Os principais problemas da lavoura de arroz

Autoria: José Nei Telesca Barbosa – Engenheiro Agrônomo, Advogado e Filósofo .

 Tendo vivenciado a problemática a partir de 1987, analisamos e escrevemos textos que foram publicados na imprensa especializada e, mais tarde, através de palestras e do uso da internet o tema difundiu-se para todo o país, tornando-o de amplo conhecimento. Inobstante toda divulgação dada notamos que o tema continua em pauta, tendo levado muitos produtores a clamar por solução, como no caso de um vídeo recente divulgador por um líder classista. São os seguintes, os principais problemas:

1) VALOR DO ARRENDAMENTO DA TERRA E DA ÁGUA: Estes dois itens devem ser analisados de forma conjunta e representam um grande problema para 39,7% dos plantadores de arroz do RS. O custo destes itens mostra variação conforme a região estudada, mas que pode atribuir-se um custo médio de 25% da produção obtida. Numa produtividade média de 140 sacos ou 7.000 quilos por hectare, tem-se que é repassado ao dono da terra a título de pagamento 35 sacos por hectare.

Como o proprietário não participa com nenhum insumo ou serviço pode-se afirmar que, juntamente com os 35 sacos estão indo juntos outros 24,5 sacos por hectare equivalente a 70% de custo de produção dos 35 sacos que estão sendo entregues, isto sem contar a secagem, limpeza e fretes até o armazém estipulado no contrato. O plantador que está suportando este custo de 59,5 sacos por hectare (35 + 24,5 ou 2.975 kh/ha), não estará “colhendo” os 7.000 kg/ha e sim 4.025 kg/ha, pois 2.975 foram destinados ao proprietário da terra e água.

2) MONOCULTURA: A diversificação da cultura do arroz com outras atividades agrícolas ou pecuárias tem avançado bastante, mas ainda apresenta dificuldades decorrentes do tipo de solo, domínio da tecnologia de cultivo e, especialmente do contrato de arrendamento não ser efetivado num sistema de “porteira fechada” e num prazo compatível com os investimentos necessários.

3) COMERCIALIZAÇÃO:
I – DECOMPOSIÇÃO DO CUSTO DO ARROZ EM CASCA PARA ARROZ BENEFICIADO: Neste item tem-se um dos grandes problemas do setor, visto que a mesma se processa ainda no sistema da venda em casca, não ficando estabelecido de forma clara o efetivo rendimento do correspondente em grão descascado e seus subprodutos gerados no processo do beneficiamento. O conhecimento deste meandro por parte do produtor lhe daria maiores condições de negociação com o engenho, com atacadistas ou supermercados, podendo até mesmo apropriar-se deste processo e modificar o padrão da venda do arroz em casca para arroz beneficiado tipo 1.

Desta forma ter-se-ia a valoração dos grãos inteiros, quebrados, quirera e farelo ou o aproveitamento dos subprodutos para a criação de animais na propriedade. Atribuindo-se uma renda do benefício de 71kg de arroz, 8kg de farelo e 21kg de casca em 100 kg de arroz in natura e um Rendimento de engenho de 64 kg de arroz inteiro, 3,8 de quebrados grandes e 3,2 de quirera, teríamos os seguintes valores a apurar: 64 kg x 1,56/kg beneficiado = R$ 99,84 3,8 canjicão x 0,96/kg = R$ 3,64 3,2 quirera x 0,70/kg = R$ 2,24 Valor total apurado = R$ 105,72 Equivalência 1 saco casca = R$ 52,86 (105,72 dividido por 2).

Observações:

a) Preço referência do arroz em casca www.planetaarroz.com.br posto Pelotas 47,00/saco – 2,00/frete = R$ 45,00 ou menos 7,86 ou 14,86%.
b) Preço de referência do beneficiado tipo 1 em Porto Alegre, mesma fonte, R$ 94,00/60 kg.
c) Considera-se que o farelo paga o custo do beneficiamento.

