Agropecuária puxa a indústria
Autoria: Xico Graziano – Xico Graziano, 66, é engenheiro agrônomo e doutor em Administração e professor de MBA da FGV .
O agro respondeu por 43,2% das exportações brasileiras em 2019, gerando divisas de US$ 96,8 bilhões. É incrível. O trabalho no campo movimenta a grande riqueza do país.
No ranking dos 10 produtos mais exportados pelo Brasil, perceba que 8 se originam na roça:
* soja em grãos;
* petróleo em bruto;
* minério de ferro;
* celulose;
* milho em grãos;
* carne bovina;
* carne de frango;
* farelo de soja;
* café em grãos;
* açúcar em bruto.
Todos os produtos básicos, somados, independente da origem, respondem por 52,7% da pauta das exportações brasileiras, suplantando os manufaturados em 2019. O fato não ocorria há 40 anos.
A velha guarda de economistas vê nesse fato um problema: o Brasil estaria demonstrando um sintoma típico da “doença holandesa”. Nos anos de 1960, a descoberta e exportação de gás natural dos Países Baixos apreciou a taxa de câmbio e, por estimular as importações, afetou a indústria local.
Doença holandesa passou a ser assim denominada, em geral, quando um país faz de seus produtos básicos o forte das vendas ao exterior. Decorre, em consequência da teoria, uma danosa “desindustrialização” da economia. Será aplicável no Brasil tal raciocínio?
Não parece. Embora a doença holandesa tenha sido registrada em algumas situações no passado, aplicar essa teoria aos dias atuais do Brasil significa desprezar o avanço tecnológico verificado na agropecuária nacional. Explico.
Antes era verdadeiro supor que a maciça exportação de gêneros agrícolas refletia tão somente a vantagem natural de um país. Hoje, porém, cada tonelada de alimento embarcada nos navios faz girar um tremendo complexo produtivo. O setor agrícola não mais funciona de forma isolada.
Essa realidade vale para os grãos e seus derivados, para as carnes (bovina, suína ou frango), para a celulose extraída dos eucaliptos, para as frutas tropicais, por onde se analisa. A enorme competitividade agrícola brasileira no século 21 está associada ao fator tecnologia, não mais ao fator terra.
Em outras palavras, a modernização tecnológica dos últimos 40 anos, propiciada pelo conhecimento gerado nas Embrapas da vida livrou a agricultura brasileira do tempo de Jeca Tatu. É muito antigo, ou ingênuo, supor no presente a economia rural do Brasil como “primária”.
Essas categorias de análise, que tratam como estanques os setores econômicos, foram ultrapassadas pela história. Enquadrar, por exemplo, a exportação de carnes como “produto básico” fere a lógica do funcionamento do capitalismo agrário contemporâneo.
O Brasil poderia estar sujeito ao mal da doença holandesa se os frigoríficos fossem ainda como aqueles matadouros de antigamente, ou a soja produzisse sem agregar muito valor em seus grãos. Uma potente indústria de máquinas agrícolas (tratores, colheitadeiras, balanças) e de insumos (fertilizantes, defensivos, sementes) alavanca a agropecuária.
Segundo o Cepea, da Esalq/USP, o PIB do setor de agronegócios é liderado pelo subsetor de agroserviços (42%), seguido pelo subsetor da indústria relacionada ao agro (30%). Dentro da porteira das fazendas, considerado, este sim, setor primário, gera-se apenas 23% do valor.
Ou seja, existe um tremendo, e crescente, valor agregado nas exportações agrícolas do país. Ao contrário da doença holandesa, a produção agropecuária está puxando a indústria brasileira.
Na verdade o agro está carregando a economia nas costas.