos, permanecendo o seu motivo sob o manto do obscurantismo.

A Embrapa Trigo tomou a elogiável iniciativa em promover a discussão sobre a utilização de soja em produtos de maior valor agregado, como já fazem algumas empresas transnacionais, cooperativas do Paraná e há muito tempo fazem os chineses. O mercado do boi, do arroz e do trigo é um verdadeiro “tiro no escuro”, tanto o produtor pode acertar como “errar feio” na hora de comercializar e quando isto acontece sofre grandes prejuízos com enorme redução na receita, tendo a necessidade de elevados aportes do tesouro nacional. Na lavoura do arroz irrigado há um sistema feudal no arrendamento da terra e da água no caso de quarenta por cento dos produtores, o que é um assunto fechado e ainda visto como um fator de “mercado”.

Em 1993, escrevemos o artigo “A comercialização agrícola no tempo do fio de bigode”, sobre este tema. De lá para cá, passaram-se vinte anos e a situação pouco se modificou, ocorreu a democratização da informação, mas que ainda não trouxe a transparência ao ato comercial. São descontos descabidos, aperto na classificação, conversa mole, tergiversações, lugares-comuns, todos empregados no sentido de reduzir os preços dos produtos adquiridos dos agricultores. Em recente discussão sobre o trigo, houve a afirmação que o problema do produto não é a produtividade ou a sua qualidade de panificação, como toda hora é alegada pelos compradores e que o problema do trigo é o comércio.

Os poucos agentes de compra encontram inúmeras desculpas para depreciar o produto na safra para comprá-lo barato logo mais adiante. Em carta aberta houve o questionamento da notícia veiculada na imprensa, mas o fato merece apoio e o desagravo diante da correção da afirmação feita. Não existe publicação de índices ou de informações dos descontos praticados pelos agentes do comércio ou da agroindústria ou comentários postados por produtores que tenham sido prejudicados ou gratificados em suas praticas comerciais e de negócios, como os que existem nos magazines que comercializam produtos na internet.

O acesso a um comércio mais transparente irá elevar a renda do setor rural, aumentará os investimentos dos agricultores, haverá maior geração de emprego e renda no campo e “desacomodará” os atuais agentes de comércio. Hoje estes estão na posição tranqüila de “ganhar para trás”, estabelecendo sua margem de lucro na hora da compra do produto rural, ao invés de ganhar “para a frente” na direção do consumidor, oferecendo-lhe produtos transformados, diferenciados ou com valor agregado.

O comércio de insumos e equipamentos também está na mesma situação. São praticadas margens elevadíssimas e que são desconversadas e atribuídas a “alta carga tributária”, “a alta do dólar”, “alta do aço” para esconder as altas margens de lucro que são praticadas. Ganham na margem do produto e não na quantidade vendida. Do lado dos agricultores e das suas assessorias há a imperiosa necessidade de exercer a cidadania comercial, indignando-se, reclamando, divulgando, buscando alternativas, seja na forma individual ou através de suas lideranças.

Estas também não podem dividir-se ou ficar entre “dois corações”, exercitando apenas cargos honoríficos, tem que tomar partido da categoria, arregaçar as mangas e buscar soluções de mercado e não somente reivindicar junto ao governo. Este deve observar com equidistância, acionando seus órgãos fiscalizadores quando a situação assim exigir. Há casos em que o Ministério Público ou os demais órgãos de defesa do consumidor devem ser acionados.

Os serviços nacionais de educação comercial e de apoio empresarial devem preparar também os agricultores e não somente os comerciantes urbanos no trato das questões de compra e venda e da estruturação de estratégias comerciais. Já temos o exemplo da democracia política, que tem sido boa para todos e, seguramente, com a implantação de uma democracia comercial todos sairão ganhando. Outros artigos: josenei.blogspot.com .

2 Comentários

  • Caro José Nei!
    Li o teu artigo e confesso que não entendi o queres dizer com o termo “democracia comercial”.
    Na política sabemos que tem certos partidos e/ou políticos que usam o termo democracia para praticar exatamente a anti-democracia. Alguns representantes desta categoria, até estão presos hoje e sempre disseram estar defendendo a democracia.
    No teu artigo vejo que tu desdenhas do que entendes como “mercado”. Então pergunto: és a favor do livre mercado ou achas que deveríamos ter um sistema intervencionista onde os burocratas determinariam os rumos de nossas vidas? Nos países mais atrasados do mundo e em particular nos países que praticaram o comunismo (intervencionismo), ficou provado a ineficácia desse sistema.
    Aliás, no nosso país estamos muito mais próximos do intervencionismo do que do livre mercado. Gostaria que esclarecesses melhor o teu posicionamento a respeito.

  • Prezado Sr. Walter,
    Fico muito honrado em tê-lo como leitor. Na verdade peguei um gancho na democracia política, pois que recém estamos reaprendendo os seus meandros, como o senhor muito bem o aponta.
    No comércio tanto no de compra como no de venda, ainda estamos tateando no seu aprendizado. Comércio não tem ideologia é compra e venda mesmo. Mas não precisa ser tão desigual e tão obscuro, há pouco encontrei em um supermercado passas de uva, pela metade do preço que havia pago em outro, nesta mesma semana. Ganhar dinheiro é um direito de todos, mas só no oportunismo não dá para aguentar, temos que nos organizar para a venda e para a compra também. Citei os sites de compra na internet, em que há comentários sobre as compras efetuadas e a qualidade dos produtos e dos pós-venda. Portanto, a educação financeira e a educação comercial são metas que devemos perseguir, que a Europa já alcançou. Escrevi outro texto na Planeta Arroz: http://www.planetaarroz.com.br/site/artigos_detalhe.php?idArtigo=79
    http://www.portaldomarketing.com.br/Artigos/Mito%20dos%20Precos%20altos.htm
    http://ricamconsultoria.com.br/news/artigos/palestra_brasil_caro

    Há também vários outros articulistas e economistas que trabalham o tema, enfim, precisamos ganhar na contrução do negócio, na quantidade vendida, na inovação, no valor agregado, em produtos diferenciados e em informações claras/transparentes . Entendo que todos devemos estar atentos e trabalharmos para obter maiores ganhos nas compras e nas vendas, aumentando a produção e o consumo. Espero ter esclarecido as dúvidas e despeço-me com os votos de um Feliz Natal!

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