Brasil vende mais arroz à UE do que toda a cota do Mercosul
Autoria: Cleiton Evandro dos Santos – Analista AgroDados/Planeta Arroz.
A festa dos produtores e industriais da cadeia produtiva do arroz para o histórico acordo de livre comércio assinado na semana que passou entre a União Europeia e o Mercosul se justifica pela esperança do aumento da demanda por produtos agropecuários nacionais, mas não pelas oportunidades imediatas.
Em primeiro lugar, a organização jurídica do acordo e a sua entrada em prática devem levar, no mínimo, 24 meses, segundo os envolvidos. Em segundo lugar é preciso operacionalizar o tratado, na prática. Em terceiro lugar, as cotas não agradaram agropecuaristas europeus e nem chegaram aos patamares desejados pelos mercosulistas. Por fim, ainda não está claro se além destas 60 mil toneladas com cota zero que Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai poderão colocar na União Europeia são rateadas entre os quatro, têm origem em apenas um país, se dependerão da competitividade de cada um, ou por fim, se os países do Cone Sul poderão enviar mais produto em uma lista de tarifas reduzidas.
Pelas normas do acordo assinado o Brasil, a Argentina, o Paraguai e o Uruguai, juntos, terão direito a exportar uma cota anual, de 60 mil toneladas de arroz para o bloco europeu com tarifa zero, fracionada em seis parcelas de 10 mil toneladas. É pouco.
Se levarmos em conta que o bloco do Sul tem um saldo exportável anual de 3,5 e 3,8 milhões de toneladas, a cota europeia representa de 1,6% a 1,8%. Se retirar a média de 1 milhão de toneladas negociadas intrabloco (da Argentina, Paraguai e Uruguai para o Brasil), o percentual do volume sem tarifas a remeter para a Europa representará de 2,1% a 2,4% da oferta do grupo latino.
Para se ter ideia, somente o Rio Grande do Sul envia, em média, volume muito maior do que esse para para o bloco do Euro. Nada impede que, sob demanda e com aplicação das tarifas, os europeus sigam adquirindo o grão brasileiro e dos parceiros de tratado regional. Ou seja, se as cargas sem tarifação forem acrescidas, ao total, a iniciativa é positiva. E se outro montante tiver diferenciação nas tarifas, melhor ainda. No entanto, é certo que os números acertados ficam abaixo das pretensões do bloco sul americano.
600 mil t
A demanda brasileira era elevar o patamar para 400 mil toneladas, enquanto os produtores gaúchos reivindicaram 600 mil toneladas. Pressionada pelos arrozeiros italianos, espanhóis e portugueses, a autoridade do bloco Euro não aceitou nada além das 60 mil já determinadas. Tereza Cristina, ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, chegou a afirmar que no futuro as cotas do acordo serão negociadas e podem evoluir, segmento a segmento.
A situação é complexa, uma vez que em 2019 a União Europeia elevou as chamadas taxas sociais de importação de alguns países asiáticos, graças à influência dos arrozeiros italianos e espanhóis no Parlamento da União Europeia, alegando concorrência desleal e saturação do mercado regional.
Cliente habitual
Em 2019 o Brasil exportou, entre janeiro e maio, 15.919 toneladas (base casca) para o bloco europeu, mas o volume está abaixo da média dos últimos anos. Os maiores volumes foram para a Suíça (14,7 mil toneladas) e Bélgica (1,2 mil toneladas) seguidas do Reino Unido, Holanda, Espanha, Malta, Itália, Alemanha, Noruega, Dinamarca e França com volumes entre três e 46 toneladas. Considerando os 21 principais destinos anuais do arroz brasileiro, a União Europeia apresenta-se como um importante cliente.
Em 2018, por exemplo, o país exportou 90.512 toneladas apenas para a Suíça e Holanda. As duas nações estão entre as 21 maiores clientes do Brasil no ano civil. A Suíça levou 61.161 toneladas e a Holanda 29.351 Levando em conta todo o bloco europeu, o volume se aproxima de 100 mil toneladas. Em 2013, somente esses dois países foram o destino de 115,6 mil toneladas. Considerando o bloco, o Brasil exportou o dobro: 120 mil toneladas em base casca. Suíça, Holanda e Bélgica são os principais destinos.
O Mercosul beirou as 400 mil toneladas exportadas para a Europa.
Destino incerto
Os números do Brasil seguem indicativo da Secretaria de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento e Comércio Exterior (Secex/Mdic), compilados pelo Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga). No entanto, é importante atentar para algumas particularidades. Por exemplo, boa parte das cargas indicadas com destino à Suíça são quebrados de arroz dirigidos à África, mas que têm o país europeu como referência por ser a sede da trading envolvida na negociação.
Holanda e Bélgica, que seguem como os demais destinos importantes do grão brasileiro não são, necessariamente, os consumidores do grão. Vale lembrar que nestes países estão dois dos portos mais importantes da Europa: Roterdã e Antuérpia, respectivamente, de onde há ligação para todo o continente europeu, a África e o Oriente Médio.
Se o acordo vai refletir sobre e ajudar a elevar a renda do setor arrozeiro nacional e participar, mesmo como coadjuvante na recuperação da crise da orizicultura do Cone Sul, só o tempo vai dizer. O certo, por hora, é que qualquer possibilidade de abrir novos mercados já é maior do que oficialmente o nosso país vem fazendo há muitos anos.
Exportações para a União Europeia
Ano Volume (t)
2019 15.919*
2018 90.512
2017 44.354
2016 80.885
2015 79.236
2014 79.189
2013 115.656
*Janeiro a maio, contando todos os países importadores da U.E.
**2013 a 2019 considera a lista dos 21 principais destinos das exportações brasileiras (Secex/Mdic/Irga) em ano civil (jan/dez)
Elaboração: AgroDados