Agenda global amplia espaço para o arroz pré-germinado
(Por Diego Rosinha, DCR) Vindo de Santa Catarina, assim como os demais introdutores do arroz pré-germinado no Rio Grande do Sul, o agricultor João Carlos Fontana Hanus é um entusiasta dessa forma de cultivo. Em mais de duas décadas em terras gaúchas, aprimorou esse complexo manejo, mais sustentável, e há anos, na Granja Nenê, em Nova Santa Rita, na Região Metropolitana, alcança produtividade um terço acima da média estadual. Mesmo com todas as vantagens potenciais, esse sistema ainda ocupa apenas cerca de 10% da área cultivada no Estado, o principal produtor do alimento obrigatório na mesa do brasileiro. Essa realidade tende a mudar, por imposição de uma agenda global.
Não é um processo a curto prazo, mas o mundo vai demandar mais o arroz pré-germinado. O pesquisador Ibanor Anghinoni, consultor do Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga), explica por quê. “O pré-germinado é a única maneira de você não usar agrotóxico para controlar o inço na lavoura”, diz Anghinoni, que lecionou por 50 anos (1970-2020) na Agronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), tendo como principal tema a fertilidade de solo. Além de reduzir o uso de defensivos agrícolas, o pré-germinado contribui para o uso mais racional da água, em um país que acaba de enfrentar a sua maior crise hídrica em 91 anos.
O consultor do Irga observa que os mercados mais maduros no planeta, com consumidores mais conscientes, estão aumentando a exigência por produtos com menor impacto ambiental, e o pré-germinado é hoje a única forma de cultivo capaz de oferecer isso. Tanto que todo o arroz orgânico produzido é plantado no sistema de pré-germinação. “A humanidade vai exigir cada vez mais alimentos saudáveis”, ressalta o consultor do Irga. “É um processo em evolução.”
Hanus chegou à Granja Nenê em 2008. “No segundo ano comecei a sistematizar toda área plantada, ciente de que esse tipo de plantio dá muito mais trabalho do que o convencional, porque você nivela o terreno, deixando os quadros com menor consumo de água”, lembra. “É um projeto bastante caro, mas em longo prazo se paga.” O agricultor já havia estruturado lavouras em outros Municípios, antes de se estabelecer em Nova Santa Rita. Entre essas áreas, há até algumas que hoje exibem selo de produção orgânica, a partir do trabalho estruturado por Hanus.
Consumo de água
Ele calcula que o consumo de água seja cerca de 40% menor, pois, como os quadros são nivelados, a água da chuva fica dentro e mantém a lavoura sempre com água. “Aqui na Granja Nenê, eu começo a preparar toda a lavoura somente com a água da chuva”, conta. “Sempre dou início à preparação do solo em julho e agosto, que são os meses mais chuvosos. Com isso, consigo diminuir os custos com a irrigação e também o uso de água do rio e aproveitar bem a primavera, em que normalmente chove bastante.”
O nivelamento dos quadros também tem papel importante para a sustentabilidade, por permitir controlar a lâmina de água, reduzindo o uso de agrotóxicos em aproximadamente em 45% e o de fertilizante químico em 30%. Uma boa prática adicional que Hanus adota é, após a colheita e feito o aproveitamento da palha do arroz, o uso do roço a faca e de enxadas rotativas, para a incorporação no solo. “O material, num prazo de 60 dias, entra em decomposição, transformando os restos em adubo orgânico, que melhora a qualidade do solo”, diz.
O aprimoramento de técnicas como essa será cada vez mais demandado pela sociedade, avisa o pesquisador Anghinoni. “Pode até demorar, mas não há dúvida de que o pré-germinado ganhará mais espaço, por exigência dos novos tempos.”
Saiba mais
Esse sistema se chama pré-germinado porque tem uma etapa de pré-germinação da semente, com uso de umidade. Depois, a semente é acomodada em lâminas d’água com alturas predefinidas sobre solos planos organizados em quadros, em que o cereal vai se desenvolver banhado em água, em vez do método mais tradicional, a semeadura em solo seco. “O nivelamento do solo tem de ser refeito periodicamente”, observa o coordenador regional da região central do Irga, Pedro Trevisan Hamann. “Um bom aplainamento da área vai ajudar a reduzir o uso da água.” “O Irga tem pesquisas que mostram que, 15 dias após a floração plena, pode-se suprimir a colocação da água na lavoura”, acrescenta Hamann.
Consultor do Irga, Anghinoni vê como uma das principais vantagens do cultivo do arroz no sistema pré-germinado a utilização da lâmina d’água para controlar plantas invasoras, os inços. “A água é o melhor herbicida da lavoura de arroz”, complementa Hamann. “Reduz o uso de herbicidas para arroz-vermelho e capim-arroz, por exemplo.”
Tradicionalmente, o Rio Grande do Sul, responsável por 70% da produção de arroz do país, cultiva o cereal em 1 milhão de hectares. Destes, em torno de 100 mil hectares estão no sistema pré-germinado, e os 90% restantes em semeadura em solo seco – a tendência, porém, é de que diminua esse predomínio.
Há 10 anos, a produtividade média do arroz no Estado, incluindo ambos os sistemas, era de 5,4 toneladas por hectare e agora, com o aprimoramento de técnicas, chega a 9 toneladas, tornando o Rio Grande do Sul um case mundial. Na lavoura de Hanus, em Nova Santa Rita, o desempenho é ainda melhor, atingindo uma produtividade de 12 toneladas por hectare.