Muita tecnologia, pouca representatividade
Autoria: Cleiton Evandro dos Santos – Jornalista especializado em Agronegócios.
A Abertura Oficial da Colheita do Arroz, realizada no último final de semana em Alegrete (RS), apresentou um show de tecnologia. Se fosse para definir o seu melhor aspecto, sem dúvida a vitrine tecnológica, com a presença de 13 empresas e organismos de pesquisas, seria disparado o que teve de mais importante e representativo.Infelizmente, até o final da tarde da sexta-feira, apenas cerca de 500 produtores passaram pelo local, segundo pesquisadores do Irga. No sábado a frequência aumentou significativamente, mas ficou claro que a distância de Alegrete de outros centros de produção e concentração de produtores explica o baixo número de visitantes.
Entre as vitrines, destacaram-se as empresas de sementes e defensivos, as informações tecnológicas sobre o manejo de soja, milho e arroz, em rotação, e também o lançamento de novas cultivares. Sem dúvida nenhuma, as principais atenções estiveram voltadas para a líder no mercado de arroz híbrido no Brasil, a RiceTec, que não só anunciou um novo produto, com rendimento industrial muito superior ao material atualmente disponível, como também surpreendeu seus concorrentes ao informar que vai entrar no mercado de variedades convencionais e com tecnologias de ponta. Definitivamente a RiceTec caminha para abocanhar uma fatia maior do mercado de sementes no Rio Grande do Sul e Santa Catarina.
O Irga, que perdeu um grande espaço no mercado gaúcho com suas variedades nos últimos cinco anos, e a liderança incontestável de décadas, também anunciou que corre atrás projetando o lançamento de novas variedades. O Irga 424 RI, é a ponta de lança do instituto para tentar desbancar o Guri e o Puitá, do Institituto Nacional de Investigações Agrícolas da Argentina (Inta), desenvolvidos em parceria com a BASF, enquanto a administração anterior do Irga fechava as portas para a multinacional. Na próxima safra, a tecnologia RI, também conhecida por “segunda geração de CL”, terá sementes para alcançar 500 mil hectares. No mínimo.
A Embrapa também está retomando sua importância no mercado de sementes. Hoje, com algo perto de 5% deste mercado com suas variedades, lançou a BRS Pampeira, variedade com alto percentual de grãos inteiros e renda no engenho, além de um comportamento agronômico superior, com resistência a doenças. A variedade deve evoluir para a tecnologia CL e RI, dentro de uma nova filosofia adotada pela Embrapa, em parceria com empresas privadas. Hoje, o produtor quer esta tecnologia pela facilidade de operar, então não há mais como as empresas abrirem mão de produzirem variedades focadas nesta tecnologia.
Algumas palestras também foram muito representativas, como a do diretor técnico do Irga, Maurício Fischer, que foi muito eficiente na apresentação dos caminhos tecnológicos que o arroz gaúcho deve percorrer. Infelizmente, a apresentação restou prejudicada por conta do pequeno espaço de tempo (30 minutos) e da programação extensa que precisava cumprir horários. Outro destaque foi a palestra do produtor e consultor Jorge Verde, de Minas Gerais, especialista em soja, convidado da Bayer. Verde não só demonstrou ser um profundo conhecedor, mas ter o dom de transmitir conhecimento de forma facilmente assimilável, um técnico que fala o idioma dos produtores.
EXPOSIÇÂO
O espaço destinado à exposição de máquinas, equipamentos e estandes de patrocinadores aproveitou as excelentes acomodações do Parque de Exposições Doutor Lauro Dornelles, do Sindicato Rural de Alegrete. Provavelmente, foi um dos espaços com melhor infraestrutura que a Abertura da Colheita do Arroz já aconteceu. Tanto em termos de prédios, quanto de espaços externos, com muita sombra, ruas as faltadas, ótimo espaço para estacionamento. A área de comunicação funcionou perfeitamente e soube diagnosticar que, se a frequência de público não seria alta pela distância, isso poderia ser parcialmente suprido pela presença da imprensa. Assim a Federarroz pagou hospedagem e transporte para jornalistas da capital.
POLÍTICA
Porém, do ponto de vista político, o evento deixou a desejar. Não pelos esforços dos organizadores, mas pela fraca presença de representantes governamentais. Mais uma vez, a presença de ministros e do governador do Estado, não aconteceu. As autoridades mais representativas no evento se resumiram ao secretário de Política Agrícola, André Nassar, que já foi consultor do Irga quando trabalhava no Instituto Ícone, o sempre presente secretário de cooperativismo, Caio Rocha, o vice-governador Cairoli, e a senadora Ana Amélia Lemos.
Do ponto de vista do setor, a reunião da Câmara Nacional Setorial do Arroz, teve uma reunião produtiva, com uma apresentação técnica do economista-chefe da Farsul, Antônio da Luz, muito esclarecedora sobre o mercado, e o envio de pedidos ao governo para resolver a situação dos produtores afetados pelas enchentes, o endividamento, a cobertura do seguro agrícola e reduzir o nível de exigência das garantias para o pré-custeio.
