“A lavoura e a indústria que diminuem aqui, aumentam no Paraguai”
Carlos Eduardo Borba Nunes, 63 anos, foi eleito em 15 de março e assumiu em 1º de abril a presidência do Sindicato da Indústria do Arroz do Rio Grande do Sul, o Sindarroz-RS. Substituiu a Elinho Coradini e define-se como um “produtor a mais tempo do que industrial”, pois iniciou lavoura própria aos 16 anos. Aos 24 anos, tinha um secador de grãos e, em seguida, evoluiu para uma indústria, a DJM. Em 2022, foi a 26ª maior em beneficiamento de arroz, entre 157, no Rio Grande do Sul, movimentando 52 mil toneladas. Dudu, para os amigos, é sócio da Massasul Produtos Alimentícios e da Nutri Barra Sul, de rações.
Planeta Arroz – Como chegou à presidência do Sindarroz?
Dudu Nunes – “No Sindarroz, ingressei por convite do saudoso Nilo Trevisan, colega no conselho do Irga. Estou presidente, mas fui vice, tesoureiro e delegado junto à Fiergs”.
Planeta Arroz – O futuro presidente está escolhido?
Dudu Nunes – “Assumi um mandato. O Gustavo Trevisan é jovem, dirige uma indústria de arroz com mais de 110 anos e tem nosso apoio”.
Planeta Arroz – Quais os desafios da cadeia produtiva?
Dudu Nunes – “O maior é vencer a tributação estadual que gera distorção e penaliza a indústria gaúcha com perda competitiva frente aos outros estados e países. Temos 70% da produção nacional e a maior carga tributária, em especial no ICMS. Além disso, Brasil e Mercosul disfrutam de variedades do Irga, que nós, produtores e indústrias, pagamos, e não estamos vendo retorno na proporção do que recolhemos”.
Planeta Arroz – Isso é grave…
Dudu Nunes – “A nossa perda competitiva é enorme, por exemplo, em relação a Minas Gerais, onde se importa arroz do Paraguai com zero de impostos, vende destacando o tributo, e não se recolhe nada, pois tem crédito do qual disfruta com custo zero. Isso desequilibra o mercado e faz, também, com que a área cultivada e a participação das marcas gaúchas recuem e as do Paraguai cresçam. Embora represente 7% a 8% do consumo nacional, o grão paraguaio entra em momento e condições que referenciam os preços no centro do país. Isso baliza preços ao longo da cadeia produtiva e nos faz, às vezes, trabalhar com margens negativas para não perder espaço. No RS, só podemos importar 20% do volume de vendas, em Minas e demais estados, a quantidade é livre. É difícil competir”.
Planeta Arroz – É uma TEC?
Dudu Nunes – “Isso. Pagamos mais para vender um alimento básico em nosso próprio país, o que gera impacto em toda a cadeia produtiva, do fornecedor de insumos ao consumidor final. Com 70% da produção de arroz, não formamos os preços, a distorção é absurda. Quem dita preços é o Mercosul, em especial o Paraguai. Isso acontece, em boa parte, pela tributação. Todos perdem”.
Planeta Arroz – Como resolver?
Dudu Nunes – “Há dois anos estamos dialogando com o Estado, com argumentos de sobra e uma proposta de ajuste tributário, o Topar. É um copia e cola da legislação do Paraná, que pode resgatar competitividade ao arroz gaúcho. O Estado teria que aprova-lo no Confaz”.
Planeta Arroz – Então, seríamos mais competitivos?
Dudu Nunes – “Pode devolver alguma competitividade à indústria e à lavoura gaúcha e possibilitar que retomemos mercados que perdemos todos os dias para outros estados e países que têm alíquotas zeradas ou inferiores como forma de incentivo”.
Planeta Arroz – Que diz o Estado?
Dudu Nunes – “Nossa meta é demonstrar ao Estado a dificuldade da cadeia produtiva e como isso impacta nas empresas, municípios e lavouras e no próprio Estado. No momento, não estamos vendo outra saída além do Topar. A indústria gaúcha e da metade sul vem minguando sem capacidade competitiva. O Estado sabe do problema, mas o arroz é importante na composição da arrecadação, com 4% do ICMS. Qualquer mexida pesa na arrecadação. Ao mesmo tempo, o peso da tributação reduz o potencial de gerar impostos, emprego, renda e desenvolvimento. Precisamos de solução. E rápido”.
Planeta Arroz – E o Irga?
Dudu Nunes – “Fui conselheiro do Irga e acompanho a situação. É pauta com o Estado. Não é possível a lavoura gerar R$ 120 milhões de CDO, e o Estado permitir que a instituição chegue a esse ponto de desestruturação. Torna-se cada vez mais desinteressante pagar CDO. A lavoura e a indústria precisam retorno desta taxa, que existe para este fim”.
