A caminho da salvaguarda

 A caminho da salvaguarda

Arrozeiros buscam o fim do risco de falência do setor.

Depois que a Argentina criou salvaguardas contra o ingresso de eletrodomésticos brasileiros em seu mercado, o Brasil agora dá sinais de que poderá adotar mecanismos semelhantes e previstos na legislação de comércio internacional para defender os interesses da cadeia produtiva do arroz. Trata-se de uma bem articulada medida do setor arrozeiro nacional, que acumulou prejuízos em 2004 pelo livre ingresso dos excedentes argentino e uruguaio, que está forçando o Governo Federal a tomar posição. 

No dia 19 de janeiro último, a Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz), estado responsável pela metade da produção brasileira de arroz, ingressou com uma petição administrativa, com caráter de urgência, no Departamento de Defesa Comercial (Decon) do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. O documento pede que o Governo Lula aplique uma sobretaxa de 50% ao arroz importado do Mercosul. O cereal de terceiros países pagará, também, a Tarifa Externa Comum (TEC), que pode representar mais 16%. 

A salvaguarda pode impedir que o grão dos países vizinhos, mais barato que o arroz brasileiro, prejudique as vendas no mercado interno. A ação está centrada em argumentos como o risco de inviabilização da produção nacional, os prejuízos acumulados pela cadeia produtiva e também o fato da competitividade do Mercosul estar calcada em uma carga tributária muito menor, insumos mais baratos e incentivos denominados “reintegro”, criados depois do acordo do Mercosul. Cópias desses documentos integram o processo. 

DESLEAL – O presidente da Federarroz, Valter Pötter, afirma que esse conjunto de fatores estabelecem uma concorrência desleal do Mercosul com o segmento de produção brasileiro, que precisa ser corrigida. Ele quer que o Governo Federal garanta nesta safra um preço mínimo de R$ 32,00 para o produto. Em 2004, um saco de 50 quilos de arroz chegou a valer R$ 22,00, contra o custo de produção de R$ 30,00. 

O prejuízo é de R$ 8,00 por saco. Mas isso em 12,8 milhões de toneladas que o Brasil produziu na safra passada e mais 12 milhões na safra 2004/2005 ganha proporções escandalosas. É claro que parte da produção foi vendida acima do custo de produção, mas na média, houve prejuízos. E muitos produtores pagaram para produzir. “Um novo ano de comercialização desastroso como este vai fragilizar ainda mais a cadeia produtiva e levar muita gente à falência. Nosso papel é evitar que isso aconteça”, explicou o presidente da Câmara Setorial do Arroz e vice-presidente da Farsul, Francisco Schardong. 

Questão básica
Os arrozeiros querem a imediata determinação de salvaguardas, uma medida provisória que tem a validade de sete meses até o julgamento do mérito e uma aplicação da sobretaxa por quatro anos. Com isso, o país teria formas de resolver o impacto da carga tributária sobre insumos, a produção e o processamento do arroz. As sobretaxas são de 50% sobre o produto importado do Mercosul. O arroz de terceiros países ainda terá a incidência da TEC de até 16%. Embora as salvaguardas valham para embarques vindos de todos os países, o pedido foi motivado por exportações argentinas e uruguaias de 1,5 milhão de toneladas para o Brasil, que em 2004 colheu 12,5 milhões de toneladas. A Federarroz estima que produtores nacionais acumulem prejuízo de R$ 1 bilhão na safra de 2004 em virtude do preço de R$ 22,00 por saca de 50 quilos, enquanto o custo de produção é de R$ 30,00.

 

Decisão na pauta

A petição administrativa que pede salvaguardas para o ingresso de arroz do Mercosul e terceiros países no mercado nacional já começou a ser analisada pela Secretaria de Comércio Exterior (Secex), mas precisa ainda ser encaminhada à Câmara de Comércio Exterior (Camex) para uma avaliação final. Apesar da urgência do setor, a assessoria de imprensa do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, a Camex só deverá apresentar um parecer sobre a questão em março, quando os cinco ministros que compõem a câmara (Fazenda, Planejamento, Relações Exteriores, Agricultura e Casa Civil) se reúnem para discutir o assunto. 

Depois de inúmeras audiências sem respostas positivas, em poucos dias o Governo passou a chamar os arrozeiros para ouvir seus argumentos. “Já temos apoio de setores importantes do Governo”, destacou o presidente da Federarroz, Valter Pötter. A petição adminis-trativa é apenas a primeira opção da cadeia produtiva do arroz. Uma ação judicial, com pedido de liminar que suspenda as exportações, é a outra alternativa. 

SOCIEDADE – As ações políticas desenvolvidas pelo setor arrozeiro, com apoio das cadeias produtivas que se consideram prejudicadas pelo Mercosul, têm criado um ambiente favorável para o setor de produção perante a sociedade e pode interferir numa sentença inicial. 

 

Reação platina 

A possibilidade de serem criadas salvaguardas e da restrição às importações do Mercosul não agrada às cadeias produtivas do Uruguai e da Argentina. Em 2004, os dois países exportaram 803 mil toneladas para o Brasil, 83% do arroz que entrou no país de março a dezembro. 

Em diversas negociações, os dirigentes desses países não aceitaram as condições brasileiras. “Se eles tivessem aceitado o estabelecimento de cotas ou de internar arroz no Brasil somente acima de R$ 30,00 em 2004, não teríamos ingressado com a medida”, frisa Valter Pötter. 

A movimentação contrária às salvaguardas já começou. O embaixador argentino no Brasil fez consultas para identificar a viabilidade da ação administrativa da Federarroz. Na Argentina, porém, foram criados os precedentes para a ação brasileira, quando o Governo Kirchner baixou sobretaxas para a entrada de eletrodomésticos brasileiros em seu mercado. 

URUGUAI – A Associação de Cultivadores de Arroz do Uruguai (ACA) organiza-se no sentido de buscar nas diversas instâncias possíveis a garantia de cumprimento dos acordos comerciais firmados pelos países. Quer, com isso, garantir o ingresso de seu produto no mercado brasileiro. O custo de produção de arroz no Uruguai fica abaixo de sete dólares, enquanto no Brasil, pela cotação de fevereiro, chega a 12 dólares. O produto tem sido vendido, em média, a 10 dólares. Ou seja, há lucro para o Mercosul e prejuízo para os brasileiros. 

 

COMO FUNCIONA

 Depois de feito o pedido, o processo administrativo tramita até decisão da Câmara de Comércio Exterior, composta pelos ministérios do Desenvolvimento, Agricultura, Relações Exteriores, Planejamento, Casa Civil e Fazenda. Em caso de vitória da Federarroz, o Governo automaticamente enviará o pedido de salvaguardas para a Organização Mundial de Comércio. Os arrozeiros já contabilizam apoio de alguns ministros. O mecanismo de salvaguardas é previsto na legislação internacional de comércio. O advogado Durval Noronha afirma que o arroz enquadra-se perfeitamente no que preconiza a legislação.

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