Análise conjuntural: 2023, o ano em que o arroz valeu mais que a soja

 Análise conjuntural: 2023, o ano em que o arroz valeu mais que a soja

(Por Cleiton Evandro, AgroDados/Planeta Arroz) O mercado do arroz no Sul do Brasil encerrou um 2023 com preços acima da expectativa ao longo da cadeia produtiva e uma quase inédita inversão na tradicional relação formador x tomador de preços. Desde setembro, pelo menos, é o agricultor quem determina o valor de venda do grão, invertendo completamente a lógica que imperou no sistema produtivo ao longo das últimas décadas em que o varejo determinava preços, a indústria. O resultado é uma capitalização de boa parte dos produtores, em especial aqueles que trabalham com uma gestão profissionalizada e escala, integração com pecuária e rotação com outras culturas.

O arroz foi o produto lucrativo do mosaico de produção da metade sul gaúcha no segundo semestre de 2023 e, segundo o indicador Cepea/Irga, evoluiu 39% em moeda nacional e 47% em dólares, uma vez que a moeda norte-americana registrou uma desvalorização de 8% no ano. A saca iniciou o ano, segundo o mesmo indicador, a R$ 92,36 (US$ 17,59) e terminou em 31 de dezembro em R$ 127,36 (US$ 25,99). Em janeiro, até esta quinta-feira, dia 4, já subiu mais 2,2% alcançando R$ 129,59 (US$ 26,38).

O comportamento dos preços no Litoral Norte gaúcho – com negócios a até R$ 145,00 para variedades nobres – impactou a média. A Zona Sul e a Planície Costeira Interna, com negócios de até R$ 136,00 “livres, a levantar”, o que importa em custo de R$ 138,00 contando CDO e taxas, também ajuda a elevar a cotação. A Campanha e a Região Central mantêm preços entre R$ 120,00 e R$ 125,00. E isso segura uma evolução maior da média.

FATORES DE ALTA

Mesmo com a safra mais cara plantada em 2022/23, quem fez média ou optou por comercializar no segundo semestre, teve um desempenho financeiro muito superior aos outros grãos (soja, milho, trigo e também da pecuária). Contaram para essa valorização diversos fatores. A começar pelo resultado recorde das exportações em 2022, com 2,11 milhões de toneladas, que reduziu os estoques de passagem do Brasil a um dos níveis mais baixos das últimas décadas.

Outro fator importante foi o resultado da safra. A estiagem do terceiro ano de influência de La Niña, com baixas reservas de água, e a alta dos custos de produção – associadas à maior ocorrência de semeadura de soja em terras baixas – redundaram em uma área semeada historicamente menor. O resultado da colheita também ficou abaixo da estimativa inicial.

Refletindo ainda a pandemia de Covid-19 e os altos gastos governamentais ao redor do mundo, a inflação voltou com força em todo o planeta. Para combater a inflação, diversos países retiraram taxas de importação de alimentos. Entre eles, o México, que se tornou o grande protagonista das compras de arroz em casca no Brasil. As tradings começaram a operar em maior volume e a indústria precisou disputar matéria-prima com os exportadores pelo arroz em casca. Isso gerou uma sobreposição de oferta de preços e a indústria e traders ao invés de esperarem a oferta do produtor, passaram a correr atrás do grão. O agricultor passou a escolher para quem vender, quando vender e em, em algumas conjunturas, a que preço negociar.

A demanda por grão beneficiado enfraqueceu em boa parte do ano e só apresentou alguma recuperação na etapa final do ano. Os quebrados de arroz do Brasil, no entanto, se mantiveram com forte presença no mercado internacional com negócios confirmados com a Europa, Estados Unidos e países da África.

FATORES EXTERNOS

Entre julho e setembro, então, veio o fator que potencializou o cenário de alta dos preços internacionais e elevou as cotações brasileiras a cerca de US$ 900 por tonelada (branco). O clima mudou de La Niña para El Niño, e ainda assolados pela inflação e com eleições gerais agendadas, os grandes exportadores mundiais sentiram o impacto.

A Índia, que sozinha respondia por 40% do mercado global de arroz (22 milhões de toneladas, base branco) até 2022, suspendeu as vendas de quebrados de arroz em julho e de arroz branco “não aromático”, o que incluiu o longo-fino, padrão negociado pelo Brasil e os Estados Unidos e o Mercosul. Logo depois aplicou uma tarifa de 20% sobre o “parboilizado”, o que deve ser mantido ao menos no primeiro semestre deste ano. A demanda dos países compradores foi redirecionada para a Tailândia e o Vietnã, e os preços referenciais destes países passaram a superar recorde após recorde e chegaram próximos dos históricos valores de 1973 e 2008/09.

A COLHEITA AMERICANA

Outro componente importante foi uma colheita com baixa qualidade de grãos nos Estados Unidos, em que encontrar longo-fino com 52% de inteiros foi razão de festa pela indústria norte-americana. Isso manteve, apesar dos preços mais baixos dos EUA, a pressão de compra das Américas e parte da África, sobre o Mercosul, mesmo com valores mais altos.

Nesta região do mundo, os preços não pararam de subir, pois a Argentina tornou-se pouco competitiva e potencializou as vendas para o mercado interno – único com crescimento de demanda no Mercosul em função das condições econômicas -, Paraguai e Uruguai já estavam “vendidos” em setembro, apenas carregando os contratos praticamente até o final do ano, zerando os estoques. Restou o Brasil como fornecedor de grãos de qualidade para boa parte do mundo, mas também carregando ao final do ano contratos de exportação negociados até agosto/setembro.

