Commodities entram em rota de queda

Muitas das commodities envolvidas, as agrícolas entre elas, têm oferta apertada e horizonte sólido para o consumo, sustentado pelo apetite da China e outros emergentes – que crescerá, em maior ou menor intensidade.

Tudo indica que o pico deste ano dos preços das principais commodities negociadas no mundo finalmente ficou para trás, e que pelo menos até dezembro as cotações vão oscilar em torno de um eixo ainda elevado, mas inferior ao do primeiro semestre.

O cenário reflete uma linha de raciocínio que ganhou força entre especialistas a partir do início deste mês, quando boa parte desses produtos, petróleo à frente, começou a perder valor após máximas históricas consideradas pouco prováveis há dois anos.

Tal linha defende que as medidas adotadas em diversos países para combater a turbulência irradiada pelos problemas de crédito nos EUA, sobretudo a elevação das taxas básicas de juros, limitarão expansões econômicas (inclusive em países emergentes) e devolverão a outras aplicações financeiras, como renda fixa, maior atratividade ao investidor.

São dois, portanto, os fatores “baixistas” decorrentes das medidas: a desaceleração em si, que pode conter a demanda, e a redução das apostas de fundos que ampliaram sua participação nas bolsas de commodities em busca de um porto seguro em época de incertezas e juros mais baixos.

Dos dois fatores o que pesa mais nesse momento é o financeiro, já que muitas das commodities envolvidas, as agrícolas entre elas, têm oferta apertada e horizonte sólido para o consumo, sustentado pelo apetite da China e outros emergentes – que crescerá, em maior ou menor intensidade.

Os especialistas consultados alertam, contudo, que essa acomodação dos preços em um patamar menos explosivo não se dará sem nervosismo e grande volatilidade, motivada tanto pelas decisões dos fundos, que não abandonarão de todo as commodities, quanto por novidades ligadas aos fundamentos (fatores que definem o quadro de oferta e demanda) de cada mercado. E aqui todos ressaltam o poder de influência do petróleo, a mais negociada das commodities e base para as estratégias de compra e vendas dos grandes fundos de índices.

David Zylbersztajn, ex-diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP) e hoje na DZ Negócios de Energia, prevê queda para o “ouro negro”. Para ele, a desaceleração da economia mundial vai durar no mínimo dois anos, e as perspectivas são de aumento da produção de petróleo e gás.

– Ninguém está falando que a economia americana se recupera em seis meses, e é preciso esperar os ajustes que serão feitos pelo próximo presidente – pondera.

– Se a China é a fábrica do mundo e os EUA o shopping center, se os americanos não consomem a fábrica não produz.

Desde que os contratos futuros de primeira posição de entrega do petróleo Brent atingiram o recorde histórico de US$ 146,08 na bolsa de Londres, no dia 3 deste mês, o barril já recuou 13,44%. De lá para cá houve dias de altas e baixas, algumas superiores a 3%, mas a resultante aponta para baixo. É o mesmo comportamento que deverá prevalecer nos próximos meses.

No cenário em formação – que despreza barbeiragens na política monetária americana, como ressalva o economista Fabio Silveira, da RC Consultores -, ninguém espera que o petróleo caia tanto a ponto de voltar ao dois dígitos. Corretores projetam um preço médio de US$ 121 neste ano (em 2007 ele foi de US$ 72) e de US$ 120 em 2009.

Lembra que o aumento da oferta de petróleo depende de custos e de fatores locais, que poderão atrasar alguns projetos. Um conflito armado entre Israel e Irã, por exemplo, causaria um tremor que mudaria toda a lógica que parece se firmar.

Para o Brasil e outros países que têm na agricultura um setor mais pujantes, uma queda do petróleo, ainda que acompanhada por baixas de produtos como milho, soja e trigo (as commodities agrícolas mais negociadas), teria o efeito positivo de baratear os fertilizantes, diz Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infra Estrutura (CBIE).

Contaminadas pelo petróleo, as cotações agrícolas tendem a seguir trilha descendente semelhante.

– O movimento é racional. Se as commodities em geral tiveram uma alta extraordinária a partir da queda dos juros nos EUA, um aumento dos juros tende a tirar parte da sustentação – conforme consultores.