O presidente da Câmara, Francisco Schardong, surpreendeu ao colocar o dedo em uma ferida jamais cicatrizada da orizicultura gaúcha, e questionar o presidente do Irga, Guinter Frantz, se o Instituto tem condições de fazer frente aos desafios da orizicultura e cumprir seu orçamento, uma vez que o Governo do Estado tem recolhido os recursos da Contribuição para o Desenvolvimento da Orizicultura (CDO) para o buraco negro do Caixa Único da Fazenda Estadual.
Frantz respondeu que o Conselho do Irga vem reagindo aos cortes e ampliando a exigência de que o Estado cumpra o previsto – o repasse dos recursos ao Irga, mas reconheceu que há grandes dificuldades de cumprir o orçamento, especialmente na parte de investimentos, uma vez que o Estado encontra-se em grandes dificuldades financeiras, como é de conhecimento público.
Schardong ainda cobrou de cada representante estadual uma posição sobre a safra e o mercado, o que gerou boas discussões e permitiu estabelecer um panorama mais claro do que cada segmentos espera de 2016. Depois a reunião se perdeu nas homenagens, pelos integrantes da Câmara Setorial, aos amigos presentes na plateia, e foi encerrada.
SENADO
A Sessão Especial da Comissão da Agricultura do Senado da República, que deveria ser um dos grandes momentos do evento, ficou muito aquém da expectativa. Além de só ter a senadora proponente presente, Ana Amélia Lemos (PP/RS), dos 34 senadores que a integram, não trouxe novidades.
Ana Amélia já tem o conhecimento dos problemas do setor por meio de inúmeras audiências e documentos entregues a ela. A Audiência Pública resumiu-se a diversas manifestações individuais sem conexão e o encaminhamento das mesmas demandas que já foram encaminhadas ao governo em outras reuniões, via Câmara Setorial do Arroz – que tem acesso direto ao Ministério da Agricultura.
Os discursos foram repetitivos e o tema central, que era a Guerra Fiscal entre os estados, foi apresentado de forma imprecisa, sem a base legal e clareza nos caminhos que podem ser seguidos para efetivamente resolver a questão em favor dos produtores.
Conversando com representantes de Minas Gerais e São Paulo na Câmara Setorial, estados que praticam alíquota zero de ICMS para importação, rapidamente obtive a resposta de que eles entendem que o governo federal não pode interferir na gestão da política tributária dos Estados, apenas sugerir alterações. Uma medida unilateral teria outros efeitos. Entendem que a União teria mais a perder do que a ganhar com isso, e que o Rio Grande do Sul deve buscar, também, desoneração fiscal para ampliar sua competitividade.
Um fato curioso é que na reunião estava o deputado Frederico Antunes, que há alguns anos se desligou da função como secretário de Estado, para, na condição de deputado estadual, garantir seu voto e a vitória de um projeto que determinava o aumento de impostos estaduais. E que aumentou os custos de produção da agricultura. Inclusive da lavoura orizícola, onde eventualmente ele surge como representante. Ele se manifestou contrário à guerra fiscal.
O grande momento da Audiência Pública foi o comprometimento do secretário de Política Agrícola André Nassar de levar o tema para discussão com outros ministérios, uma vez que o MAPA não tem ingerência direta no assunto. Seria algo como pedir que o Ministério da Fazenda interfira no zoneamento agroclimático. Mas, dada à relevância da agricultura para a economia nacional, e o bom trânsito dos seus representantes, ele acredita que é possível abrir o diálogo de forma produtiva com outros segmentos governamentais.
Restou uma tarde, como dizem no próprio Alegrete, "no melhor estilo tosa de porco: muito grito, mas pouca lã. Ou seja, muitos discursos, muitos pedidos, muitas promessas, mas, de prático: novo pedido ao governo para estudar a possibilidade de, em havendo condições, buscar uma forma de talvez, se possível, reduzir as eventuais discrepâncias geradas – especialmente sobre produtos da cesta básica – pela guerra fiscal entre os estados.
Trocando em miúdos, que os outros estados – que não produzem arroz de forma significativa – parem de desonerar seus grãos porque o Rio Grande do Sul depende dessa tributação para fazer frente às despesas e não pode concorrer com este “barateamento artificial” das importações.
FINAIS
Nos discursos finais, no sábado, o presidente da Federarroz, Henrique Dornelles, mostrou-se bastante lógico, eficiente e direto nas demandas arrozeiras, indicando pontualmente cada uma delas e dirigindo-se ao setor competente. Porém, a audiência era formada principalmente por “representantes” das pessoas que decidem. E não pelos responsáveis pelas decisões. O Irga, principal patrocinador, não teve acesso ao pronunciamento, uma vez que já falavam pelo Estado, o secretário Ernani Polo, que basicamente repetiu o discurso da busca de solução para o endividamento, e o vice-governador José Paulo Dornelles Cairoli, também se manifestou. Então, a parte técnica, ponto altíssimo do evento, restou sem manifestação.