MERCADO INTERNO

Ao mesmo tempo, o mercado interno permaneceu aquecido por conta do varejo assimilar melhor o repasse dos custos da matéria-prima por parte da indústria. O pacote de cinco quilos de arroz branco, Tipo 1, passou da média de R$ 18,00 para R$ 29,00, com algumas marcas e variedades nobres superando os R$ 40,00.

O medo do varejo era faltar arroz, o da indústria era de faltar estoques e o do produtor era uma intervenção do governo federal retirando as tarifas de importação (10% para o arroz em casca e 12% para o beneficiado). E com isso, uma importação massiva de grão de baixa qualidade, como ocorreu em 2021/22. Em novembro do ano passado foram anunciadas importações de arroz da Tailândia, mesmo com a TEC vigente de 12%. São 62 mil toneladas de Thai 100% Grade B, branco, que chegarão em Rio Grande na próxima segunda-feira (8/1) e no próximo dia 16/1, importados pelas tradings Viterra e ADM, por valor médio de US$ 630 por tonelada, enquanto no Brasil “o presumível mesmo padrão de produto” é cotado entre US$ 880,00 a US$ 910,00. A qualidade só será atestada quando chegar ao reprocessamento dentro da indústria brasileira e ao consumidor.

CONJUNTURA LOCAL

Na última semana de 2023, entre o Natal e o Ano Novo, muitas indústrias fizeram recesso ou férias coletivas. O mercado arrefeceu. Por seu lado, o arrozeiro esteve recolhido do mercado, preocupado com um plantio pra lá de complicado pelo excesso de chuvas que começou em setembro com a chegada do El Niño, enchentes e aperto nas janelas de plantio do arroz e da soja, e depois dificuldades nos tratos culturais. Há produtores semeando arroz e soja ainda em janeiro de 2024. Será uma longa colheita, que não terminará antes de maio. E, afetada pelo clima, com menor produtividade e área do que o previsto.

O MOMENTO

Neste momento, o mercado está com seus agentes resguardando posição. O produtor não faz questão de vender porque não vê uma conjuntura que impacte o mercado a ponto de reduzir os preços, ora firmes e avançando. Mira nos R$ 150,00 por saca. A indústria só compra sob extrema necessidade, e parte dela já tem negócios de “arroz verde”, contratados em outubro/novembro, entre R$ 95,00 e R$ 110,00 por saca para entrega na safra.

Há quem acredite que esta será a média de preços num eventual recuo da saca diante da pressão de oferta. Na média, de R$ 102,50, considerando uma repetição da produtividade de 176 sacas colhidas no ano passado, o rendimento por hectare chegaria a R$ 18.040,00, valor mais do que suficiente para cobrir os custos de produção, mesmo em eventual caso de replantio. Mas, estamos falando em média para o piso dos preços, numa situação hipotética. E precisamos lembrar que a média de 2023, em reais, ficou abaixo de R$ 95,00 por saca. Avaliando pelo teto, o hectare renderia R$ 22,800,00.

Não podemos esquecer, por exemplo, que a média de preços da soja em 2023 foi de R$ 138,00, o que corresponde a R$ 2,30 por quilo, segundo a Emater/RS. O arroz, pela média, ainda fica abaixo disso, em R$ 1,90/kg. Já avaliando os preços médios atuais, a soja encontra-se em R$ 129,50 (R$ 2,16) e o arroz em R$ 130,00, ou R$ 2,60 por quilo. Em 2023, pela primeira vez na história, o arroz valeu mais do que a soja.

A ESTRATÉGIA

A indústria precisará mudar sua estratégia e provavelmente comprar mais no primeiro semestre de 2024 do que em 2023. O varejo seguirá pressionando, uma vez que tem o arroz como um produto de atração dos clientes, a ponto de vender o pacote de algumas marcas, em alguns momentos, com preços abaixo do valor de compra. O consumidor, pagará o que precisar pagar, pois além de seguir o arroz sendo o produto mais barato da cesta básica, os sucedâneos (macarrão, farináceos, tubérculos) não têm o mesmo rendimento de panela e se mantêm mais caros no comparativo rendimento x preço.

EXPECTATIVA PARA 2024

A expectativa de preços ao longo de 2024, segundo o Cepea, é de preços estáveis, com picos de baixa a partir do final de março/abril e maio, por causa da oferta concentrada, mas elevação ao longo do ano, dentro de uma trajetória que já é tradicional à exceção do período de pandemia. Mas, alguns fatores devem servir de alerta para novos sobressaltos nos mercados. Por exemplo, se a Índia que anuncia uma boa colheita, voltar a exportar o mercado internacional cai. Embora opere um grão índica (longo-fino) de baixa qualidade, o efeito dominó alcançará as cotações da Ásia e, por tabela, chegará ao Mercosul.

Certo é que o Brasil tem um mercado interno ainda forte – e que ajuda a consumir os excedentes dos países vizinhos – em 10,5 milhões de toneladas de consumo, seguirá sendo um player global exportando algo próximo de 3% do mercado internacional (e importando 2%) e o anúncio, pelo México, de que manterá a suspensão das tarifas de importação de arroz, nos garantem uma condição mais competitiva. Falta, agora, colher bem e ter um câmbio mais favorável.

Mas, isso depende mais de São Pedro (por causa do clima) e da política cambial. E estes são departamentos que os arrozeiros não têm ingerência. Ainda assim, neste momento, os fatores positivos desta complexa conjuntura da orizicultura brasileira, são mais efetivos do que os fatores negativos, e a perspectiva é boa para o setor. Afinal, arroz a R$ 120/R$ 130 é bom para o produtor e para uma indústria que opera em cima de margem, 5% a 8% sobre média de R$ 125,00 é bem melhor do que sobre os R$ 91,00 do início de 2023.

Deixe um comentário

Postagens relacionadas

Receba nossa newsletter