– No cenário mais provável, de uma desaceleração econômica não pavorosa, poderia haver uma redução de 5% a 10% nos preços nos próximos meses – acredita especialista. Ele reitera que quedas mais fortes, e mesmo novas altas, são possibilidades reais, pois nem todos os remédios que o “mercado” espera que sejam receitados, em doses que o “mercado” acredita serem as corretas, de fato o foram até agora. O ritmo de alta dos juros nos EUA é um desses remédios.

Entre os fundamentos agrícolas, diz Alexandre Mendonça de Barros, do Centro de Estudos do Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e da MB Agro, o clima no Hemisfério Norte nos próximos dois meses é primordial, já que acima da Linha do Equador as lavouras estão em desenvolvimento.

Foram as chuvas nos EUA, principal celeiro global, que catapultaram as cotações de milho e soja entre o fim de junho e julho – quando alguns analistas já previam que uma queda era inevitável -, um dos poucos períodos em que os fundamentos dessas commodities ajudaram a guiar o petróleo.

Não por acaso, portanto, o recorde histórico dos contratos futuros de segunda posição de entrega da soja na bolsa de Chicago foi também em 3 de julho. Até então, a alta acumulada em 2008 era de 35,8%; de lá para cá, a queda atingiu 16,74%. No milho, a alta foi de 64,6% até a máxima histórica de 26 de junho, e a partir de então a baixa chegou a 22,9%.

Milho e soja também estão ligadas ao petróleo por causa do avanço dos biocombustíveis. Mas mesmo a briga de energia e alimentos por grãos, que preocupa governos e órgãos multilaterais, perde fôlego com o petróleo menos caro.

Sem a mesma relação “física” com o petróleo, mas igualmente dependentes dele pelas proporções de preços que formam as carteiras dos fundos de índices, as commodities metálicas tendem pelo menos a se estabilizar, ainda que os analistas desses mercados não se arrisquem a prever quedas.

Só que, com exceção de zinco e chumbo, que têm uma folga maior entre oferta e demanda, os demais metais cotados na bolsa de Londres (LME) também vêm perdendo valor.

Ainda assim, sustentam especialistas, não há nada que aponte cobre e alumínio abaixo de US$ 7,5 mil e US$ 2,8 mil a tonelada , respectivamente.

Nos dois casos, mesmo que a demanda recue, as apostas são de ofertas apertadas nesta segunda metade de ano, pois a China restringiu a produção de alumínio por falta de energia e a Codelco, do Chile (maior produtora de cobre do mundo) alertou que a produção poderá cair 4,2% para 1,6 milhão de toneladas em 2008, por causa de greves e do envelhecimento de minas.

Os dois metais alcançaram preços históricos nesse mês. O cobre chegou a US$ 8.812 a tonelada também em 3 de julho – o que só confirma a influência dos fundos de índices -, enquanto o alumínio foi a US$ 3.341 no dia 11.

Luiz Manreza, do Standard Bank, diz que os recordes foram influenciados por China e Chile, mas concorda que o “efeito petróleo” foi mais importante.

– Os fundamentos estão estáveis, por isso as oscilações dos metais se acentuam conforme o petróleo e o dólar.

O níquel, como o trigo na frente agrícola, já vinha em queda por conta de seus fundamentos e acumula desvalorização de 27,9% em 2008. Ocorre que os produtores de aço inoxidável estão segurando as compras da commodity, antecipando uma queda ainda maior nos preços.

Fundos de hedge também vêm formando posições a descoberto em níquel, o que tem contribuído para as pressões de baixa sobre os preços. Do lado da demanda, o grande mercado comprador e mantenedor dos preços para o segundo semestre segue sendo a China, que usou boa parte de seus estoques no primeiro semestre.
Na indústria do aço e suas matérias-primas, como ferro e carvão, o cenário é de pouca mudança. Relatório do Credit Suisse aponta que “teremos de ter o PIB chinês crescendo a menos de 7% e o do resto do mundo a menos de 1% para ver qualquer risco significante no curto prazo no mercado de aço”.

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