Acertos & erros
A produção de soja em terras de arroz é uma
tarefa árdua quando conduzida de forma independente. Mas há quem aceite o desafio
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O cultivo de soja em áreas de várzea do Rio Grande do Sul está apresentando um expressivo crescimento a cada safra. No entanto, a implantação da cultura neste tipo de solo tradicionalmente cultivado com o arroz representa para os agricultores gaúchos um desafio bem maior do que parece. O produtor Orlando Gomes, de Itaqui, assim como muitos outros na fronteira-oeste, conhece bem o caminho das pedras. Em sua propriedade são cultivados seis mil hectares de arroz, com uma produtividade de oito mil quilos por hectare.
Na safra 2011/12 ele resolveu investir na cultura da oleaginosa amparado por dois argumentos irrefutáveis, conforme explica o engenheiro agrônomo Gustavo Trojan Schmitz, responsável pela produção de arroz e soja na fazenda do seu Orlando e em outras lavouras da região: “Fomos motivados pelo preço da soja, que na época dos contratos estava altíssimo, e principalmente pela inviabilidade de muitas de nossas áreas cultivadas com arroz, tomadas por arroz vermelho e outras infestantes resistentes a herbicidas”, relata.
De acordo com Schmitz, o sistema adotado na ocasião foi o de camalhões em desnível. “Os resultados só não foram melhores porque tivemos problemas bem sérios em relação à irrigação. Este ano mudamos o sistema de cultivo para microtaipas em nível. Tivemos, porém, um grande problema ocasionado pelo clima. Choveram 1.280 milímetros em três meses, ou seja, quase a chuva de um ano inteiro em apenas 90 dias. E foram nestes mesmos 90 dias que tentamos implementar a cultura”, explica.
O engenheiro agrônomo ressalta que a intenção inicial era plantar 900 hectares de soja, mas esta expectativa acabou sendo reduzida para 350 hectares. “E ainda estamos tendo problemas com o estabelecimento da cultura. Temos áreas de soja muito boas e áreas muito ruins. Também não atribuímos tudo ao clima. Temos outros fatores como tipo de solo e qualidade de sementes. Outro grande problema que enfrentamos é a assistência técnica para soja na região. Não temos agrônomos nem técnicos capacitados para nos ajudarem por aqui. Somos somente nós fazendo e aprendendo com nosso grupo em acertos e erros”, analisa Schmitz.
PREVISÃO
Em relação à expectativa para a safra da soja na região, o agrônomo é cauteloso sobre qualquer previsão. “Ainda é uma dúvida, porque temos talhões muito desuniformes. Em algumas áreas localizadas vamos colher mais de 40 sacas por hectare, em outras menos de 10 sacas. Em outras lavouras da região pude notar nesta safra que o camalhão em desnível está se sobressaindo devido à melhor drenagem de algumas áreas, porém, já temos notícias de áreas que precisaram de irrigação e estão enfrentando dificuldades”, observa.
NA LIDA DO CAMPO
O sorriso no rosto e os óculos escuros não escondem uma certa inquietação nas feições deste jovem engenheiro agrônomo de 29 anos, formado pela PUC Uruguaiana, enquanto percorre de carro as estradas que margeiam as lavouras de arroz da região de Itaqui. “Preocupa-me a previsão oficial de que teremos uma boa safra de arroz. Como isso é possível se a fronteira-oeste, que é a maior produtora de arroz do RS, estado responsável por 70% da safra nacional de arroz, teve mais de 25 dias de chuva e tempo nublado no ciclo de uma cultura em que é essencial sol e calor? Sim, estou um pouco decepcionado com os nossos representantes neste aspecto”, desabafa Gustavo Trojan Schmitz.
Mas há problemas ainda mais graves a serem enfrentados, segundo ele: “Em minha opinião, a maior crise ainda está por vir. É a chamada crise da mão de obra no campo. Estamos bem próximos de um apagão. Eu que lido com um número elevado de funcionários pelo fato de a área ser grande, estou enfrentando esse problema e vejo que isso vem se agravando. Temos tentado treinar o pessoal, mas é bem complexo. É trabalhar de sol a sol e hoje em dia está difícil de encontrar pessoas que queiram. É bem mais fácil dar um jeito de receber uma bolsa auxílio ou arranjar algum emprego na cidade”, revela.
A experiência de Schmitz ilustra bem a realidade de quem escolhe ficar no campo e aceitar os desafios que a tarefa exige: “Trabalho de forma independente, não estou ligado a nenhuma instituição. Mas sou de família de produtores rurais. Minha família tem lavouras em Uruguaiana. Fui criado no campo e gosto muito da lida. Creio que somente assim que podemos enfrentar a batalha que é a produção de alimentos no Brasil. Assim temos que ser de tudo um pouco aqui nesta lida, de psicólogos até mecânicos, passando por administradores e advogados. Durante o ano temos vários desafios e vamos superando um de cada vez até chegarmos à safra, onde deveríamos vender nossa produção muito bem para recompensar todo o nosso trabalho. Com certeza nosso governo deveria olhar para nós, nos valorizar e agradecer por sermos competentes no que fazemos, mesmo com ele nos atrapalhando às vezes”, avalia.