A última safra em reserva indígena

À primeira vista, parece impossível produzir arroz em plena Amazônia. Mas em Pacaraima, cidade cercada por montanhas na fronteira com a Venezuela e a Guiana, as florestas cedem espaço a extensas planícies ocupadas por lavouras.

Sob um calor inclemente de 40ºC e o olhar atento de tuiuiús e gaviões, colheitadeiras funcionam a pleno vapor rasgando as lavouras de arroz do extremo norte de Roraima. Enquanto as aves se alimentam do rastro de palhada deixado no solo, o movimento incessante das máquinas denuncia a pressa dos agricultores gaúchos para colher a última safra antes da iminente expulsão da Raposa Serra do Sol.

Por determinação do Supremo Tribunal Federal, eles têm até 30 de abril para abandonar 1,74 milhão de hectares definidos como território exclusivo da nação indígena que habita a região. Desde 1998, quando o governo federal demarcou o território e concedeu o direito exclusivo de exploração das terras a tribos de cinco etnias, um ambiente de tensão e discórdia reina no local.

À primeira vista, parece impossível produzir arroz em plena Amazônia. Mas em Pacaraima, cidade cercada por montanhas na fronteira com a Venezuela e a Guiana, as florestas cedem espaço a extensas planícies ocupadas por lavouras.

A proeza agrícola é obra de uma colônia de produtores gaúchos que migraram para a região nos anos 70. Com a iminente expulsão do local, eles transformaram a fazenda Depósito, do gaúcho Paulo César Quartiero, no quartel-general da insurreição. Ex-prefeito da cidade, Quartiero foi preso pela Polícia Federal em maio de 2008, por tentativa de homicídio, formação de quadrilha e porte de objeto explosivo, quando organizava uma resistência armada à desocupação.

Produtor deve gastar cerca de R$ 2,8 milhões com mudança

Natural de Torres, Quartiero foi um dos desbravadores de Roraima. Chegou em setembro de 1976, deixando para trás propriedades arrendadas no Estado. Com duas fazendas dentro da reserva indígena, o produtor perderá 7,5 mil hectares ocupados por lavouras de arroz, soja e 2,5 mil cabeças de gado. No auge da produção, chegou a empregar 80 funcionários. Hoje, são menos de 40. Prestes a ser expulso do local, ele reclama o pagamento de uma indenização por parte do governo federal.

– Para transportar o maquinário e os animais para outro local, que eu ainda não sei qual será, teria um custo de R$ 2,8 milhões e demoraria pelo menos 240 dias – reclama.

A saída dos agricultores torna uma incógnita o futuro do pequeno vilarejo de Surumu, distante 295 quilômetros da capital Boa Vista e onde índios, brancos e mestiços convivem com a incerteza dos próximos dias. Temerosos de que a saída dos gaúchos faça refluir a incipiente economia da cidade, muitos moradores dizem ser impossível identificar quem é índio ou não.

No local, vivem 53 famílias. A maioria dos moradores é funcionário público, sobrevive graças a programas sociais do governo federal ou prestando pequenos serviços em fazendas próximas.

Com arrozeiros de malas prontas para se mudar, ninguém sabe como vai viver a partir de 1º de Maio. Muitos acham que não terão motivos para comemorar o Dia do Trabalho.

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