“A lavoura é individual, mas o reflexo é coletivo”

 “A lavoura é individual, mas o reflexo é coletivo”

O agropecuarista Alexandre Azevedo Velho, 56 anos, completa neste ano 38 safras, e com o desafio de comandar a maior das Aberturas Oficiais da Colheita do Arroz. Ele foi vice-presidente da Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz) de 2016 a 2019, assumiu a presidência no voto em 2019 e foi reeleito em 2022, com mandato encerrando em 2025.

Planeta Arroz – Quais as razões deste 2023 de mercado histórico?
Alexandre Velho – “Agricultor não controla preço de venda, mas pode controlar o tamanho da lavoura e, assim, regular a oferta e fazer refletir no preço. Penso que o momento remunerador do arroz em 2023, mais no segundo semestre, reflete a redução da oferta por diminuição do cultivo. Isso ocorreu pela falta de renda no setor nos últimos anos. De 1,1 milhão de hectares, caímos para 830 mil em 2022/23, a menor lavoura em décadas. As tecnologias compensam na produtividade, mas o ajuste foi vital na valorização do arroz”.

Planeta Arroz – Mas não foi a única razão…
Alexandre Velho – “O risco climático, após três safras com seca, também afetou a dimensão da lavoura no Brasil e no Mercosul”.

Planeta Arroz – Então, a Índia surpreendeu?
Alexandre Velho – “A conjuntura, em especial a suspensão das vendas da Índia, que tem 40% do mercado global, foi o impulso que faltava aos preços internacionais, que vinham altos pela queda de barreiras nos importadores para o controle da inflação decorrente da pandemia. Nossa referência como fornecedores gerou demanda e sustentou valorização continuada e remuneração justa ao produtor”.

Planeta Arroz – Foi o que trouxe suporte ao mercado?
Alexandre Velho – “Não o único fator, mas o ajuste entre oferta e demanda, com projeção de redução nos estoques de passagem, foi vital para chegarmos a médias próximas de R$ 130,00”.

Planeta Arroz – Quais os outros fatores?
Alexandre Velho – “Pelo avanço tecnológico e necessidade de encontrar soluções agronômicas e econômicas, o produtor se organizou, criou um mosaico de culturas e atividades que gera portfólio comercial robusto, retirando a dependência exclusiva do arroz. Muitos rizicultores têm área de soja na coxilha e/ou terras baixas e pecuária. A integração traz soluções agronômicas e econômicas em produtividade e flexibilidade na gestão comercial e financeira”.

Planeta Arroz – Como?
Alexandre Velho – “Se o arroz não vive bom momento, há soja, pecuária, às vezes, trigo e milho para negociar. O portfólio permite buscar a melhor alternativa. Quem cultiva apenas o arroz, às vezes, precisa negociar sob as piores cotações. Nem todos podem diversificar por inúmeros motivos, mas creio que este é o caminho tecnológico, financeiro e administrativo a seguir”.

“Agricultor não controla preço, mas tamanho da lavoura”

Planeta Arroz – O que espera do mercado em 2024?
Alexandre Velho – “Firmeza, com piso acima dos R$ 85,00 de 2023 e um teto superior também. A média ficará acima dos R$ 95,00 de 2023. Claro que depende de diversos fatores se confirmarem”.

Planeta Arroz – Por quê?
Alexandre Velho – “Temos um dos menores estoques do século pela balança comercial superavitária, produção ajustada e consumo estável. Apesar do aumento da área, o clima não deixará colhermos um grande volume, e há previsão de chuvas na colheita. O mercado segue altista. O arroz chegou a outro patamar de valor comercial e não deve retornar aos preços anteriores”.

Planeta Arroz – Exportar é preciso?
Alexandre Velho – “Fundamental. A Federarroz realiza e apoia iniciativas neste sentido. As compras de México e Costa Rica foram decisivas à balança comercial positiva e valorização interna em 2023. Entramos nestes mercados por qualidade e eficiência no fornecimento”.

Planeta Arroz – Desafio de 2023/24?
Alexandre Velho – “O clima. Os atrasos no preparo do solo e plantio cobrarão em produtividade, em especial nas regiões Central e Fronteira Oeste. Há produtor com dois replantios. O custo é alto. De outro lado, nunca enfrentamos El Niño com 505 mil hectares de resteva de soja, área que agrega até 1,5 tonelada de arroz por hectare. Após a colheita, veremos se equalizamos assim a relação perdas climáticas x produtividade”.

