Arroz e trigo: relações de valores agrícolas e industriais
Autoria: Lucilio Alves – Professor – Esalq/USP.
Aumentar a oferta de dois alimentos básicos da população brasileira – arroz e trigo – de forma economicamente sustentável é um sério desafio. Os dois cultivos, um de verão e outro de inverno, ocupam cerca de quatro milhões de hectares no Brasil atualmente, sendo que, em 2005, chegaram a ocupar cerca de seis milhões de hectares. Ambos são substitutos no consumo em vários segmentos, assim como em períodos de alteração da renda da população.
Enquanto a produção e o valor da produção agrícola oscilam, a depender dos investimentos realizados por produtores, do melhoramento genético, das condições climáticas, dos preços de mercado, entre outros aspectos, o segmento industrial, especialmente de trigo, parece que está conseguindo ter resultados mais satisfatórios. A grande questão é: como manter a sustentabilidade da cadeia produtiva como um todo?
No mercado de arroz, a maior oferta nacional agrícola foi observada em 2010/11, segundo dados da Conab. A segunda maior, por sua vez, foi registrada em 2004/05. A oferta de 2016/17 ficou 10,4% menor que a de 2004/05, pressionada pela forte redução de 50% da área. A situação só não foi pior porque a produtividade cresceu mais de 80% neste período. A cultura perdeu área em todas as grandes regiões brasileiras, com exceção do Sul.
Segundo dados do IBGE, o valor da produção agrícola de arroz passou de R$ 9,7 bilhões em 2005, para R$ 9,9 bilhões em 2014 – últimos dados disponíveis (deflacionados pelo IGP-DI, base 2016 = 1,00). Enquanto isso, na parte industrial de “beneficiamento de arroz e fabricação de produtos do arroz” (Cnae – Classificação Nacional de Atividades Econômicas – 1061), o valor dos produtos industriais de arroz passou de R$ 8,3 bilhões em 2005, para R$ 12,2 bilhões em 2014. Assim, enquanto o valor da produção agrícola subiu apenas 1,6%, o valor da produção industrial aumentou expressivos 46,4%. Importante também destacar que, neste período, o consumo interno decresceu. Foi necessário buscar novos mercados via exportação. Além disso, o lançamento de novas versões de arroz, incluindo o parboilizado integral e versões semiprontas com temperos e ingredientes, favoreceu a geração de renda no setor industrial –, mas não necessariamente melhorou a margem de receita. Nos 10 anos (2005 a 2014) aqui analisados, o valor da produção industrial ficou, em média, 14,3% maior que o valor da produção agrícola.
Valendo-se de dados do IBGE, ao desagregar o Cnae 1061, entre 2005 e 2014, destacam-se os crescimentos dos valores da produção para: a) alimentos à base de arroz ou de flocos de arroz – obtidos por expansão, torrefação, pré-cozimento, etc (alta de 321,5% no período); b) arroz integral (elevação de 263,5%); e, c) serviços relacionados ao beneficiamento de arroz (aumento de 147,5%).
Quanto ao setor de trigo, observa-se que a produção agrícola teve média de 5,1 milhões de toneladas entre 2005 e 2016, mas oscilou entre 2,2 milhões de toneladas (2006) e 6,7 milhões de toneladas (2016). No mesmo período, a produtividade média foi de 2,3 t/ha, variando de 1,27 t/ha (2006) a 3,17 t/ha (2016). A área ocupada com a cultura ficou, em média, perto de 2,2 milhões de hectares, tendo tido a menor área em 2005 (1,76 milhão de hectares) e a maior, em 2014 (2,76 milhões de hectares). As discrepâncias entre os valores mínimos e máximos de área, de produtividade e de produção dão um indicativo, inclusive, dos riscos envolvidos com a cultura, também sinalizando a necessidade de definições de políticas públicas de sustentação a produção.
A oferta brasileira de trigo representa menos da metade do consumo interno. Isto justifica as diferenças nos valores das produções agrícola e industrial. De 2005 a 2014, dados do IBGE mostram que o valor da produção agrícola teve média de R$ 3,4 bilhões, oscilando entre R$ 1,9 bilhão (2006) e R$ 4,7 bilhões (2013) – deflacionados para 2016, com base no IGP-DI. Por outro lado, o valor da produção industrial teve média de R$ 13,04 bilhões no mesmo período, ficando entre o mínimo de R$ 10,4 bilhões (em 2005) e o máximo, de R$ 16 bilhões (em 2014). Em média, o valor da produção industrial ficou 281% superior ao da produção agrícola.
O setor industrial de trigo também buscou agregação de valor aos derivados de trigo. Ao analisar os grupos de produtos do Cnae 1062, observa-se que, entre 2005 e 2014, houve crescimento no valor da produção em: a) “alimentos à base de trigo ou de flocos de trigo (obtidos por expansão, torrefação, pré-cozimento, etc), inclusive trigo para quibe” (210%); b) “misturas em pó para massas, para o preparo de bolos, tortas, preparações salgadas, etc.” (127%); c) “serviço de moagem de trigo e serviços relacionados” (111%); e, d) “farelos e outros resíduos de trigo” (88%).
No campo agrícola, tanto de arroz quanto de trigo, há outros desafios. Em termos de custos de produção, no caso de arroz não é incomum receita ficar inferior aos custos totais de produção e, em vários casos, menor até que os custos operacionais. No caso do trigo, a situação é ainda mais desesperadora: é quase incomum a receita gerada superar os custos de produção; na maioria dos anos, não cobre nem os custos operacionais. Em algumas safras, como 2009/10, o governo chegou a apoiar a comercialização de quase 3/4 da produção, no intuito de sustentar a renda do produtor.
Por não se gerar receita suficiente para arcar com os custos totais, certamente a sustentabilidade do produtor fica prejudicada, diante da incapacidade de repor os investimentos em imobilizados e/ou de efetuar novos investimentos. Portanto, para as duas cadeias agroindustriais, especialmente na produção agrícola, há necessidade urgente de definições de políticas públicas, visando definir qual o rumo que se deseja para os próximos anos.
Para a cadeia produtiva do arroz, é baixa a diferença entre o valor das produções agrícola e industrial. Com consumo em queda, a situação pode se complicar ao longo dos próximos anos. No caso do trigo, a dependência da importação é expressiva e a rentabilidade agrícola, baixa. É possível dinamizar a produção interna, a preços competitivos? Quais políticas seriam necessárias? Ou admite-se que a importação é a melhor alternativa? Neste caso, qual a alternativa para produtores da região Sul, em que outros cultivos comerciais também se mostram pouco rentáveis?