Ataque à guerra fiscal
Relatório final propõe
ação direta de inconstitucionalidade contra os estados que praticam alíquotas
baixas para o arroz
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Um novo capítulo na luta contra a guerra fiscal entre os estados começa a ser escrito no Rio Grande do Sul a partir da conclusão dos trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito do Arroz. Instituída pela Assembleia Legislativa do RS em outubro de 2011 para apontar os problemas da cadeia produtiva do arroz gaúcho, a CPI do Arroz foi encerrada oficialmente no dia 23 de maio de 2012, com a apresentação do relatório final do deputado estadual Marlon Santos (PDT).
Foram sete meses de trabalhos nos quais a Comissão, presidida pelo deputado estadual Jorge Pozzobon (PSDB), ouviu representantes da cadeia produtiva, dos governos federal e estadual, além de agentes de instituições financeiras. Durante a CPI, foram feitos indiciamentos e propostas notícias crime contra instituições financeiras e dirigentes do setor.
O documento com as conclusões levantadas pela comissão foi apresentado à mesa diretora da Assembleia Legislativa e deverá ser encaminhado ao Ministério Público Estadual para que sejam tomadas as providências necessárias. Cópias do relatório também serão enviadas à presidenta Dilma Rousseff, ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), ao governo do estado e às secretarias da Fazenda e Agricultura do Rio Grande do Sul, entre outros órgãos governamentais.
O relatório também propõe que a mesa diretora da Assembleia Legislativa encaminhe ao Supremo Tribunal Federal (STF) pedido de ação direta de inconstitucionalidade (Adin) pela nulidade de decretos ou leis estaduais de outros estados que aumentem ou reduzam as alíquotas de entrada de arroz em suas regiões sem a autorização do Conselho de Política Fazendária (Confaz) ou do Senado Federal. Vencida esta etapa, pede que o Confaz estipule alíquota única interestadual ao ICMS.
A medida visa combater a guerra fiscal entre os estados, que, na avaliação do relator da CPI, tem sido o maior problema enfrentado pelo setor e que deve ser combatido urgentemente. “Isso é ilegal e está patrocinando uma guerra fiscal dentro do setor, e só para o RS isso é ruim. É preciso colocar os pingos nos ‘is’ e reconhecer que a guerra fiscal entre os estados é um problema maior do que o Mercosul” enfatiza Marlon Santos.
CONCLUSÕES
Com 80 páginas, o relatório final aponta oito encaminhamentos, duas notícias-crime e dois indiciamentos. Sugere o indiciamento do diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Dirceu Raposo de Mello, no biênio 2009-2010, por omissão da entidade em apurar e tomar as medidas necessárias de proteção à saúde pública, ao ter conhecimento de “conclusões alarmantes” dos estudos do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (Para) no arroz destinado ao consumidor.
A pesquisa detectou em dois anos 33 princípios ativos de agrotóxicos em arroz. Destes, 19 foram referidos pela agência em depoimento à CPI como “ingredientes ativos irregulares e três proibidos no Brasil” para o cereal. O presidente do Sindicato das Indústrias do Arroz de Pelotas, Jairton Russo, também é citado por ter constrangido, mediante ameaça velada, os componentes da CPI a não prosseguirem com a investigação.
Outras sugestões importantes foram encaminhadas através do documento, como o estabelecimento, pelo governo gaúcho, através do Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga), de uma tabela oficial para classificação e comercialização do arroz. A adoção de mecanismos de fiscalização fitossanitária do grão importado também foi cobrada. A CPI indica ao governo federal a retirada da isenção de PIS/Pasep e Cofins do arroz importado para reduzir assimetrias no Mercosul. Esta medida, 60 dias depois, entrou em vigor graças a uma emenda a uma medida provisória do governo, apresentada pelo deputado federal Jerônimo Goergen (PP/RS).
O documento pede ainda que a revisão na lei que operacionaliza os mecanismos de comercialização do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) preveja a liberação dos recursos em 1º de fevereiro, com pelo menos 20% do valor orçado. Também sugere ao Mapa e ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) o aumento da tarifa externa comum (TEC) para o arroz importado de terceiros mercados para 35%.
Ação e reação sobre os estoques
O relatório final do deputado estadual Marlon Santos na CPI do Arroz propõe que a mesa diretora da Assembleia Legislativa gaúcha apresente notícia-crime ao Ministério Público Federal contra a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). O deputado baseou-se no 8º Levantamento da Safra de Grãos 2011/12, divulgado em maio pela Conab, que altera substancialmente os números de safra, consumo e estoques de arroz sem uma explicação lógica ou divulgação dos critérios adotados. Com isso, operou para gerar uma reação baixista no mercado do grão e trazer novos prejuízos aos produtores.
