Arroz pré-germinado: tendência sustentável e competitiva
(Por Diego Rosinha) O inverno nem terminou, e João Carlos Fontana Hanus adianta o plantio em sua lavoura de arroz na Granja Nenê, em Nova Santa Rita/RS. É uma rotina para um dos introdutores do sistema pré-germinado no Rio Grande do Sul, que ao aprimorar o manejo nas duas últimas décadas elevou os níveis de produtividade e, ao mesmo tempo, a sustentabilidade na Região. A 30 quilômetros de Porto Alegre, nessa fazenda centenária, que abriga inovações desde a época do uso do locomóvel (máquina a vapor), Hanus encontrou espaço, assim como o apoio da proprietária, Maria Cristina Portinho, para desenvolver técnicas e superar adversidades, entre eles os conflitos agrários da história recente.
De sua lavoura, chega a colher 12.000 quilos por hectare, quase 50% acima da referência gaúcha, de 8.400 quilos por hectare. De cada porção de terra consegue alimentar 182 adultos com duas refeições diárias durante um ano inteiro: 54 a mais do que a média. A Granja Nenê é um retrato dos avanços das técnicas em favor da segurança alimentar. Nos anos 1970, a produção desse item básico da alimentação dos brasileiros oscilava entre 2.300 e 2.900 quilos por hectare, o que alimentava entre 35 e 44 adultos por hectare ao longo do ano, ou seja, um quarto da atual.
Cresceu a produção, e aumentou também a eficiência, com menos impacto ambiental. “Aqui na Granja Nenê, eu começo a preparar toda a lavoura somente com a água da chuva”, conta Hanus. “Sempre dou início à preparação do solo em julho e agosto, os meses mais chuvosos. Com isso consigo diminuir os custos com a irrigação, usar menos água do rio e começar o plantio mais cedo. Aproveito bem a primavera, em que normalmente chove bastante, então consigo usar menos água.”
Esses avanços, resultado do trabalho meticuloso e do aprimoramento de tecnologias, tiveram a necessidade como impulsionadora. Não por acaso o pré-germinado foi trazido ao solo gaúcho por produtores catarinenses. Pelas características do Estado vizinho, as propriedades rurais eram menores e as fontes de água mais escassas. Para contornar a adversidade, aprenderam a utilizar a chuva e administrá-la em lâminas de água em quadros, diferentemente das lavouras convencionais do Pampa, organizadas em curvas de nível desenhadas por taipas.
Hanus conta que, ainda jovem, começou a plantar o cereal na propriedade de menos de 100 hectares da família, em Santa Rosa do Sul/SC, com o irmão mais velho e o pai (vindo adolescente ao Brasil, de uma Alemanha destruída na II Guerra Mundial, e cuja mãe escolheu o Estado vizinho por ser uma católica devota de Santa Catarina). “Lá (no sul de SC) as áreas eram muito pequenas”, conta. “Uma vez a gente teve de vir ao Rio Grande do Sul comprar peças para uma colheitadeira e, no caminho entre Santo Antônio e Capivari, a gente se encantou com as planícies.” Nessa viagem nasceu o sonho de se transferir para o outro lado do Rio Mampituba.
Cultivo diferente
O produtor Hanus chegou ao Rio Grande do Sul em 1998, trazendo a experiência com o cultivo diferente. Prosseguiu no manejo da chuva, porque, mesmo o Rio Grande do Sul tendo mais rios, nem sempre havia disponibilidade de irrigação, pois os proprietários das terras arrendadas costumavam deixar para ligar as bombas no final do ano, dezembro, depois do plantio da lavoura convencional. A lavoura do pré-germinado é mais cedo, para se beneficiar de um clima mais ameno. Como o desenvolvimento do grão é melhor numa água amena, com temperatura em torno de 20ºC, o plantio se situa entre 25 de setembro e 20 de novembro. Uma das vantagens do sistema é a de que, com a água, é possível controlar o arroz vermelho, um inço, dispensando agrotóxicos e mantendo a terra fértil.
A limitação de irrigação forjou um produtor que, mesmo a poucos metros do Rio Caí, mantém a virtude de aproveitar a chuva. “Fico doente quando vejo desperdício de água”, diz. Quando começou a produzir na Granja Nenê, em 2008, a área ainda não era estruturada para o pré-germinado. No ano seguinte, iniciou um processo de sistematização, com divisão em quadros para nivelamento de acordo com o solo. “Tem de respeitar as características de cada região”, ressalta.
Hanus salienta que, apesar dos avanços, trata-se de um processo trabalhoso e desafiador. Se doma o arroz vermelho, acaba tendo outro vilão para enfrentar: um caramujo atraído pela água que cobre as plantações. Ainda assim, exige menos defensivos do que uma lavoura convencional. “Com certeza este tipo de plantio dá muito mais trabalho do que o plantio convencional, porque você nivela o terreno, deixando os quadros com menor consumo de água”, observa. “Mas você só faz isso uma vez. É um projeto bastante caro, mas a longo prazo se paga.”
Plantio mais sustentável e econômico
Segundo Hanus, são inúmeras as vantagens do plantio pré-germinado diante do convencional. Entre elas, a lavoura em quadros, que permite o controle da lâmina de água, fazendo com que o consumo desse bem natural seja cerca de 40% menor do que no manejo convencional. “Como os quadros são nivelados, retêm a água da chuva e mantém a lavoura sempre irrigada”, diz. Outro fator relevante, segundo ele, é a redução do uso de defensivos agrícolas e de fertilizantes químicos em 45% e 30%, respectivamente.
Após a colheita, segue o Hanus, é feito o aproveitamento da palha do arroz, com uso do roço a faca e de enxadas rotativas, para a incorporação no solo. “O material, num prazo de 60 dias, entra em decomposição, transformando os restos em adubo orgânico, que melhora a qualidade do solo.”
O técnico agrícola Danilo Mielczarski conta que o plantio pré-germinado, apesar de representar menos de 10% do total plantado no Rio Grande do Sul, é uma tendência sem volta. “Além da produtividade maior até 80% superior, é uma técnica que reduz significativamente o uso de defensivos”, afirma. Segundo ele, trata-se de uma questão de segurança alimentar. Em tempos com inflação elevada, o arroz pré-germinado ajuda na redução dos custos para o consumidor, garantindo o abastecimento da população.