A complexidade da Nigéria emperra as pretensões brasileiras

Autoria: *Cleiton Evandro dos Santos – Jornalista e Analista de Mercado.

 

Quando a ministra Kátia Abreu reuniu-se com seu equivalente no México, na semana passada, e colocou a exportação de arroz brasileiro na mesa de negociações, deu um passo significativo para abrir mais uma porta ao cereal nacional. Estabelecidas as regulamentações, o que determinará as vendas serão as regras de mercado. Em havendo demanda do México e competitividade e competência das empresas nacionais, há negócios. Simples assim!

O Brasil precisa exportar anualmente pelo menos um milhão de toneladas de arroz para desafogar o mercado interno e remover os excedentes do Mercosul que costumam entrar. É uma regra que tem suas exceções, caso de 2015, quando os países vizinhos não conseguem competir com os preços internos e o fluxo de negócios foi acentuado no primeiro semestre por falta de crédito aos produtores. E as exportações cresceram em meados do ano por causa da desvalorização mais forte do real sobre o dólar do que as moedas dos países do Mercosul. No caso, a crise política agravou as incertezas econômicas. A 10 dólares, não vale a pena nem para Argentina, Paraguai ou Uruguai vender arroz ao Brasil.

Em se tratando da Nigéria, porém, a situação é muito diferente. E a história é longa. A viagem realizada pelo diretor comercial do Irga, Tiago Sarmento Barata, acompanhando uma missão empresarial liderada pelo empresário Evaldo Silva Júnior e o embaixador brasileiro em Abuja, João André Pinto Dias Lima, foi positiva. Pela primeira vez a cadeia produtiva gaúcha enviou ao país africano um representante legítimo, que se posicionou formalmente ao governo nigeriano, que instituiu uma sobretaxa de 110% sobre as importações do grão gaúcho. Antes disso, o país chegava a importar 300 mil toneladas de arroz no Rio Grande do Sul, em base casca, ao ano. Era o maior cliente.

A missão afirmou taxativamente que os gaúchos têm interesse de retomar as exportações para aquele país, ratificou que dispõe de produto de qualidade, lembrou que ao importarem do Brasil os governantes da Nigéria estarão inibindo o contrabando que representa mais de 50% do arroz que entra naquele país, gerando receita tributária, renda e empregos na cadeia produtiva. E também lhes foi oferecida cooperação técnica para a transferência de tecnologias no sentido de fortalecer a rizicultura. A associação que representa a indústria arrozeira e os importadores africanos apoiou os argumentos brasileiros.

Os representantes da Controladoria-geral de Alfândegas confirmaram à delegação brasileira o interesse em reduzir as alíquotas de importação dentro de um plano de contenção do contrabando, medidas que seriam tomadas “nos próximos dias”.

As entidades do setor produtivo comemoraram – algumas deram como certa – uma isenção das taxas de importação do arroz brasileiro pela Nigéria, país de quase 180 milhões de habitantes que se concentra num território do tamanho de Minas Gerais. A Nigéria importa mais de 2,3 milhões de toneladas do cereal em casca por ano, metade disso via contrabando dos países vizinhos (Benin e República dos Camarões), e já foi o maior cliente em arroz brasileiro, com mais de 300 mil toneladas ao ano seguindo este destino.

Apesar da mensagem otimista, houve certo exagero na forma com que as entidades locais fizeram o anúncio, pois efetivamente as taxas que chegam a 110% ainda não têm previsão de serem reduzidas ou zeradas para o Brasil. E no mesmo dia que as manchetes chegaram aos jornais e sites, já havia empresas brasileiras em busca de informações para abrirem tratativas para embarques.

Então, é preciso colocar os pingos nos “is”.

 

O que realmente existe – e tem sido noticiado na Nigéria – é o interesse do país africano em negociar uma cooperação técnica para fortalecer o seu arcaico sistema produtivo. Essa cooperação foi oferecida pelo Irga, mas em termos que serão definidos com a cadeia produtiva nacional e expressamente sob a condição de abertura do mercado africano para o arroz brasileiro.

Não há um prazo, uma nova conversa agendada, um protocolo. Apenas sinalizações de cooperação de parte a parte. O diretor da Controladoria-Geral de Alfândegas afirmou aos brasileiros que estava estudando formas de viabilizar as importações legais e combater ao contrabando, o que realmente aconteceu, mas não como nós esperávamos.

Os jornais nigerianos informam que o arroz realmente foi retirado da lista de exceções das importações terrestres, pelas fronteiras do Benin e da República de Camarões com o objetivo de que a indústria e o comércio local realizem as compras legalmente e paguem os respectivos impostos. Nos portos e de terceiras origens, não há mudanças. Aliás, no último final de semana em que a delegação brasileira retornava ao Brasil, o presidente do país africano e seu ministro da Agricultura anunciaram que em 2018 o país será autossuficiente e não importará mais um só grão de arroz. É uma posição interna, uma promessa de campanha, um compromisso com seus produtores e os consumidores, afinal, um quilo de arroz hoje na Nigéria varia entre R$ 4,50 e R$ 5,00. É mais do que o dobro do preço no Brasil.

Claro que é um discurso impraticável, pois o país não tem nem clima favorável nem tecnologia para este salto de produção do déficit projetado para 2,5 milhões de toneladas em 2018. Entidades produtoras e o Senado protestaram. O chefe da Controladoria-Geral de Alfândegas, que tem “status” de ministro, teve que se explicar sobre a sua medida e balançou no cargo. O Senado não recebeu bem suas explicações, segundo jornais locais, e fez coro ao discurso da autossuficiência. Uma reunião entre os governadores dos Estados produtores também colocou em xeque o governo nigeriano. Eles exigem o cumprimento das medidas de apoio e são refratários a qualquer ideia de importação. Querem que o poder central garanta as condições e os recursos para o crescimento das lavouras regionais, como forma de gerar emprego, renda e tributos e o desenvolvimento econômico e social de seus territórios.

