Como o divórcio de Bill e Melinda Gates afeta a produção de arroz no mundo?
(Por Cleiton Evandro dos Santos – Jornalista e Analista de Mercados da AgroDados/Planeta Arroz)
O mundo dos ricos e famosos, e também o da tecnologia, acordou neste dia quatro de maio impactado pela notícia de que, após 27 anos e três filhos, chegou ao fim o casamento de um dos casais mais afortunados deste planeta: Bill e Melinda Gates, donos da Microsoft. São também os maiores proprietários individuais de terras nos Estados Unidos. Assim, no plural, pois segundo as notícias, eles não têm acordo pré-nupcial – que obviamente não estava em moda há 27 anos e nem a Microsoft tinha todo esse status de gigante global – e, portanto, dividem os bens e a direção do organismo que leva seus nomes: a Fundação Bill & Melinda Gates. Esta, é uma das maiores financiadoras mundiais de pesquisas em tecnologia na área… agrícola. E, nela, se inclui com destaque o arroz.
Pois é, se quando acionamos o celular, o notebook, a internet pelo meio que seja, lá estão Bill e Melinda. Atualmente, quando entramos em qualquer site de notícias no mundo, também. Mas, pouca gente sabe que quando o “planeta arroz” se move, há digitais do casal.
A fundação é uma das principais financiadoras de pesquisas do Instituto Internacional de Pesquisas em Arroz (IRRI) que fica em Los Baños, nas Filipinas, mas através do CGIAR e suas ramificações em cinco continentes, entre eles o Centro Internacional de Agricultura Tropical (CIAT), na Colômbia, está diretamente ligado ao arroz gaúcho. É no CIAT, por exemplo, que está instalado o Fundo Latino Americano de Arroz Irrigado (FLAR), que gera inúmeros materiais genéticos e também é a origem de diversas pesquisas ampliadas e adaptadas pelo Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga).
Pois é, se a tecnologia permitisse, um bom marcador molecular encontraria digitais de Bill e Melinda Gates num fator de resistência à brusone, por exemplo, intrínseco no DNA de determinada variedade cultivada nos fundões do Brasil. Ou, quem sabe, em uma cultivar mais resistente a frio, à seca, mais produtiva.
GOLDEN RICE
O projeto de maior repercussão bancado pela Fundação, via IRRI, é o polêmico Golden Rice, aqui chamado de Arroz Dourado, um dos mais importantes projetos humanitários, de tecnologia e segurança alimentar dos séculos 20 e 21, até agora, segundo o Project Management Institute (PMI). O único de biotecnologia a fazer parte de tão distinto rol.
A tecnologia de desenvolvimento do Arroz Dourado foi doada em 2000 por seus inventores, os professores Ingo Potrykus e Peter Beyer, com o objetivo de ajudar países pobres e suas populações, e ser capaz de lutar contra uma preocupação global como deficiência de vitamina A em certas regiões, como a Ásia e a América do Sul. A deficiência causa cegueira em pelo menos 500 mil crianças por ano, especialmente no Sudeste Asiático. O grão já foi declarado seguro na Austrália, Canadá, Nova Zelândia e Estados Unidos.
O Arroz Dourado é uma variedade – sem patentes – de arroz geneticamente modificado com um teor mais alto de betacaroteno, um carotenóide que no corpo humano é transformado em Vitamina A. O assunto tornou-se polêmico porque algumas instituições consideraram que a pró-Vitamina A transformada seria apenas uma fração muito pequena no organismo humano, e uma pessoa precisaria comer muitos quilos de arroz por dia para que fizesse o efeito proposto. Cientistas do IRRI e de empresas privadas, no entanto, conseguiram multiplicar o efeito com a concentração dos betacarotenos.
Entidades ambientalistas se posicionaram “contra a pesquisa e o consumo”, considerando que por ser transgênico, o grão não teria testes suficientes para demonstrar que não fará mal às pessoas. Mas, vale lembrar que o milho, a soja, o tomate e diversos outros alimentos globais já usam em escala majoritárias variedades obtidas por transgenia.
Este é apenas o projeto mais famoso, mas também tem o suporte financeiro da Fundação Bill & Melinda Gates o desenvolvimento de variedades de arroz resistentes ou tolerantes a estresses hídricos, por falta ou excesso, que permitem a cultura sobreviver mesmo vários dias submersa ou sem irrigação, à salinidade, a solos alcalinos, à toxicidade, a herbicidas, doenças e insetos, ao aquecimento global e ao frio, por exemplo.
Boa parte destas pesquisas estão dando suporte à inovação dos materiais genéticos, otimização do manejo e melhoramento da resposta produtiva e ambiental/agronômica das cultivares produzidas em países pobres, como a Índia, Bangladesh, Sri Lanka e outras nações mundiais.
A pesquisa para transformar o arroz de planta C3 para C4, alterando a eficiência da sua fotossíntese, é outra que avança com recursos dos milionários da tecnologia.
Somente em 2018, para desenvolver a Aliança de Aceleração do Ganho Genético em Arroz (AGGRi), em uma iniciativa inovadora para ajudar centenas de milhares de pequenos agricultores no mundo em desenvolvimento a cultivar mais eficientes safras de arroz e melhorar seus meios de subsistência, a FB&MG, doou 30 milhões de dólares.
IRRI e CIAT estão diretamente relacionados à revolução verde, nos anos 70, que promoveu o primeiro salto de produtividade no Rio Grande do Sul. Passamos de 1.800 para mais de 4.000 quilos por hectare. E depois para 5.300. O Flar está relacionado à base do material genético que desenvolveu algumas das principais cultivares ainda atualmente cultivadas no estado e no Brasil, e características importantes como resistência a doenças, produtividade, estabilidade produtiva, padrão do grão.
Bill e Melinda Gates estão, por meio de sua fundação, diretamente associados ao que será o arroz do século 21. A fortuna, avaliada em R$ 707 bilhões, será compartilhada, assim como a fundação, ora, será mantida pelo casal que deixará boa parte dos recursos exatamente para a caridade e, em destaque, a pesquisa.
Se nada mais der certo no futuro, mesmo divorciados, este casamento já deu frutos.
A continuidade da Fundação Bill e Melinda Gates, é a continuidade das pesquisas mais básicas e elementares do arroz, o que garantirá, sem dúvida, a sua longevidade em qualquer lugar do mundo. E isso inclui os rincões do Brasil.
O futuro do arroz é o futuro de bilhões de pessoas em todo o planeta.