“Sem amparo, revolucionamos a rizicultura. Imagine se nos dão segurança para produzir”

 “Sem amparo, revolucionamos a rizicultura. Imagine se nos dão segurança para produzir”

Aos 59 anos, o engenheiro agrônomo, produtor rural e filho de arrozeiro em Santa Vitória do Palmar, no extremo Sul brasileiro, Denis Dias Nunes chegou ao auge de sua carreira na política setorial ao assumir, no início de julho, a presidência da Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz). Nunes iniciou as atividades como agrônomo na Agropecuária Rancho Grande, em 1991, em Santa Vitória, onde trabalhou por 11 anos antes de abrir um escritório de assistência técnica. Em 2003, começou a trajetória de produtor. Em 2007, formou um condomínio com quatro produtores, a Agroriza Agricultura e Pecuária, que já conta com 18 anos de atuação. Denis Dias Nunes é o nosso entrevistado especial desta edição.

Planeta Arroz – O senhor já tinha experiência em política setorial?
Denis Nunes – “Sim, fui diretor da Regional Zona Sul da Federarroz. Também presidi a Associação dos Agrônomos; da Associação dos Arrozeiros e, atualmente, sou vice-presidente do Sindicato Rural de Santa Vitória do Palmar”.

Planeta Arroz – O que levou o senhor à presidência da Federarroz?
Denis Nunes – “O compromisso com a classe. Fui convidado, e a lavoura arrozeira sempre fez parte da minha vida. Assumir esse papel é uma forma de reconhecimento à atividade e aos meus colegas produtores”.

Planeta Arroz – Quais são os grandes desafios da sua gestão?
Denis Nunes – “Começamos pelo escoamento da produção, pois lidamos com um dos maiores estoques de passagem das últimas safras. A desoneração tributária é uma pauta prioritária para melhorarmos a competitividade dentro e fora do Mercosul. Além disso, é vital mantermos campanhas que reforcem a importância do arroz na mesa dos brasileiros, valorizando o consumo e seus fatores nutricionais”.

Planeta Arroz – Quais são as grandes fortalezas da Federarroz?
Denis Nunes – “consolidação como referência no setor; o relacionamento com outras entidades afins; a repercussão na mídia; parcerias consolidadas com instituições como o Irga, a Embrapa e o Senar; a consolidação da Abertura Oficial como um dos maiores eventos das Américas; a imagem positiva junto ao público urbano; e a boa relação e interlocução com os governos e outros segmentos da cadeia produtiva”.

Planeta Arroz – Quais são os grandes objetivos de sua gestão?
Denis Nunes – “Um dos meus principais objetivos é aumentar a representatividade e a coesão da classe arrozeira. Unidos, somos muito fortes. E, quando estamos fortalecidos e coesos, nossas pautas têm mais chances de sucesso. Há uma agenda mínima com a qual todos os elos setoriais da cadeia produtiva concordam. Esses objetivos queremos concretizar. Onde houver divergência, haverá diálogo”.

“Nossa causa é justa.”

Planeta Arroz – O senhor assumiu em meio às piores cotações do arroz na década e, ainda, sob ameaça de taxação pelos Estados Unidos. Como enfrentar esse cenário?
Denis Nunes – “Realmente, é desafiador. Me parece fundamental que as decisões sejam tomadas com tranquilidade, ouvindo as lideranças e respeitando as experiências passadas. A comunicação constante com instituições públicas, privadas e financeiras é de extrema importância para a entidade e para os produtores, contribuindo para decisões mais assertivas diante deste conjunto de acontecimentos desfavoráveis. Aos arrozeiros, é indispensável aproveitar os momentos favoráveis de comercialização, vender quando o mercado está comprador, refazer orçamentos, priorizar áreas produtivas e diversificar culturas. É essencial ter clareza dos custos”.

Planeta Arroz – Por onde passa a sustentabilidade da lavoura e da propriedade arrozeira?
Denis Nunes – “Não podemos pensar em sustentabilidade sem falar em diversificação de culturas e integração lavoura-pecuária (ILP). São práticas que permitem reduzir riscos e tornar a lavoura mais resistente às oscilações de preços, clima e políticas públicas. O futuro da lavoura arrozeira depende cada vez mais de uma boa condução técnica e estratégica, com visão de longo prazo”.

Planeta Arroz – O que espera do mercado até fevereiro e para a safra?
Denis Nunes – “Trabalhamos para que as exportações de arroz escoem um bom volume, trazendo alguma esperança para o futuro, mas sempre indicamos aos produtores que não percam os momentos em que o mercado oferece boas janelas de comercialização. Há, sim, a necessidade de enxugar os estoques do Mercosul por meio de exportações, redução de área e aumento do consumo. Isso é estratégico. Cada um sabe da sua realidade, mas precisamos ter consciência do tipo de repercussão que a soma de cada decisão terá para o coletivo. E sabemos que o mercado não suporta volumes muito expressivos de oferta com preços remuneradores”.

Planeta Arroz – Espera queda de área para a próxima safra?
Denis Nunes – “Espero que haja consciência da necessidade de diminuir áreas não só no Rio Grande do Sul, mas também no Mercosul, para equilibrar os estoques e a oferta à demanda real, mantendo algum estoque estratégico. Também é fundamental buscar rentabilidade, priorizando o cultivo nas melhores áreas produtivas para diminuir riscos, reduzir custos e melhorar os resultados. Precisamos ser eficientes, e, no atual cenário, adequar a área para ajustar a oferta é uma necessidade”.

