Aposta de valor

 Aposta de valor

Lavoura arcaica: apesar dos riscos, experiência teve sucesso produtivo em Dona Francisca

Arroz sem defensivos chega ao seu maior teste de mercado

O ano de 2023 traz à região central gaúcha a concretização, em maior escala, do projeto de produção de arroz sem uso de defensivos químicos. A primeira colheita em escala significativa, 3.970 sacas de 50 quilos em 22,1 hectares por seis arrozeiros de Dona Francisca (RS), aconteceu na safra 2022/23, mas somente em novembro será processada na Cooperativa Agrícola Mista Nova Palma LTDA. (Camnpal). Foi preciso adquirir um “engenho” para garantir segregação no processo. Na
temporada 2023/24, o projeto enfrenta as dificuldades climáticas.

O programa encontrou suporte técnico em 2016 no Grupo de Pesquisas em Arroz Irrigado e Uso Alternativo das Várzeas da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), do professor Enio Marchesan. “Começou no sistema orgânico para avaliar
dificuldades e potencialidades de sistemas alternativos ao método convencional”, explicou. Como o segmento não tem escala de produção, há um esforço em identificar alternativas para manter os produtores no sistema pelo cultivo de tipos especiais de arroz e maior valor agregado.

“Atenderá consumidores que desejam um grão em que não tenha sido aplicado defensivo ‘químico’, seja por segurança, preocupação com o ambiente ou outra concepção”, registrou.

Marchesan fez uma ressalva: “É importante esclarecer, que, seguindo as orientações da pesquisa, o sistema de convencional de produção de arroz  utilizado no RS proporciona produto de ótima qualidade para ser consumido. Trabalho recente conduzido pelo Gpai, visando avaliar resíduos de fungicidas e inseticidas em grão de arroz, comprova a afirmação”, enfatizou.

No sistema orgânico é proibido o uso de fertilizantes, como ureia, usados em lavouras convencionais, e também de herbicidas, inseticidas e fungicidas. “Com fertilizantes disponíveis na região, não conseguimos boa produtividades, comprometendo a rentabilidade do sistema agroecológico.

Na lavoura sem defensivos, utiliza-se os mesmos fertilizantes das lavouras comerciais, mas não herbicidas, inseticidas e fungicidas”.

FIQUE DE OLHO
A proposta tem parceria com o Colégio Politécnico da UFSM, representado pelo professor Gustavo Pinto da Silva, a Emater/RS, pelo assistente técnico regional Luis Fernando Oliveira, a Cooperativa Agrícola Mista Nova Palma LTDA.
(Camnpal) na parte técnica, com o agrônomo José Mário Tagliapietra, e o Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga), pela agrônoma Débora Mostardeiro Pontelli. Outras instituições e empresas se somam ao projeto.

Em busca de alternativas

A Camnpal participa do programa de produção de arroz sem uso de defensivos em função da credibilidade de instituições e pessoas envolvidas e pelo seu compromisso com o desenvolvimento regional. Assim, o presidente Claudimir Piccin define o apoio ao projeto.

“O trabalho visa preparar o produtor e a cooperativa para o cultivo de arrozes especiais”, explicou.

Bastiani: reduzir custos

O associado Ademar Bastiani é um dos participantes. “Os custos e a vontade de buscar alternativa ao uso de defensivos gerou a oportunidade de participar do projeto com a cooperativa e a UFSM, e isso nos traz mais conhecimento. E podendo
agregar um pouco mais de valor, é melhor”, reconheceu.

Cuidados recomendados no sistema

De E para D: Gustavo Pinto, Luís Oliveira, Enio Marchesan, Ademar Bastiani e Tagliapietra

Cuidados recomendados no sistema
1  – A adequação da área para entrar no sistema é ponto-chave.
2 – Planejamento: a irrigação na hora certa também define o resultado do controle de plantas daninhas, mas eleva custos com a necessidade de adequação da área.
3 – A redução do banco de sementes é decisiva para que a água complete o controle e se tenha baixa pressão de invasoras.
4 – É preciso limpar o entorno, canais de irrigação, drenagem e estradas para evitar pontos de multiplicação de plantas daninhas, pragas ou doenças próximo à lavoura.
5 – O controle de plantas daninhas é feito com a irrigação. Pode-se utilizar o sistema pré-germinado. No “seco”, antecipa-se o estabelecimento da lâmina de água.
6 – Lâmina uniforme, com perfeito nivelamento da superfície e controle de irrigação.
7 – Variedades resistentes é a maneira de prevenir doenças na lavoura.
8 – Pragas preocupam, em especial, em caso de surto específico em níveis de dano.
9 – Sistemas sem aplicação de defensivos devem dispor de produtos biológicos à disposição para evitar perdas.
10 – A assistência técnica presente é fundamental por ser um sistema diferente do usual.
11 – Capacitação dos recursos humanos para dar a planta o que ela precisa, no momento de maior resposta, mas o 100% da lavoura é o grande desafio.
Fonte: Enio Marchesan – Gpai/UFSM