Diante da cobrança da Federarroz da observação do repasse dos recursos da CDO ao Irga, Cairoli fez ouvidos de mercador, mas respondeu espertamente – em outras palavras – que o governo já nomeou para a presidência e diretoria do Irga os nomes indicados pela federação, como a compartilhar a responsabilidade pelos destinos não só do instituto, mas da gestão dos recursos.
Um analista político diria que Cairoli foi perfeito, desviando-se de qualquer responsabilidade e compartilhando-a com a classe produtora.
Ele lembrou, novamente, a penúria do Estado e o esforço para reduzir custos, colocar as contas em dia e ampliar a arrecadação – o que inclui a alta da tributação que envolve um aumento de 10% sobre o ICMS do arroz e maior ainda sobre insumos como combustíveis, fertilizantes, energia, etc…, com evidente interferência nos custos de produção. Um dia após o setor discutir a guerra fiscal, o aumento de impostos por parte do governo do Estado, estranhamente, não entrou na pauta.
Mas, Cairoli garantiu que a Secretaria da Agricultura e o Irga estão aptos a dar o apoio necessário ao setor. O que, talvez para ele seja novidade, mas a cadeia produtiva tem conhecimento há décadas. O que se queria ouvir, que é a garantia do aporte de recursos para que o Irga assegure estas ações demandadas pelo setor, ninguém disse.
A boa notícia final é a de que em 2017 a Abertura da Colheita deve voltar a ocorrer em Cachoeirinha, sob responsabilidade do Irga, que somente em patrocínio investiu R$ 300 mil em Alegrete. A Estação Experimental do Arroz (EEA/IRGA) foi responsável por duas das maiores aberturas já realizadas em termos de presença de público, aporte de participantes, patrocinadores, expositores e tecnologias.
O assunto, no entanto, vem tendo pouca divulgação por dois motivos. Faltam acertar alguns detalhes formais e, em 2017, o Irga também terá que organizar o Congresso Brasileiro do Arroz Irrigado, poucos meses depois da Abertura o que envolve pessoal e recursos financeiros, o que demanda um ajuste fino na logística. E agora o Irga precisa se preocupar com seu Dia de Campo Estadual, que é na próxima semana.
4 Comentários
Resumo: para quem quem não quer ouvir ou melhor ler, o RGS quebrado onera ainda mais o produtor de arroz, pois o governo estadual mais do que nunca precisa do ICMS gerado pelo arroz.
É mole ou querem mais ? e ainda aparecem idiotas de outros estados criticando os cometários dos sofridos produtores.
Se eu não me engano, já ouvi estes assuntos diversas vezes. Por isso, também serei repetitivo. Muita energia dispendida. Muita aficiência. Porém nenhuma eficácia, dos segmentos da CADEIA PRODUTIVA DO ARROZ. E o produtor,…….
Precisamos de renda, renda só teremos quando reajustarmos o preço do arroz, sobe tudo e arroz estagnado, não queremos renegociar dividas e criar novas queremos ter renda para não viver de esmolas do governo, arroz com preço justo todo mundo ganha, governo arrecada impostos e nós pagamos nossas contas
Diego, estou contigo, precisamos renda, sem renda nosso negócio é inviável, não tem sustentabilidade, vai acabar com a produção de arroz no RS, o arroz quando dava renda ajudou o progresso da metade sul, hoje distribui miséria. A intervenção danosa do cartel em 1999/2000 provocou a perda de renda do produtor, propiciou ao varejo a oportunidade de grandes ganhos na venda do arroz, coisa que não tinham até essa data. Dificilmente conseguiremos ter ganho novamente. Somente através de uma política governamental de garantia de um preço mínimo justo conseguiremos reverter a situação. Acredito que a compra através de AGF pelo governo seria a solução. O dinheiro seria facilmente coberto com a arrecadação de impostos gerados pela garantia de preços, vejam hoje cada produtor esta deixando de ganhar R$20,00 por saca ou mais se tomarmos os preços históricos do arroz ou corrigindo os seus preços. Produzimos perto de 175 milhões de sacas, multiplicando por 20 teriamos 3,5 bilhões de reais que circulando na economia equivaleria a 17,5 bilhões de reais circulando na metade sul, o fator de multiplicação na metade sul seria 5x. A arrecadção adicional de impostos, levando em conta 40% que governos arrecadam teríamos 7 bilhões adicionais em impostos para o governo. Esse dinheiro seria mais que suficiente para comprar mais da metade de nossa produção a um preço de 60 reais a saca. Isso faria o mercado comprar a um preço que de lucro ao produtor. No Mercosul teríamos de elevar a PEC de maneira a não permitir que o arroz do Paraguai jogue o preço para baixo. Se isso não for feito a cultura do arroz está condenada, está na UTI moribunda, vai desaparecer como desapareceram os dinossauros, ninguém consegue produzir no vermelho anos a fio. Logicamente que o cartel deveria ser combatido, lei contra cartel existe, qualquer escuta da Federal provaria a existência do cartel. Como cartelização é crime não restaria outra saída que o enquadramento dele nas penalidades da lei. Não é só contra a Dilma e o PT que lutamos, muita coisa precisa mudar neste país.