A metade sul é a nova fronteira agrícola do Brasil
Aos 72 anos, o médico veterinário Gedeão Silveira Pereira está à frente da Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul), de onde comanda uma das mais importantes iniciativas atuais na agropecuária gaúcha, o projeto Duas Safras. Natural de Bagé, casado, tem três filhos. Agropecuarista, administra cinco estâncias na campanha e os rumos da entidade que congrega os sindicatos rurais gaúchos.
Planeta Arroz – Como avalia o 1º ano do programa Duas Safras?
Gedeão – “Um sucesso. Realizamos nove eventos, com mais de 2.800 produtores rurais, líderes, apresentando alternativas importantes ao desenvolvimento do agronegócio gaúcho e adequadas a cada região e sistema produtivo, fomentando a intensificação e diversificação cultural e econômica. Agora, estamos discutindo os nossos próximos passos”.
Planeta Arroz – Como surgiu?
Gedeão – “Entidades ligadas à proteína animal trouxeram a preocupação sobre a queda de oferta e encarecimento das rações, em particular o milho, no qual o sul é deficitário e o centro-oeste passou a exportar. Nós já buscávamos formas de intensificar e ampliar a eficiência da produção agropecuária, pois temos 1,1 safra por ano. Alguns estados já buscam quatro safras. Ao mesmo tempo, a necessidade de alternativas econômicas e agronômicas fez a lavoura de arroz abrir espaço à soja e milho. Unimos entidades, produtores e pesquisa e transformamos isso em ação coordenada. Duas safras é meta, mas há potencial para mais”.
Planeta Arroz – Qual a parte do arroz nisso?
Gedeão – “É fundamental. Nos últimos 25 anos, a rizicultura avançou tecnicamente, mas reduziu área por baixa rentabilidade e sucessivas crises. As várzeas só tinham duas alternativas: arroz ou pecuária. A área que chegou a quase 1,2 milhão de hectares semeados e perto de 750 mil/ha em pousio, baixou pra 850 mil cultivados, mas tem 505 mil/ha de soja e 10 a 15 mil de milho, ainda sorgo e pastagens. No inverno, o que era inimaginável há 10 anos, há uma área considerável com trigo em terras baixas. E temos espaço pra crescer”.
Planeta Arroz – Crescer como?
Gedeão – “Era preciso articular as ações, e a Farsul tomou a frente. Foi essencial o suporte tecnológico da Embrapa. O gargalo está na transferência de tecnologia e em despertar o interesse dos produtores. Com tecnologia, a zona do arroz passou também a um ambiente para soja, milho, trigo, carnes, com vantagens agronômicas, econômicas e ambientais”.
Planeta Arroz – Sem prejuízo à produção de arroz?
Gedeão – “Exato. Graças à evolução tecnológica e à qualificação do produtor, as áreas arrozeiras se tornaram eficientes e permitem agregar culturas sem prejuízo à oferta de arroz. A Federarroz, nossa parceira, aponta a área ideal de produção de arroz no RS em 800 mil hectares em função do Mercosul. Há alguns anos, não se podia propor redução de área sem levar alternativas ao agricultor. Agora, com o sulco-camalhão e outras tecnologias, é possível recomendar que o produtor busque a rotação”.
Planeta Arroz – Qual o futuro do arroz na metade sul?
Gedeão – “O arroz sempre será o protagonista das terras baixas. O RS produz 70% do arroz brasileiro e continuará sendo vital ao abastecimento e a segurança alimentar do país”.
Planeta Arroz – O que o senhor espera do milho na metade sul?
Gedeão – “A metade sul gaúcha será, para o futuro, um grande fornecedor de milho do Brasil. Além do uso das terras baixas, há fartos mananciais hídricos construídos quando era possível e sem o tamanho das restrições legais de hoje. O milho só anda bem se irrigado. A avicultura e a suinocultura poderão voltar a crescer”.
Planeta Arroz – Construir açudes é impossível?
Gedeão – “É uma encrenca. Neste terceiro ano de seca fica claro, quem tem irrigação, tem mais chances de estabilidade produtiva. A legislação ambiental permite cometer o crime de salgar a água doce que pode ser represada nos meses de chuvas para assegurar a produção de alimentos”.
Planeta Arroz – Não faz sentido…
Gedeão – “Exato, não faz sentido. Avançamos liberando pivôs de licenciamento e tornando barragens com alague de até 25 hectares alvo de licenças municipais, mas ainda temos grandes desafios. Ao coibirem a construção de barragens num estado em que chove até dois mil milímetros por ano, estão nos condenando a perder para o mar a água que poderia produzir grãos. A chuva é mal distribuída. Eu tenho seis pivôs, e suspendi a lavoura de arroz, optei por milho. Não tive problema graças aos reservatórios construídos décadas atrás”.
Planeta Arroz – E o futuro?
Gedeão – “É promissor. A metade sul é a nova fronteira agrícola brasileira. Temos boa base em pecuária e rizicultura, e chegaram com força a soja, milho, trigo e cadeias produtivas que se somarão. O momento também é de avaliação. O avanço da soja exige a reinvenção da pecuária”.
Planeta Arroz – A agricultura reduziu os campos da pecuária…
Gedeão – “Estamos enfrentando o problema produtividade, redução da idade de acasalamento e abate, melhores índices de fertilidade e peso. Oportunizamos que a pecuária use o resíduo dos grãos. Mas, na primavera/verão, falta campo pra segurar o boi. A pressão de oferta derruba preços”.
Planeta Arroz – Qual sua expectativa ante os novos governos?
Gedeão – “O agronegócio tem uma dificuldade histórica com governos petistas, em especial no que tange a respeitarem o direito à propriedade, à segurança jurídica e a paz social no meio rural. No RS, o governo teve o apoio da entidade no primeiro mandato e trabalhou bem no sentido de diminuir o tamanho do Estado e o custo que representa à sociedade. Houve avanços com reformas tributária e administrativa. Eduardo Leite apoiou o projeto Duas Safras, onde a irrigação é diferencial, e somou-se a diversas iniciativas da Farsul e do agronegócio”.