Planeta Arroz – A exportação ajuda a equilibrar o mercado?
Dudu Nunes – Sim. Reduz a pressão de oferta, gera dólares e ajuda a equalizar o mercado. No caso do branco, reduz a ociosidade, gera empregos, renda e arrecadação aos municípios. Exportar arroz em casca ajuda, mas há redução dos embarques sobre o ano passado por dificuldade competitiva, de logística e transporte. Mas há discrepâncias. O casca não paga Funrural, e o beneficiado sim. E os importadores concedem benefícios para gerar em seus países os empregos e a renda que perdemos aqui ao não vender beneficiado. Isso afeta a competitividade”.
Planeta Arroz – Há desequilíbrio.
Dudu Nunes – “Ideal seria exportarmos beneficiado. Não questiono a importância de vender em casca. É importante, embora indigesto, ver sair matéria-prima sem participarmos, mas isso ocorre por circunstância de mercado. Mas o benefício deveria se estender ao arroz processado, que gera valor, emprego, renda e segurança ao Estado. Estamos avançando em tratativas com o México”.
Planeta Arroz – Mas perdemos espaço internamente…
Dudu Nunes – “Sim. Reduzimos a área cultivada gaúcha de 1,170 milhão de hectares para 850 mil, e vimos que área e indústria foram transferidas ao Paraguai. E eles concorrem conosco”.
Planeta Arroz – Há prejuízo?
Dudu Nunes – “A redução de área, de oferta de arroz no estado, desindustrialização, não beneficia o produtor ou os engenhos. Apesar de preços inicialmente maiores que o passado, a rentabilidade da lavoura é menor pelo custo muito alto. Atendemos exigências de altos investimentos em modernização, e isso reduziu a geração de postos de trabalho e a margem das indústrias. Hoje, a lei obriga a substituir trabalhadores por automação. Se precisa poucos funcionários para operar da chegada do casca até a saída do fardo”.
Planeta Arroz – O arroz é a única agroindústria da metade sul?
Dudu Nunes – “A mais relevante. Há poucas de milho, trigo, soja. A maior parte recebe e exporta grão. A que transforma mesmo é do arroz. Em10 anos, caíram de 254 para 157”.
Planeta Arroz – E os empregos?
Dudu Nunes – “Mesmo com a automação. Segundo o Caged, em fevereiro de 2023, a lavoura empregava 14.442 pessoas com carteira assinada, e o beneficiamento 11.144. São 25.586 postos de trabalho do setor que ocupa 840 mil hectares. A soja, com 6,5 milhões de hectares e 12.993 pessoas com carteira assinada. A bovinocultura, outros 13.888. Sozinha, a cadeia do arroz representa 50% dos postos de trabalho no setor primário gaúcho, números que precisam ser levados em conta nas políticas públicas, inclusive na tributária”.
Planeta Arroz – Mas há mais prioridades…
Dudu Nunes – “Um desafio da cadeia produtiva é promover o consumo e a dobradinha com feijão, perfeita no balanço alimentar. Temos que pensar a cadeia produtiva em conjunto. Há um projeto de formação de lideranças para empresas e entidades e outro para desenvolver novos mercados de arroz beneficiado. Neste, junto a Portos RS, buscamos meios de reduzir custos de logística que interferem na competitividade. Somos responsáveis pelas negociações coletivas de trabalho no setor do arroz, outra área sempre sensível. Também levamos ao Estado a proposta de recomposição de dívidas para as indústrias e cooperativas que tenham questões tributárias para regularizar, uma espécie de Refis para o arroz. Há interesse das empresas e do Estado”.
Planeta Arroz – O que espera da safra?
Dudu Nunes – “Sigo a projeção do Irga, que é a mais próxima da realidade, em torno de 7,1 milhões de toneladas. Esperamos que as exportações repitam volumes históricos, 1,2 a 1,5 milhão de toneladas. O abastecimento está garantido com quase 10 milhões de colheita no país mais estoques e importações. Ainda teremos mais de 1,5 milhão de toneladas de saldo, pelo menos. Mas temos só até setembro pra exportar, quando ocorre a safra nos EUA e cresce a competição”.
Planeta Arroz – E do mercado?
Dudu Nunes – “Preços firmes, em razão da oferta menor. Não vejo no atual cenário muito espaço para subir demais e nem para caírem muito os preços. A questão é equilibrar as margens ao longo da cadeia. O consumidor aceita bem o pacote de cinco quilos de arroz, na gôndola, entre 20 e 20 e poucos reais. Acima disso, é mais difícil. Mas estou otimista, tenho fé num equilíbrio maior”.