Planeta Arroz – Tecnologia fundamental…
Alexandre Velho – “Essa experiência certifica a importância da macrodrenagem e do sistema de produção com rotação de culturas, em especial a soja, benefícios da drenagem e da cobertura vegetal de inverno. O pisoteio do gado ajudou a tornar o solo mais firme e permitir a entrada das máquinas em um ano de excesso hídrico. É um sistema que se complementa e fortalece a propriedade”.

Planeta Arroz – E a volta de La Niña?
Alexandre Velho –“Sob La Niña, temos grandes safras, pois a preparação do solo e a semeadura são tranquilas se o solo tiver umidade. A questão é se teremos água nas barragens e mananciais para irrigar. Com o El Niño até o inverno, talvez primavera, esperamos boa reserva de água. Exceto casos pontuais. A preocupação é com a continuidade do fenômeno para 2025/26”.

Planeta Arroz – Por que gestão é tema da Abertura da Colheita?
Alexandre Velho – “É fundamental ao agronegócio. Propusemos um conjunto de atividades que gerem conhecimento às áreas de interesse da cadeia produtiva. O tema vai além da agronomia e economia, tem conotação ampla que envolve área comercial, ambiental, gestão de tecnologias, de pessoas. Queremos dar acesso às ferramentas e conhecimentos necessários para o agricultor medir resultados, potencializar ações, otimizar recursos”.

Planeta Arroz – O que esperar da 34ª Abertura da Colheita?
Alexandre Velho – “A maior de todas, 15 mil visitantes, e programação imperdível, grandes nomes do agronegócio, tecnologias, programação técnica, setorial e comercial bem elaborada. Espero que gere o maior aproveitamento possível das ferramentas e conhecimentos aos produtores para a gestão eficiente dos negócios. Teremos a Arena Digital e área voltada à indústria”.

Planeta Arroz – Quais pautas setoriais do evento?
Alexandre Velho – “Há grandes temas demandando soluções e encaminhamentos, mas a intenção é fomentar a adoção das técnicas de diversificação econômica e agronômica da cultura, focar na exportação e consolidação de mercados, buscar seguro agrícola abrangente e eficiente, a valorização do Irga e assuntos relativos à tributação sobre o arroz gaúcho…”.

“O arroz não deverá mais retornar aos preços anteriores”

Planeta Arroz – Temas que parecem sem solução…
Alexandre Velho – “Em minha vida dedicada à atividade setorial, o que mais me frustra é essa questão relativa ao Irga, cuja solução entendo que depende só de vontade política. Demonstramos de várias formas como o instituto é vital à orizicultura gaúcha e à economia do estado, mas não saímos do lugar”.

Planeta Arroz – E a questão tributária?
Alexandre Velho – “Os grandes gargalos da orizicultura gaúcha são com o Estado, como o Irga e a carga tributária na venda para outros estados, que será majorada. Há tempos tentamos equalizar os impostos e distorções da guerra fiscal junto ao Estado, mas, além de não conseguirmos, agora o Estado quer aumentar o ICMS e retirar os incentivos à cesta básica do arroz. O resultado disso a médio e longo prazos será negativo, pois fortalecerá a expansão da rizicultura, uma das grandes expressões econômicas da Metade Sul e do próprio Estado, em outros países e regiões. O aumento da taxa de classificação é outro baque que sofremos recentemente e atinge a cadeia como um todo”.

Planeta Arroz – O que está sendo tratado com o governo federal?
Alexandre Velho – “Em reunião com o Neri Geller, secretário de Política Agrícola do Mapa, tratamos da adequação do Selo Ambiental do Irga às boas práticas agrícolas do Ministério e, com isso, esperamos habilitar os arrozeiros ao desconto de meio a 1% no pagamento das linhas de crédito do Plano Safra. Também debatemos situações conjunturais e solicitamos ampliação à subvenção do seguro agrícola. O secretário anunciou que o próximo plano agrícola deverá ter linha de crédito voltada à construção do perfil do solo”.

Planeta Arroz – Qual a sua mensagem final para os arrozeiros?
Alexandre Velho – “Que a lavoura é individual, mas o reflexo é coletivo. Manter um bom sistema produtivo, buscar alternativas agronômicas e econômicas reflete em todo o sistema de produção e também na gestão comercial e financeira do negócio e do setor. Entendo que o arrozeiro deve buscar na diversificação e integração de culturas melhorar o manejo, perseguir alta produtividade e só aumentar área se antes o país consolidar novos mercados. O mercado interno é um dos maiores do mundo, mas tem limite de demanda. O ajuste da oferta e da demanda e o portfólio de produtos é o que está garantindo renda ao setor”.

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