A CPI quer que a Conab esclareça os critérios técnicos e estudos que levaram ao surgimento de mais de 900 mil toneladas de arroz nos estoques nacionais, o sumiço de 2 milhões de toneladas do consumo e de alterações nas produções dos últimos quatro anos, pelo menos. Segundo Marlon Santos, uma das bases importantes para esta conclusão foram relatos do consultor Carlos Cogo, que subsidiou a CPI com sugestões e planilhas indicando erros grosseiros da Conab. “Os subsídios foram muito importantes e nortearam algumas decisões constantes no relatório”, observa o deputado.
A Federarroz também encaminhou um documento ao ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), Mendes Ribeiro Filho, solicitando esclarecimentos sobre o assunto, a publicidade sobre os critérios adotados para esta manobra nos números de estoque, safras, consumo, e que, à medida que sejam constatadas irregularidades, sejam adotados os procedimentos cabíveis. “Um mercado deste tamanho, que envolve milhares de produtores, uma cadeia produtiva do porte da arrozeira, precisa ser tratada com seriedade. E é isso que estamos cobrando”, disse Renato Rocha.
Conab refuta acusação
A denúncia contra a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) no relatório da CPI do Arroz do Legislativo gaúcho gerou uma nota oficial da estatal. Nela, a assessoria da Conab informa que as alegações são infundadas e a empresa tem por norma a isenção, a qualificação e o respeito ao usuário da informação. “A empresa prima pela ética, pela transparência e pela democratização das informações e do conhecimento”.
Sobre o assunto, a companhia reforçou que realiza levantamento mensal de safras e, com base nestas informações, projeta o quadro de oferta e demanda de vários produtos agropecuários e os divulga ao público, depois de passar por criteriosa análise técnica no órgão e instituições nacionais e estaduais. “No caso do arroz, o quadro de suprimento foi alterado em maio, em razão da incorporação dos estoques privados (posição em 29/2/2012) na base de dados, tomando-se por fundamento as informações prestadas pelos armazenadores que tinham estoques sob sua responsabilidade, no RS, SC e MT”.
Além disso, esclarece que o trabalho de apuração dos estoques finais da safra tem amparo no artigo 9º da Lei nº 8.171, de 17/1/1991. “É importante frisar que a Conab respeita e acredita nas informações prestadas pelas instituições detentoras dos estoques, preservando a individualidade das informações”. E prossegue, informando que a existência desse levantamento era de conhecimento das principais entidades do setor, pois a companhia divulgou a realização do processo na 22ª Festa da Colheita de Arroz, em Restinga Seca (RS).
A nota ainda afirma que “a Conab não foi ouvida sobre a questão, não teve a oportunidade de se manifestar sobre a referida notícia nem sobre o relatório preliminar”. E complementa dizendo que, “diante do exposto, entende ser totalmente equivocada a alegação de aumento nos estoques sem uma explicação lógica ou divulgação dos critérios adotados.
A Conab estranha que afirmações isoladas sejam utilizadas como base para colocar em dúvida sua credibilidade, que é amplamente reconhecida e consolidada nos mercados interno e externo. Cabe registrar a contribuição histórica da empresa para o desenvolvimento do setor arrozeiro no RS. Independentemente das informações prestadas, a Conab se coloca à disposição da CPI do Arroz e da cadeia produtiva para quaisquer outros esclarecimentos que julgarem necessário”, finaliza a nota.
No meio do caminho
O setor produtivo do arroz considerou acima da expectativa o relatório final da CPI do Arroz. De acordo com o presidente da Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz), Renato Rocha, o relatório contempla os grandes gargalos da cultura no estado. “A Federarroz, junto com a Farsul e a Federação dos Trabalhadores na Agricultura do RS (Fetag), pediu à CPI para apurar distorções no mercado e considera o pleito atendido. Portanto, a primeira etapa foi concluída”, avalia o dirigente.
No entanto, Renato Rocha considera que as conclusões farão diferença se tiverem o respaldo necessário dos órgãos competentes, etapa final do processo. “O documento formaliza os problemas do setor e indica soluções. Cabe aos órgãos estaduais e federais darem respaldo às demandas e promoverem as mudanças necessárias. De nossa parte, estamos pedindo agilidade na avaliação do documento”, ressalta.
O presidente da Federarroz observa que, se implementadas as medidas sugeridas pela CPI, haverá progressos como uma maior proteção do Mercosul (via TEC), a melhoria da competitividade interna e externa (via equalização do ICMS e retorno do PIS/Pasep e Cofins ao arroz importado), proteção à saúde pública, meio ambiente e consumidores (via exames fitossanitários), disciplinamento da classificação e do mercado do arroz, melhoria e eficácia nos mecanismos de comercialização e benefício para a correta destinação e aplicação do crédito rural nas lavouras pelos produtores. Conforme Rocha, estas são demandas que o setor denuncia e luta há quase três décadas e agora, com o relatório da CPI, ganha visibilidade e chega ao conhecimento do parlamento estadual e da opinião pública.