QUESTÃO BÁSICA
O arroz de produção nacional que chega aos pratos brasileiros é seguro, limpo e apto ao consumo. Inspecionado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) há mais de 10 anos com testagens crescentes, jamais foi verificada a existência de resíduos em níveis proibidos no grão. Os defensivos utilizados são controlados por lei e cumprem regras de carência e observância de formulações. Muitas indústrias testam o cereal para resíduos durante o beneficiamento. 

Escolha da área é ponto inicia

Moisés Prochnow é um dos participantes do projeto de produção de arroz sem defensivos

Para alcançar média de nove toneladas por hectare, os seis produtores que integram o projeto de produção de arroz sem uso de defensivos contaram com a ajuda do clima favorável na temporada 2022/23 para quem tinha disponibilidade de água
de irrigação. O engenheiro agrônomo da Camnpal, José Mário Tagliapietra, explicou que os agricultores escolheram áreas favorecidas com boa fertilidade, baixa incidência de arroz vermelho e que foram mantidas muito limpas em função do uso da capinadeira e da catação manual. “É um cultivo de maior risco, mas não houve danos preocupantes causados por insetos
ou doenças”, reconheceu.

Os arrozeiros semearam tarde para eliminar camadas de arroz vermelho do banco de sementes. As variedades utilizadas são a BRS Pampa CL e a IRGA 431 CL, inoculadas com defensivo biológico, e isso garantiu maior sanidade, com resistência às doenças fúngicas, produtividade e boa qualidade de grãos. A boa condição de irrigação foi fundamental para o desenvolvimento das lavouras e o manejo de pragas e invasoras também.

Por fim, o fato de se tratar de lavouras pequenas, quase no quintal do produtor, o acompanhamento diário foi fundamental. “Me parece que o comprometimento do agricultor com o projeto foi o grande diferencial”, reconheceu Tagliapietra. O projeto integra diferentes áreas  do conhecimento, como manejo da cultura, fertilidade de solos, extensão rural, da biologia e dos bioinsumos, até o abastecimento da economia e da construção de mercados e públicos. “Estas áreas, quando trabalham de forma integrada, atendem de forma detalhada e sistêmica os desafios enfrentados na cadeia produtiva do arroz”, explicou o professor Gustavo Pinto da Silva, do Colégio Politécnico da UFSM e que coordena a feira de produtores que vende o arroz.

As pesquisas também auxiliam para avanços no sistema de arroz convencional, através da melhoria e precisão das práticas de manejo adotadas. Luís Fernando Oliveira, assistente técnico regional da Emater/RS, entende que a condução da lavoura
sem uso de químicos tem que estar aliada a uma série de manejos diferenciados para obtenção de bons resultados, tais como o manejo integrado de pragas, quando se busca potencializar a ação da comunidade biológica e o controle natural das
pragas e doenças. Após a validação dos processos e análise, a ideia é buscar uma produção estável, em altos patamares de produtividade, evoluir  nos controles biológicos, fortalecimento dos grupos de pesquisas para melhorar a resposta a algumas situações, como o desenvolvimento de pragas, doenças e plantas daninhas.  É preciso, também, quantificar as entradas e as saídas do sistema em termos e energia, avaliando a eficiência, técnica, econômica e energética.

FIQUE DE OLHO
O Rio Grande do Sul é o maior produtor de arroz orgânico das Américas, segundo o Irga, semeando 3,2 mil hectares e colhendo 15 mil toneladas de arroz na temporada 2022/23. A área representa apenas 0,4% da superfície semeada no estado e, a produção, apenas 0,2%. A produtividade do orgânico, em boa temporada, fica em torno de 4,7 mil quilos por hectare, contra média superior a 8,2 mil quilos do sistema convencional. Além de abastecer a demanda interna, crescente, o orgânico brasileiro é exportado para pelo menos 10 países.

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