Brasileiros gastam menos com arroz e feijão; despesa com alimentos prontos cresce

 Brasileiros gastam menos com arroz e feijão; despesa com alimentos prontos cresce

Gastos com arroz, feijão e outros cereais correspondem a 5% das despesas com alimentação dentro de casa, segundo o IBGE

Peso de cereais e leguminosas nos gastos com alimentação dentro de casa cai à metade em 15 anos.

A combinação típica no prato dos brasileiros — arroz e feijão — está pesando menos no orçamento das famílias brasileiras. É o que mostra a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) do IBGE , divulgada nesta sexta-feira. A parcela de comprometimento dos gastos com cereais e leguminosas comprados para preparar em casa caiu à metade em 15 anos.

Em 2003, os gastos com arroz, feijão e outros cereais correspondiam a 10,4% da despesa com alimentação dentro de casa. Em 2018, esses itens representavam 5%.

As explicações possíveis são o aumento da despesa com produtos prontos , como industrializados e os pedidos por aplicativo de entrega, e o crescimento do gasto com refeição fora de casa .

Os dados divulgados pelo IBGE ainda não permitem descobrir se os brasileiros estão comendo menos cereais e passaram a comer mais outros produtos. Esse recorte deverá ser divulgado pelo instituto em 2020.

No entanto, nas últimas pesquisas, segundo pesquisadores que já trabalharam com os resultados dos levantamentos anteriores, o número pode refletir a dieta dos brasileiros. Ou seja, a população pode estar comendo menos cereais.

Segundo o levantamento do IBGE, as famílias de menor renda, com até dois salários mínimos, gastam quase o dobro do que as mais ricas, com rendimentos acima de 25 salários mínimos, na compra de arroz e feijão.

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Com a queda da participação dos cereais na despesa alimentar, outros gastos ganharam maior protagonismo. Bebidas e infusões vêm aumentado a participação, de 8,5% em 2003, para 10,6% em 2018, incluindo cervejas e refrigerantes. No mesmo período, alimentos preparados, como industrializados e os comprados por delivery , passou de 2,3% para 3,4%.

André Martins, gerente da pesquisa, diz que o crescimento da participação de alimentos preparados e bebidas ou infusões preocupa:

— Este é um fator importante sobre a condição de nutrição das famílias, pois são produtos muito associados a consumo de açúcares, gordura e sódio.

Qualidade da dieta do brasileiro
Para Carlos Augusto Monteiro, médico e professor titular da Faculdade de Saúde Pública da USP, o crescimento na participação dessas despesas deve acender um alerta na qualidade da dieta dos brasileiros.

Segundo dados do Ministério da Saúde, a cada ano, o país ganha 1 milhão de novos casos de obesidade no país. Entre 2006 e 2018, o país dobrou o número de pessoas nessa situação, atingindo cerca de 20% da população.

— A tendência de troca dos alimentos de arroz e feijão por alimentos processados continua. Os dados iniciais do IBGE mostram a causa desse aumento da obesidade: as pessoas trocaram a alimentação tradicional por alimentos ultraprocessados. É muito ruim. O arroz e feijão são marcadores da qualidade dos alimentos brasileiros, é o que dá saciedade na dieta — afirma.

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Na avaliação do pesquisador, uma outra hipótese pode ser o aumento do comprometimento da renda dos brasileiros com alimentação fora de casa nesse período — entre 2003 e 2018, esse percentual passou de 24,1% para 32,8%.

Segundo Monteiro, as pessoas podem estar comendo cereais fora de casa. No entanto, esse movimento só poderá ser confirmado com o detalhamento das pesquisas feitas pelo IBGE no futuro.

— Nos EUA, se a pessoa come fora de casa, certamente é porcaria. No Brasil, isso é muito híbrido. De maneira geral, fora de casa, o cidadão está mais sujeito a consumir mais alimentos ultraprocessados, o que é pior ainda. Não vamos saber isso agora, somente com o consumo efetivo, que será divulgado mais à frente — explica.

Carnes e pescados pesam mais no orçamento
A pesquisa mostra ainda que proteínas como carnes, vísceras e pescados continuam sendo o grupo de maior participação nas despesas (20,2%), com uma discreta perda em relação à última pesquisa de 2009 (21,9%). Mas cresceu na comparação com 15 anos antes (18,3%). A parcela da despesa com compra de óleos e gorduras caiu pela metade, de 3,4% para 1,7% nos últimos 15 anos. Legumes e verduras e frutas cresceram e a parcela destinada à compra de pães teve leve queda, em relação a 2003.

A POF do IBGE não conseguiu captar a frequência dos alimentos orgânicos na cesta de consumo das famílias. Segundo o gerente responsável pelo levantamento ,não foram feitas menções suficientes para uma representatividade estatística na pesquisa.

— Isso não quer dizer que elas não estejam presentes, mas são mais frequentes em alguns substratos de renda e regiões — explicou o pesquisador.

A pesquisa
A POF é o levantamento mais detalhado sobre os padrões de consumo dos brasileiros. Ela é realizada desde os anos 1970. Nesta edição, técnicos do IBGE visitaram cerca de 58 mil dos 70 milhões de lares brasileiros, em 1,9 mil cidades. A coleta de dados durou um ano.

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As famílias que participaram da pesquisa tiveram de preencher cadernetas e questionários com todos seus hábitos de consumo. Em média, elas eram compostas por três pessoas.

Baseado nessa pesquisa, o IBGE atualiza a cesta de itens que compõem o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que é a inflação oficial do Brasil. Uma nota detalhada de como os dados colhidos no ano passado influenciarão na composiçao desse indicador deve ser divulgada nas próximas semanas.

Com o levantamento, também será possível identificar quantas famílias brasileiras vivem em insegurança alimentar. Ou seja, têm acesso escasso a alimentos e podem estar em situação de fome.

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