Autossuficiência

 

Os jornalistas locais, no entanto, questionam de onde virá a autossuficiência quando o país produz menos de 50% do que consome, mais da metade dos estoques entram ilegalmente no país, de bicicleta até caminhão são usados no transporte nos mais de 750 pontos de fronteira – apenas 86 têm fiscalização – e não há tecnologia disponível, pois a produtividade no país é baixa e o sistema de produção é antiquado, com transplante manual de mudas e/ou produção de sequeiro.

Com preços altos pelo quilo do arroz, a expectativa dos governantes e da sociedade está voltada às festas de final de ano, quando explode o consumo no país, pois é hábito consumir arroz em rituais e festividades e darem arroz de presente aos familiares e amigos para desejar um novo ano com fartura. Se os preços não caírem significativamente até lá, cresce a pressão popular e as chances do governo rever sua posição de fingir que o contrabando não existe e que a importação é uma concorrência à precária produção local.

A resposta dos governantes para o questionamento sobre como chegar à autossuficiência?

– Com tecnologia do Brasil, que está entre as melhores do mundo.

E voltamos ao começo!

 

Apesar de não trazer um contrato de vendas ou um acordo bilateral embaixo do braço, Tiago Sarmento Barata abriu o caminho para que isso se concretize, mediante atendimento mútuo de interesses. Seus argumentos são sólidos, capazes de sensibilizar os africanos e, mais do que isso, abrem uma negociação e empenham a retomada do diálogo. A sinalização de apoio técnico é o atrativo perfeito a um país ávido pelo que de melhor o Irga faz, a tecnologia para cultivo em várzeas com qualidade e produtividade. Objetivo e com metas muito claras, Barata conseguiu expor as ideias e interesses brasileiros às autoridades africanas, abrindo um processo que até o momento não tinha a menor perspectiva de êxito, em que pese a aproximação que vem sendo ensaiada via Ministério das Relações Exteriores e do Projeto Brazilian Rice.

Complexidade africana

 

Nesse caso, e em particular, é preciso perceber que uma negociação com lideranças estrangeiras não se guia pela frieza e objetividade ou praticidade. As tratativas são com um governo africano novo, linha dura, reformista, opositor das ideias do governo passado, em um país que tem mais de 50 anos de relações comerciais com o Brasil, mas que atualmente enfrenta mais de 50% de sua população em pobreza extrema, está em guerra com grupos terroristas, deve explicações à comunidade internacional pelo sequestro de mais de uma centena de meninas estudantes.

Além disso, o governo foi eleito prometendo autossuficiência em alimentos, e por isso a Nigéria sofre pressão de produtores que querem amparo. Para mostrar que é linha dura, o governo cobra milhões de dólares em multa da indústria e empresas importadoras, sob o argumento de que teriam extrapolado a cota de importação do cereal em 2013.

No último final de semana, inclusive, os governantes avisaram que vão selar as portas das empresas que não pagarem essa conta (que a indústria argumenta não dever). E ainda, assim, a Nigéria quer alcançar autossuficiência em três safras com arroz cultivado de maneira muito arcaica. Alguns governos estaduais estão ameaçando retirar as vantagens oferecidas a grupos empresariais que montaram indústrias no país, inclusive áreas de cultivo e ampliar as taxas de ingresso do arroz importado para utilizar estes recursos no financiamento de produtores nacionais.

Portanto, a reabertura do horizonte de negócios entre Brasil e Nigéria para o arroz, não são favas contadas. Há que se considerar que uma redução nas alíquotas ainda pode beneficiar outros países, concorrentes. Removidas as sobretaxas, o Brasil tem que fazer valer sua competividade e eficiência.

Em resumo, a Nigéria é um país de múltiplas faces, multicultural, e a garantia de abrir de novo o seu mercado para o arroz brasileiro, não depende apenas da sua demanda, mas de uma complexa equação que reúne finanças, economia, preços do petróleo, pressões setoriais e políticas e interesses diversos. Mas, sem a iniciativa que foi tomada, não haveria nem o diálogo, nem a esperança.

Mais informações podem ser obtidas nos sites e jornais do país, como o exemplo dos links abaixo listados:

Muita sorte aos nossos negociantes. Vão precisar!

3 Comentários

  • Eles não sabem o que querem, muitas variantes a serem consideradas, devido a divergências internas, o próprio governo central assumiu discurso anti-importação ao afirmar que quer autossuficiência em 2018, fechando os olhos para o contrabando e penalizando empresas importadoras.
    Muitos discursos isolados, sem equalização interna.
    De fato, negócio mais que complicado. Mas não podemos deixar de ser otimistas, pois os governos se vão e a fome da população fala mais alto.
    Governos metidos a ” populistas ” como este aí arrebenta com o povo, vide Venezuela, quiça o Brasil.

  • É isso aí Carlos Nelson.
    E parabéns ao autor do excelente e esclarecedor artigo Cleiton. Parabéns também pelo trabalho capitaneado pelo nosso diretor Tiago Barata e direção do Irga pela visão estratégica.

  • Muito BOM…EXCELENTE artigo……vamos aguardar um final favoravel para os nossos produtores

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