II – BAIXO VALOR AGREGADO: O arroz beneficiado deveria ser examinado por especialistas em marketing de modo a encontrar alternativas para o seu principal problema de preço limitado pelo consumidor:
a) A sua forma de apresentação no saquinho plástico já perdura por cerca de cinquenta anos, fazendo com que o preço no supermercado seja do completo conhecimento do consumidor. Qualquer modificação no preço, mesmo sendo considerado um produto barato, já traz a insatisfação dos consumidores e sua manifestação frente aos organismos de controle de preço.
b) Embora já tendo alguns resultados diante do trabalho realizado para a diversificação de usos do arroz, através de farinhas, massas, snacks, pão, biscoitos, bolachas, cervejas, ração pet etc., há ainda um largo espaço a ser percorrido pelos atuais engenhos para tirar o arroz de uma destinação somente para “a panela”.
A transformação dos engenhos em efetivas indústrias de alimentos, poderá trazer maior renda para o setor, sem descuidar do valente e guerreiro saquinho.
c) A visão do engenho ainda permanece no período antigo, qual seja o de manter a margem de lucro sobre o produtor num sistema que se pode chamar “ganhar para trás” e não “para frente” na cadeia agroalimentar ou sobre o consumidor, ávido por novos produtos e inovações. Hoje ainda é mantida a estratégia secular de comercialização “do comprar barato para vender barato”.

III – NOVAS FORMAS DE COMERCIALIZAÇÃO:
a)
Incentivar o produtor a vender o produto já beneficiado diretamente aos atacadistas, supermercados ou cozinhas indústriais, aproveitando as margens à frente e o uso dos subprodutos na propriedade rural ou comercializando para terceiros.
b) Modificar o padrão de venda do arroz em casca para o de arroz beneficiado Tipo 1 em que seja valorizado o efetivo arroz entregue e, se destinado a parboilização, seja valorizado a efetiva quantia de arroz aproveitada pelo engenho e não após aplicado os descontos, seja o arroz gelatinizado e aproveitado ao final na sua maioria como arroz inteiro.
c) A alternativa da venda do arroz no padrão já beneficiado propiciará a fixação de preço com base num percentual da venda na gôndola do supermercado, em vista que neste local a variação é muito pequena durante o ano todo.

IV – ORGANIZAÇÃO DOS PRODUTORES: As entidades de pesquisa e assistência não devem somente trabalhar o aumento da produção e da produtividade como tem feito até hoje. Devem promover reuniões sobre custos de produção, análise financeira, alianças entre produtores para compra de insumos, venda da produção, secagem, armazenagem e beneficiamento.

V – CRÉDITO À PRODUÇÃO: Há um percentual elevado de produtores que estão à margem do financiamento de custeio pelo crédito oficial e se valem do crédito fornecido pelas tradings de compra da produção ou da venda dos insumos. Tais recursos hoje são fornecidos a um custo de 2,0 a 2,5% ao mês. Além do custo elevado, o prazo dado pelas empresas tem o seu vencimento fixado para a época da colheita em que os preços do arroz encontram-se muito deprimidos diante do que se chama “boca da safra”.

Para o disciplinamento deste mercado tem que haver intervenção federal, visto que por se tratar de um crédito à produção primária o custo deveria ser equivalente ao Crédito Rural ou no máximo a taxa SELIC, sob pena de caracterizar-se como usura e geradora de enriquecimento sem causa. De tanto sobrevir esta lucrativa modalidade de financiamento, o agente financiador passou a ter maior interesse na sua aplicação do que efetivamente na sua atividade fim, qual seja a venda de insumos ou a aquisição da produção.

2 Comentários

  • Muito bem sr José Nei, análise bem focada na fase primária da cadeia do arroz.
    Os números apresentados estão bem dentro da realidade em que vivem os produtores arrendatários e os excluídos do crédito oficial.
    Síntese objetiva dentro da realidade em que vivem grande parte dos orizicultores gaúchos, ou seja, quem não se deu por conta desta difícil situação, estão aí expostos os números que comprovam que a atividade está há muito tempo em colapso, para quem arrenda o solo e a água para produzir o arroz nosso de cada dia. Abordagem muito oportuna, em um momento adequado para reflexão de nossos sofridos produtores.

  • Boa análise. Infelizmente a maioria dos produtores não lêem isso, nem tem acesso a este texto.

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