Planeta Arroz – O senhor acredita na redução dos investimentos em tecnologia?
Denis Nunes – “Haverá, sim, uma diminuição no pacote tecnológico e nos investimentos devido ao aumento dos custos, preços deprimidos e juros altos para o crédito, além de produtores que ainda não conseguiram negociar financiamentos de safras passadas. É uma situação dramática para alguns, muito difícil para outros, que exigirá muita criatividade e perseverança para formar a próxima lavoura. Com um pouco de sensibilidade do governo, o cenário seria melhor”.

“O governo precisa reconhecer a importância da agricultura.”

Planeta Arroz – Qual a colheita ideal, hoje, para se chegar a uma média sustentável economicamente?
Denis Nunes – “É óbvio que existem variáveis, mas, com os preços médios praticados atualmente, o ideal está bem acima da produtividade média do estado, que está na faixa de 8,5 mil quilos por hectare. O Brasil não tem mercado para colher mais de 12 milhões de toneladas, incorporar os estoques do Mercosul e manter preços sustentados em condições de rentabilidade. O ideal é sermos autossuficientes, ter um estoque flutuante relativamente baixo e continuar exportando sempre um pouco mais do que importamos, mantendo positiva a balança comercial, reduzindo a ociosidade das indústrias e equilibrando os preços internos e do mercado internacional, sem penalizar qualquer elo da cadeia produtiva. O equilíbrio sustentável é uma equação complexa e difícil de ser alcançada, mas não impossível”.

Planeta Arroz – Reservar água e ter acesso a energia elétrica estável são problemas para alguns produtores; outros sofrem com enchentes ou seca nos arroios e rios que irrigam as várzeas gaúchas; para muitos, a falta de crédito. Como compor tantas demandas por meio de ações setoriais e governamentais?
Denis Nunes – “Cabe cada vez mais às entidades de classe, instituições de pesquisa e governos se articularem por meio de ações coordenadas, com o envolvimento dos comitês de bacias, desburocratização e licenciamentos céleres. As demandas são muitas, mas todas visam o desenvolvimento da lavoura, das regiões produtoras e do país. Todas buscam a sustentabilidade econômica, social e ambiental. A causa é justa. Se o arrozeiro já provocou uma revolução em termos ambientais, tecnológicos, produtivos, de oferta de alimentos e de desenvolvimento regional sem nenhuma segurança e sem nenhum amparo, imagine se ele tivesse garantias para casos de extremos climáticos ou impactos da macroeconomia, por exemplo”.

Planeta Arroz – O que a Federarroz espera dos governos que gerem a política agrícola e, no Estado, controlam a legislação ambiental e o Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga)?
Denis Nunes –“Esperamos que os governos reconheçam, de forma efetiva, a importância estratégica da agricultura para o Brasil, criando condições para que o setor se torne mais competitivo em relação aos produtores internacionais e mais sustentável. Isso passa por políticas de crédito rural com juros adequados, seguros acessíveis e garantidores, instrumentos que ofereçam segurança ao produtor em situações que fogem ao seu controle, como o clima e a macroeconomia. O Estado tem demonstrado esforços no sentido de agilizar os processos de licenciamento ambiental por meio de novas regulamentações e legislações. No entanto, ainda enfrentamos entraves devido à morosidade da máquina pública, o que exige avanços em gestão e desburocratização. O governo federal já poderia ter sinalizado ações mais concretas em relação ao endividamento dos setores agrícolas, face às secas e enchentes que assolaram o Rio Grande do Sul. O Irga é um pilar da rizicultura aqui e no continente, uma referência internacional. Precisamos que ele mantenha o protagonismo que assumiu ao longo da história”.

“As decisões individuais terão reflexo coletivo.”

Planeta Arroz – O ex-presidente Alexandre Velho diz que a decisão do produtor é individual, mas seus reflexos são coletivos. Com relação à próxima safra, o senhor entende que é preciso ver mais o coletivo na hora de decidir área, buscar seguro, etc.?
Denis Nunes – “A cadeia arrozeira é muito importante na arrecadação de ICMS e outros impostos, além da geração de empregos e renda no Rio Grande do Sul, especialmente na metade Sul. Temos argumentado que o ganho será positivo com a desoneração tributária. Trata-se de algo que beneficiaria a todos e se traduziria em incentivo à geração de empregos e renda. Bem informado, o produtor é capaz de agir com consciência coletiva. Todos sabem que é preciso reduzir a área e a oferta de arroz no Estado na próxima temporada. As decisões individuais, neste caso, terão reflexos coletivos, disso não tenho dúvidas”.

Planeta Arroz – Algum recado que o senhor gostaria que os arrozeiros recebessem nesta entrevista?
Denis Nunes – “Com certeza, que temos trabalhado pela coesão da classe em torno de propostas que tragam benefícios a todos e soluções para os grandes impasses. O arrozeiro tem coragem, é produtor de alimentos, investe e não se omite em garantir o melhor alimento à mesa do país e de boa parte do mundo, e precisa ser reconhecido por isso. Dentro da porteira, ocorreram grandes transformações para que o rizicultor se tornasse um produtor de multialimentos, mas precisamos de segurança para produzir em condições sustentáveis, com rentabilidade, e para gerar o desenvolvimento de nossas regiões com consciência ambiental. Precisamos que, do lado dos governos, instituições financeiras, da economia e dos tomadores de decisão, haja reconhecimento e sensibilidade às nossas propostas”.

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